Lendo seu livro sobre meu antigo e distante ídolo não pude deixar de pensar no acontecimento que foi para mim a leitura de Geschlecht und Charakter (sexo e caráter). Era 1928, eu tinha dezessete anos e, ávido de toda forma de excesso e de heresia gostava de extrair as últimas consequências de cada ideia, levar o rigor até a aberração, até a provocação, conferir ao furor a dignidade de um sistema. Dito com outras palavras: tudo me apaixonava salvo el matiz. Em Weininger me fascinava a exageração vertiginosa, o infinito dentro da negação, o repudio ao sentido comum, a intransigência mortífera, a busca de uma posição absoluta, a mania de conduzir um raciocínio até o ponto em que ele se destrói a si mesmo e arruína o edifício do qual faz parte. Além disso me fascinava sua obsessão pelo criminoso e pelo epiléptico (especialmente acentuada em Uber die letzten Dinge [sobre as coisas últimas], o culto pela fórmula genial e pela excomunhão arbitrária, a equiparação da mulher com o Nada e inclusive com algo menor. A esta afirmação devastadora minha adesão foi completa de entrada. O objeto desta carta é dar-lhe a conhecer as circunstâncias que me levaram a comungar com ditas teses extremas sobre o mencionado Nada. Circunstância trivial, se é que existe, que entretanto, ditaria meu comportamento durante vários anos, de fato durante toda minha existência de estudante. Ainda frequentava o Liceu e estava enamorado da filosofia e de uma... jovem, estudante como eu. Detalhe importante: não a conhecia pessoalmente, apesar de pertencer ao mesmo meio social que minha família. Como acontece frequentemente com os adolescentes, eu era cada vez mais insolente e tímido, mas minha timidez era maior que minha insolência. Durante mais de um ano suportei aquele suplício, que culminou no dia em que, lendo sob uma árvore no parque da cidade, de repente ouvi risadas. Quando me virei... vi que era ela em companhia de um de meus companheiros de classe, justamente o que mais desprezávamos e que era conhecido por todos como “o piolho”. Apesar de fazer cinquenta anos, recordo perfeitamente o que senti naquele instante. Mas me nego às precisões. O fato é que jurei no ato acabar com os “sentimentos”. E foi assim como me converti em um frequentador assíduo dos bordeis. Um ano depois dessa decepção, radical e corrente ao mesmo tempo, Weininger apareceu em minha vida. Eu me encontrava na situação ideal para compreendê-lo. Suas magníficas enormidades sobre as mulheres me embriagavam. Como era possível que eu tivesse me encaprichado com uma paródia de ser?, me perguntava sem cessar. Por que esse tormento, esse calvário por causa de uma ficção, de um Nada encarnado? Um predestinado havia chegado, por fim, para liberar-me. Porém aquela liberação me lançaria numa superstição que ele condenava, uma vez que caí nesse Romantik der Prostitution incompreensível para as pessoas sérias e que é uma especialidade do Este e do Sudeste da Europa. De qualquer forma, minha vida de estudante se desenvolveu sob o encanto da puta, à sombra de sua degradação protetora, calorosa e inclusive maternal. Weininger, proporcionando-me as razões filosóficas para execrar à mulher “honesta”, me curou do “amor” durante o período mais orgulhoso e frenético de minha vida. (em Ejercicios de admiracion y otros textos. Tusquets Editores, 1992.)
seria mais interessante ele adolescente nos anos 00, fã de californication...
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