segunda-feira, 8 de outubro de 2012

ANÕES... Ou Tratado sobre a pequenez... [4]



...O cheiro inconfundível do tofú frito. Sei que por aí também se pode comer filhotes de pombo e até uns escorpiões no espeto. Os três ou quatro espetados num filete de bambu que um executivo mastigava ontem na entrada de um templo ainda mexiam asquerosamente as patas. Sei que minha náusea é puro preconceito. Em quê esses pobres animais se diferem das rãs, das lagostas, dos grilos, dos camarões, dos frangos, dos porcos e das vacas? 
Na mesma ocasião um casal de noivos se deixava fotografar entre os ferros e os arcos de uma das pontes que cruzava o rio, essa imensidão de águas que ziguezagueia pela retaguarda da cidade... Quantos dejetos deve absorver silenciosamente! Até que um dia transborda e devolve toda a caca e toda infâmia a seus verdadeiros proprietários... A Cesar o que é de Cesar... Às tripas o que é das tripas. Os noivos faziam pose, abriam os braços, simulavam beijos fugazes, olhares românticos, um charme copiado das novelas... E o fotógrafo ia clicando afoito e obsessivamente como se fosse um repórter de guerra. Se jogava no chão, ficava de cócoras, trocava as lentes, punha filtros multicores, levantava comicamente a câmera com a mão esquerda enquanto com a direita ia fazendo sinais para que o casal ficasse mais para um lado ou mais para o outro. Queria que aparecesse o sol cor de fogo refletido na correnteza e mais na retaguarda os prédios imensos do Centro Financeiro de Pudong... Fazia de tudo para indexar ao fato os barcos e navios passando, aquele vai-e-vem de mortais de todo o mundo, uns com chapéus, outros com guarda-chuvas, outros com leques, lenços, binóculos, cachorrinhos de estimação, uns de mãos dadas, outros abraçados, outros guardando as devidas distancias... O fotógrafo contratado para registrar aquele momento único de vagueza e fatal na vida de um sujeito, também queria que em suas fotos aparecesse a inscrição imensa de uma das onipresentes multinacionais no topo de um edifício, as nuvens manchadas de cerejas e a imensidão do momento com toda sua profundidade... Bobagens! Torpes idealizações! Puerilidade profissional, mas compreensível, pois todo mundo sabe que nos últimos tempos a imagem passou a valer bem mais que o texto. E é fácil perceber que cada manézinho que faz malabarismos e que exibe sua câmera por aí sonha em ser um Man Ray ou um Alphonse Mucha. Aqui entre nós, alguém conhece ocupação mais esquisita que a de fotógrafo? Claro que não é isso o que eles próprios pensam de si mesmos... Um auxiliar opina aqui e ali, estica o véu da moça, lhe alisa os cabelos, ordena que abra mais as pernas e a boca. Quer que exiba os dentes sobrepostos, brancos ferozes e idênticos a madre pérolas, que tenha ao mesmo tempo a aparência de uma fera sanguinária e de uma ninfa virginal... Muita gente parou para assistir aquela melancólica futilidade. Fotografo a multidão boquiaberta e cínica com a mesma fúria e com a mesma bizarrice dos fotógrafos. Um chinês quase secular, com um fiapo de barbas brancas e longas parece especialmente atônito. Com sua experiência olha os detalhes, os pormenores, a mensagem impressa na coreografia e, quem sabe, poderia estar mastigando a conhecida ironia de um  sábio guru: “casar com uma mulher má é o mesmo que casar-se com o demônio!”. Aliás, não há dúvidas de que é um demônio que os incita a se escolherem, a coabitarem e a passarem a vida inteira discordando a respeito da "cópula"... E os ideogramas do I Ching parece que não têm servido para nada nesse particular... Ao mesmo tempo em que as igrejas do mundo inteiro incentivam o casal a ter o maior número possível de filhos, o estado chinês, esse dragão malthusiano, os proíbe de deixarem frutificar mais do que um único embrião... Haja desperdício de óvulos.., de espermatozóides... e de phodas!!!

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