terça-feira, 19 de julho de 2005

Uma pesudo-metafísica para os ribeirinhos


"Todos os rios correm para o mar e, contudo, o mar não transborda"… (Será?)

Livro do Eclesiastes, 1,7.

Em viagem à foz do Rio São Francisco:

..."O sujeito de chapéu e mais do que impertinente que viajava no mesmo ônibus que eu, em determinado momento de sua ansiedade colocou a mão em meu joelho e com o típico olhar provocador dos maníacos perguntou-me:

-Sabe qual foi a maior contribuição da ciência, até hoje, no campo social e político?

Enquanto buscava a resposta em minha memória ginasiana e listava a descoberta casual da insulina, o teste de Papanicolau, Fleming e a penicilina, os antihistamínicos, a roda, o rádio etc, exibindo-me a manchete de um jornal sobre os atentados em Londres, ele próprio respondeu o que havia me perguntado:

-A dinamite! Sim, a maior contribuição das ciências ao social, a devemos ao químico sueco chamado Nobel. Não podemos esquecer que foi a Suécia, esse paraíso socialista de bêbados, que deu ao mundo a dinamite… E só por curiosidade, observe que esse explosivo à base de nitroglicerina a que se adiciona uma substância inerte é uma palavra feminina…

Como percebeu meu espanto mas também minha empatia por sua teorização, justificou-a em voz alta, sem a mínima discrição:

-A dinamite, essa preciosa substância que pode ser levada dentro de um livro, dentro de um cachimbo, num bolsinho de cueca sem perigo algum, foi a melhor coisa que a ciência já produziu para os milhões e milhões de trabalhadores pobres, humilhados e fodidos do planeta… E digo isto porque com cinqüenta ou cem reais dessa substância se pode produzir mais mudanças sociais do que através das bolsa-escola, das cotas para negros e para índios, das cestas básicas, da suposta democracia, da suposta justiça e do suposto direito… Todo mundo sabe que mais de 3/4 da humanidade atolados como bestas na imundícia das religiões, da tirania disfarçada das repúblicas e dos partidos só não foi completa e absolutamente destroçada pela providencial existência da dinamite. Se Deus até agora só teve ouvidos para os ricos, para os corruptos e para os exploradores, então a dinamite foi uma revelação de Satanás para seu povo, a maioria dos fodidos da terra….

Como aquele era o meu primeiro dia de férias, inclinei a poltrona e dei um jeito de interromper sua fala e seu entusiasmo, sem contudo conseguir evitar que essa temática me acompanhasse da nascente até a foz do rio São Francisco, desse rio que, apesar dos ribeirinhos, dos ecologistas, dos esgotos e dos governos, desliza traiçoeiro e perigoso para o mar.

Ezio Flavio Bazzo

Um comentário:

  1. um certo respeitável senhor alemão, do final do século xix - inimigo de meus inimigos, portanto meu amigo - disse em sua auto-biografia: "não sou um homem, sou uma dinamite". esse senhor foi contemporâneo dos mineiros que, por meio de explosões, realizavam sua arte em café, e outros lugares frequentados pela burguesia da época, mandando tudo pelos ares. devido à sua debilitada saúde, não pode se tornar aquilo que ele era. mas, assistiu a tudo e pintou, com cores maravilhosas e fortes, o quadro de sua época, até com um certo ciúme quando uma de suas grandes paixões se aproximou de outro senhor dinamite chamado bakunin. que nietzsche, bakunin, e a ciência anarquista por excelência, a química, retornem dos escombros e, ao menos, inspirem a criação de uma nova matilha de dinamites livres-pensadores. ou, os enterremos de vez e, mesmo assim criemos essa poderosa matilha. que a liberdade do pensar surja como liberdade de ação.

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