domingo, 1 de abril de 2012

Breviário dominical...


Todas as manhãs às 6 e 45 em ponto meu cachorro vem implacavelmente latir em meus ouvidos lembrando-me que "acordamos vivos", que é hora de sair da letargia, saltar da cama e cair na real. Neste dia de domingo, quando veio cumprir esse seu antipático papel já havia um feixe de sol atravessando a vidraça e uma estranha leveza parecia domar e amenizar todas as loucuras e os desarranjos da urbe. Correndo os olhos pela abóboda silenciosa, azulada e radiante desse momento lembrei-me da narrativa de uma médica com transtorno bipolar onde afirmava que quando se está na fase maníaca até mesmo o ambulatório, às quatro da manhã, nos parece uma das oito maravilhas do mundo...

Um pouco mais tarde, ali num dos eixos do Lucio Costa um trio elétrico ligou as turbinas. O que será? Perguntei a meu cachorro. No passado tinha-se sempre a certeza que iria acontecer um grande ato ou uma grande manifestação política. Um sindicato enfurecido; um partido querendo devorar o outro; a esquerda embandeirada; a direita bradando seus crucifixos; os universitários exigindo menos erudição e mais sabedoria, os anarquistas com suas poses de cléricos cobrando a volta ao paraíso e os estudantes secundaristas inflamados e cuspindo ódio contra a corrupção e contra os capitalistas... Quê ironia. Hoje, a corrupção está praticamente legalizada e o capitalismo é idolatrado por absolutamente todos..! A cavalaria do exército com seus generais dando chicotadas por todos os lados; bombas, assassinatos, torturas, tiroteios, demagogias, autoritarismos, os verdes jurando que o planeta estava prestes a explodir; a imprensa fingindo-se de progressista mas sem em hipótese alguma incomodar seus anunciantes; a igreja, sempre astuta e discípula de Judas, com uma parte apoiando os comunistas e com outra dando força aos fascistas. Ah, o mundo enfim, naqueles tempos, era uma festa, com seus domingos sempre recheados de novidades, mais alegres, agitados, cheios de delirantes por todos os lados cada um com mil projetos e quase todos propondo o incêndio e a desconstrução do mundo. Hoje, as coisas mudaram. Agora, atrás dos “trios elétricos” só vai mesmo quem já morreu! Ou uma turba de embusteiros promovendo uma nova marca de cerveja, um novo sanduiche no Mac Donald ou uns idiotas propagandeando um novo modelo de automóvel... Nas esquinas e nos cruzamentos quando se vê vinte ou trinta garotos agrupados e balançando bandeiras já se sabe que se trata de algum Sex Shop recém inaugurado, de alguma nova seita capturando pecadores, de alguma empreiteira ou da divulgação do começo de alguma nova novela. Quando estão nas avenidas principais, já se sabe que ou são contratados do Carrefour, da Casa da Banha, da Igreja do reino de Deus, do Extra, do Varejão, do Flamengo, da Tok Stok, do Iguatemi ou de qualquer outra das inúmeras confrarias que viabilizam o consumo doentio e a crédito das três ou quatro “classes” principais do momento, dessas manadas que, sabe-se lá como, fazem girar o monjolo da miséria enrustida e da voracidade. Quê decadência!!! Como sobreviver a esse retardamento social quase planejado e a essa obstinada mudez?

3 comentários:

  1. ..."Atrás dos “trios elétricos” só vai mesmo quem já morreu!" Como pode alguém que ainda nem "nasceu" ter morrido atrás do "trio elétrico"? Sábado passado eu fui, novamente, apreciar o movimento da Lapa, e cada vez que vou naquele lugar, eu me acho cada vez mais "estranha"... Só bebendo alguns choppinhos para relaxar, e extrair algo de concreto daquele "biotério"...

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  2. Pois é, nos áureos tempos, quando eu ainda era menina, a Lapa era o reduto da boemia do Rio de Janeiro: artistas, poetas, músicos, escritores, compositores e toda a raça que pudesse representar algum ramo da arte, fosse da músida ou da palavra, reuniam-se nas proximidades dos Arcos da Lapa. Uma das figuras constantes era o nosso falecido ator e escritor Mário Lago. A partir da década de 80 a Lapa entrou em decadência, e suas ruas se tornaram uma hospedaria de mendigos, deliqüentes, bandidos, assaltantes, putas, travestis, drogados, policiais, taxistas, políticos (enrustidos), e tudo o que normalmente se encontra nos grandes centros das cidades. Quando retornei de Brasília, em 2005, a mídia propagava a tal "Revitalização da Lapa", em que resgatariam a "cultura carioca". De duas a três vezes por ano, eu abro mão do conforto da espelunca aonde moro, e resolvo ir andar por entre as ruas e vielas do Centro da Cidade, nas proximidades da Lapa, à procura da tal "revitalização da cultura carioca"...

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