quinta-feira, 12 de abril de 2012

Abortar os anencéfalos, tudo bem. Mas e que fazer com os demi-encéfalos???


Ontem saí caminhando da rodoviária em direção ao STF sob o sol das 14:00 horas ao lado do mendigo K., que estava com umas vestimentas quase medievais. Um casaco peruano enfiado pelo pescoço, sandálias amarradas sobre os tornozelos, pulseiras, brincos, tatuagens, os bigodes tipo os de Gunter Graas, dois pedaços de barbante como se fossem suspensórios e mais: uma placa de papelão que levava na mão direita com inscrições, fotos, pensamentos que iam de Cristo a Stalin, uma foto da Dilma, um patuá trazido de Pirenópolis, a lista dos sábios que virão relançar suas “obras” na Bienal do Livro e até uma meia página de jornal com a notícia de que em Beijing uma tumba pode custar até mais que um apartamento. O assunto em pauta era o dos fetos sem cérebro. Naquela exato momento os juízes estavam decidindo sobre a legalidade de abortá-los ou não. K., ia pensativo até o momento em que, meio mordaz, fez essa reflexão em voz alta: Por que Deus estaria se equivocando na hora de cruzar a sementeira e os cromossomos? Ou essa anomalia seria proposital? Não! Um Deus não seria nem tão burro e nem tão sádico! Não é verdade? – dirigiu-me a pergunta. A não ser que seja coisa do Demo. Bom, mas se for coisa do diabo, se for algum sortilégio, por quê é que as igrejas e seus sócios não admitem que se os retire das entranhas das mães??? O sol estava quase como um crematório. Passávamos pela Biblioteca Nacional e pelo Museu da República ambos fervilhando e cercados de cimento e de concreto por todos os lados, quando colocou-me a mão no ombro e murmurou meio desolado e em solilóquio: O puto que construíu essa merda toda seria afetado por anencefalia ou por demi-encefalia??? – Explodiu numa gargalhada ao mesmo tempo que passou a ponta imunda do casaco pela testa de onde lhe escorria um suor pegajoso. Não preciso nem lhes dizer que chegamos à Praça dos Três Poderes quase com uma encefalite e com um diagnóstico de câncer de pele. Lá estavam uns trinta ou quarenta sujeitos em “vigília” exigindo que os juízes votassem pela preservação do nascimento dos bebês sem cérebro. Mas e a mãe? Perguntou-me num cochicho. Como permaneci em silêncio ele próprio, abanando a cabeça, respondeu: a mãe que se lasque, não é verdade??? Fiquei um pouco preocupado quando o vi aproximar-se agressiva e exageradamente dos manifestantes, principalmente de uma freira negra que levantava o crucifixo amarrado em seu cinto em direção ao Supremo Tribunal. Para as massas, lembrei na hora, depois da Justiça Divina aquela, lamentavelmente, era a mais confiável. Permaneci ali uns vinte minutos ouvindo as lamúrias, as esperanças, as desolações, as idealizações infantis, os mal entendidos daquela gente condenada irremediavelmente à mediocridade até que um ônibus tipo os que fazem La Paz/Cochabamba apareceu lá em frente ao Itamarati. Ao aproximar-me de K., para despedir-me ouvi que ele dizia em tom professoral a uma senhora com severas olheiras: “Todas as esperanças são permitidas aos homens e às mulheres, inclusive a de desaparecer...

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