Você que tem de 10 a 80 anos ainda se atreveria a dar um abraço, pegar no colo ou a fazer um afago carinhoso na criança com quem cruza acidentalmente no zoo, num shopping ou numa feira? Duvido! O risco de ser acusado de pedófilo e de ser preso, mesmo sendo apenas um pré-adolescente assexuado ou apenas um velho solitário e brocha, é imenso. Ontem, inclusive, expulsaram do país um diplomata iraniano sob a acusação de que estaria sendo inconveniente ou abusando lascivamente de oito ou nove meninas na piscina de um clube. O Itamaraty foi acionado (mas, logo o Itamaraty!) e a embaixada persa teve que explicar-se. Alegou ter havido um mal entendido, um choque de culturas etc., e apressou-se em despachar o leitmotiv das suspeitas para Teerã... Pode ser!? Os pais das crianças, entretanto, envenenados por ocorrências semelhantes no dia a dia de nosso manicômio urbano, se viram tomados pela paranoia.
Claro que não há nada de novo nesse particular. O que continua obvio, sem voltar a falar nas manjadas teorias freudianas da Sedução e da Fantasia, é que não apenas o abuso sexual de crianças mas a sexualidade em si tem vindo pelos milênios a fora como um nó górdio e, evidentemente, deixado atrás de si destroços de loucuras e de crimes um mais esdrúxulo que o outro.
Nesse momento, com as prisões quase lotadas desses bizarros “sedutores”, como fofoca e numa tentativa, talvez, de retardar um pouco a desintegração completa de nossos agrupamentos sociais, as perguntas que mais se ouvem por aí, desde os quarteirões da insensatez até os redutos da intelligentsiasão mais ou menos as mesmas:
O que se poderia fazer para provar que um determinado ato tem ou não tem intencionalidade perversa?
Como estabelecer uma fronteira, o mais distante possível da subjetividade e do rancor, para não tornar o cotidiano ainda mais sexo-paranóide?
Como deixar as crianças a salvo dos pedófilos sem contudo enclausurá-las numa teia de horror e de moralismos que virá a tornar sua futura sexualidade numa usina de recusas e de angustias patológicas?
Como não interditar pelo medo a transação lúdica e afetiva necessária entre o mundo adulto e o universo infantil, coisa que até mesmo entre os macacos é algo imprescindível?
Como não cair no atraso, na pieguice e na ignorância de sexualizar a sensualidade, de criminalizar um simples abraço, um olhar, uma palavra, um carinho?
Como não projetar nas crianças o medo, a malicia e a fobia, assim como a neurose sexual dos adultos e das instituições vigentes?
Como não sexualizaraquilo que não é sexual como fez a igreja católica durante séculos, engendrando milhões e milhões de desgraçados, reprimidos e infelizes?
Como não satanizar o “outro” mais do que já está satanizado? E, por fim, como administrar os “viagras” e os tantos outros tipos de excitantes químicos, orais, auditivos e visuais que a “modernidade” tem oferecido gratuitamente a qualquer um, a qualquer tempo e a qualquer hora e que, sem beneditismos, têm perturbado, adoecido e empurrado a tropa masculina de todas as idades para as clinicas ou para a cadeia?
Onde ir buscar respostas? Para os mais céticos, ao invés de um prêmio, como alguns bípedes continuam acreditando, a sexualidade se revelou um castigo e um sintoma. Com os dois bonecos já prontos, vendo que na expressão deles havia quase o distanciamento do autismo, o cínico demiurgo tomou mais um punhado de lama e agregou nela, junto à vulva, um clitóris, e nele, na parte superior das bolas, um pênis. Ide atormentar-vos mutuamente pela estupida solidão da terra – teria decretado com sarcasmo. De lá para cá, uns estão por aí até hoje estuprando-se e comendo-se mutuamente; outros mudaram o objeto da neurose e se esfolam do jeito que podem; outros deslocaram sua tara para as crianças; outros para os animais; outros para os velhos e outros, enojados de toda essa barbárie e dessa triste e interminável negociação de fluidos, inventaram o fervor onanista... Se consultado, Cioran nos lembraria: “Só os monstros podem se permitir ver as coisas como elas são...
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