quinta-feira, 28 de junho de 2018

A guerra entre gêneros?... Ou, mais um sintoma da miséria humana???

Homem cria instituto para defender acusados na Lei Maria da Penha




Para o criador do Instituto Homem, a maior atenção da Justiça aos casos de violência doméstica está "acabando com a família" (foto: Fernando Lopes/CB/D.A Press)
O investidor Luiz Gonzaga de Lira, 63 anos, pretende inaugurar nos próximos dias o Instituto Homem, um associação de acolhimento a homens acusados de violência doméstica, e que foram enquadrados na Lei Maria da Penha (11.340/2006). Segundo ele, os "juízes que estão cuidando desses casos são verdadeiros criminosos, jogando homens para fora de casa". 
A previsão era que a equipe do Instituto Homem, que será composta por advogados e psicólogos, estivesse formada até essa terça-feira (26/6), segundo o fundador. A sede já está praticamente pronta, vai funcionar em Samambaia Norte, "tudo muito simples", como ele mesmo diz. Lira faz questão de frisar que, por enquanto, o instituto vai contar com o voluntariado, e que, inclusive já anunciou a causa duas vezes nos classificados do Correio, em busca de pessoas que se interessem em ajudar a causa.
No entanto, a ideia não foi bem recebida por internautas, que criticaram a associação que ainda nem começou a funcionar. Apesar das críticas, Lira diz não se importar. Segundo ele, uma das principais causas levantadas pela instituição é o retorno ao modelo de tratamento da violência doméstica anterior à Maria da Penha. Quando casos de agressão eram debatidos na esfera comum, sem varas especiais de apoio à mulher.
Continua depois da publicidade



sobre o Instituto Homem para defender acusados pela Lei Maria da Penha: todo mundo tem direito a ampla defesa, mas não é esse o objetivo. o idealizador quer tornar a lei inconstitucional e argumenta que "essa lei está prejudicando toda a família%u201D
%u2014 let me femsplain that for you (@abrunagalvao) 20 de junho de 2018




Essa história de Instituto Homem é piada né? Só tem palhaço na porra desse país
%u2014 pumpkin #protectEmi (@polarissu) 20 de junho de 2018




criado o instituto homem pq "o homem está desamparado" kkkkkkkkkkkkkkkk homens parem vcs estão sem limite aí na vergonha
%u2014 2d líder %uD83C%uDDE7%uD83C%uDDF7 (@_Crfduda) 21 de junho de 2018

Segundo a promotora de justiça do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT), que coordena o projeto Tarde de Reflexão, que acolhe homens enquadrados na Maria da Penha, todas as instituições que defendam o esclarecimento de direitos é válida, mas, ao contrário do que defende o Instituto Homem, ela acredita que este não é o momento de abolir a Lei Maria da Pena. "A lei é uma ação afirmativa, e como toda ação afirmativa, tende a deixar de existir ao longo do tempo, mas não neste momento, as mulheres ainda são o ponto mais fraco na relação entre homens e mulheres, o desnível ainda é grande no Brasi"”, acredita. Isso ainda faz necessário que casos de agressões no âmbito familiar sejam enquadrados em uma lei específica.
Na contramão, o Instituto Homem acredita que a criação de delegacias da mulher e as varas especiais, por exemplo, geraram vantagens para as mulheres nos casos de violência doméstica. "Depois disso, tudo piorou. Os homens estão sendo jogados das casas. A gente vai lutar para as delegacias serem como eram antes", promete. Hoje, segundo Gonzaga, "as famílias estão sendo destruídas por causa da arbitrariedade da lei".
Mas, uma instituição para defender os direitos dos homens se faz realmente necessária? Veja: 

1- "Homens estão sendo jogados das casas, estão largados", essa é um dos principais argumentos de Gonzaga para a criação do Instituto Homem. 

Homens enquadrados em crimes de violência doméstica não ficam exatamente "largados". Só no Distrito Federal, há dois programas de acolhimento aos autores de crimes no âmbito da Lei Maria da Penha. O Tarde de Reflexão, uma iniciativa do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) em parceria com a Secretaria da Mulher, é uma delas, e promove o acolhimento de pessoas envolvidas em violência doméstica, tanto as vítimas quanto os agressores. 
Uma das gestoras do programa, Rosemeire Xavier Batista, explica que as reuniões são conduzidas por uma equipe multidisciplinar, que presta esclarecimentos sobre os aspectos legais relacionados à violência doméstica. "Quando o homem chega aqui ele vem com muitas reservas, e a gente até entende que alguns homens não têm uma mínima noção dos direitos nesses casos", comenta. 
Os agressores também são atendidos pelos Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica (NAFAVDs), que atendem aos artigos 35 e 45 da Lei Maria da Penha, que definem a possibilidade de criação e encaminhamento judicial com "comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação". O objetivo é provocar reflexões sobre as questões de gênero, a comunicação e expressão dos sentimentos, a Lei Maria da Penha, entre outros temas, buscando quebrar o ciclo da violência doméstica. Atualmente, existem nove núcleos funcionando no Distrito Federal nas cidades de Brazlândia, Gama, Núcleo Bandeirante, Paranoá, Planaltina, Samambaia, Santa Maria, Sobradinho e no Plano Piloto. 
Continua depois da publicidade

2- "A Lei Maria da Penha está acabando com as famílias"

Para o criador do Instituto Homem, a maior atenção da Justiça aos casos de violência doméstica está "acabando com a família". Mas, de acordo com a promotora de Justiça Lia Siqueira, a preservação da família não é um valor absoluto, um núcleo familiar não pode ser mantido sob a violência. "Existe a concepção de que o homem poderia impor a sua vontade na família por meio da violência. É esse tipo de mentalidade que a Lei Maria da Penha tenta fazer com que não exista mais. É preciso que exista uma igualdade no relacionamento entre as pessoas", esclarece. 

3- Quando implantadas as medidas protetivas o homem sai de casa sem nada?

Além de apoio psicológico e jurídico, o Instituto Homem quer oferecer um sopão, banho e roupas novas para os homens que foram afastados dos lares devido à aplicação de medidas protetivas. Mas, segundo a promotora de Justiça do MPDFT, há um desconhecimento nos direitos que o homem tem quando enquadrado na Maria da Pena. "O homem sai de casa, mas ele tem direito de levar seus bens pessoais, ele não perde os seus bens”, esclarece.

4- Após a Lei Maria da Penha os homens se tornaram o lado mais fragilizado?



Embora exista uma lei específica para tratar de violência doméstica, os casos ainda são crescentes no Brasil e as mulheres continuam sendo as maiores vítimas da violência dentro de casa. Pesquisa realizada pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) identificou que, até o final de 2017, existia um processo judicial de violência doméstica para cada 100 mulheres brasileiras. São 1.273.398 processos referentes à violência doméstica contra a mulher em tramitação na Justiça dos estados em todo o país. Só em 2017, 388.263 casos novos de violência doméstica e familiar contra a mulher foram registrados, 16% mais do que em 2016. Em apenas cinco meses, entre janeiro e maio deste ano, o Distrito Federal contabilizou 13 assassinatos investigados como feminicídio. O termo se refere aos crimes contra a vida de mulheres, praticados em função do gênero. O número é 30% maior que os 10 casos registrados no mesmo período de 2017. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública, responsável pela elaboração das estatísticas mensais de crimes na capital.

5- Lei Maria da Penha destrói as famílias?

Segundo Lia Siqueira, famílias em contextos de menor violência são famílias melhores. Dados produzidos pela Coordenadoria Administrativa das Promotorias de Justiça de Brazlândia mostram que o programa de esclarecimento da Lei Maria da Penha para agressores é um exemplo para evitar a reincidência nos crimes relacionados à violência doméstica. Para se ter uma ideia, mais de 85% dos autores de crimes que participam do programa não voltam a cometer novos delitos previstos na Lei Maria da Penha. 

terça-feira, 26 de junho de 2018

Para testar o grau de sua saúde mental e de sua misantropia...

"Não é difícil de imaginar o efeito da comédia de Moliére sobre os tensos e maltratados nervos dos contemporâneos...
Paul Tabori

 Se você é um daqueles babacões que se pavoneia de ter atingido um grau de sapiência e de iluminação raro e de que o equilíbrio emocional e a paciência são seus maiores patrimônios, faça um teste: ligue para uma das "nossas" conhecidas operadoras para cancelar algum serviço.
55 minutos de cólera e de fúria!, onde nossos instintos mais primitivos e destrutivos emergem...
Você tem a impressão de que as moças que te atendem estão no centro de um hospício ou mesmo num dos círculos mais terríveis e barulhentos do inferno... 
E a primeira, com voz de quem está no meio de um felátio vai "encaminhar-te" para uma colega, (com voz de quem está no meio de um cunnilingus) que vai fazer-te novamente as perguntas da primeira e que vai 'encaminhar-te" para uma outra colega que entre dezenas de indagações, quer saber como se chamava sua mãe, se tinha os olhos negros ou lilás, se morreu diabética ou num acidente de navio, se seu pai conheceu as prisões de Getúlio, se você ainda é virgem e se é o último ou o primeiro da prole... Se já leu o Diário de um mago e o Pequeno príncipe... 
E o seu CPF? Casado, viuvo, nômade ou sedentário? Religioso ou condenado às fogueiras do além? E a próstata, vai bem? E as  cataratas? Não as do Iguaçú, as que cobrem as córneas, como vão? E o alzheimer? E o colesterol? Quantas vacas e quantos frangos e quantos porcos já digeriu em sua existência? E a  Russia? E o fim de semana? E a tarde de quarta-feira de folga para ver os jogos? E o país voltando para a Idade Média? Onde estão as ucranianas do grupo FEMEM que não aparecem com suas deliciosas tetas para fora para desafiar o Putim??? 
E tudo isso no meio de uma barulheira impressionante, de interferências, de buzinas e de chips apitando, dos gritos de outros clientes.., e da voz manhosa das moças que, para ganhar uma miséria, têm que passar o dia inteiro mentindo em nome das corporações...
Onde estão os burocratas da Organização Internacional do Trabalho? Quem é que vai providenciar e pagar o inevitável internamento daquelas pobres trabalhadoras?

O que aconteceria se todo mundo fosse vegano? (No Le Monde, de hoje)

segunda-feira, 25 de junho de 2018

diálogos & frescuras entre bilionários...

"Já fui pobre e já fui rico - ser rico é melhor. É melhor ser rico e saudável do que pobre e doente..."
(Ver a Cabala do dinheiro)

Se os "torcedores" de todas as cores e laias soubessem em detalhes quanto ganham os jogadores de futebol, os técnicos, os bandeirinhas, os comentaristas, os locutores e toda a indústria e a turba que gira ao redor desse circo, talvez, por mais alienados,  aturditos e submissos que estejam, entrassem em colapso. E não necessariamente por inveja, mas por lógica. 
É difícil digerir a idéia de que esses singelos e quase sempre analfabetos personagens, ganhem até 1 milhão cada trinta dias enquanto 95% da humanidade rasteja, se não no meio, pelo menos à margem dos esgotos e da merda... E é mais difícil ainda ouvi-los, de vez em quando, dando conselhos sobre moda, falando em ética, em igualdade social, em salvar o país, em Cristo e até elegendo as mulheres "mais gostosas do mundo"... 
E se tornam rapidamente em símbolos sexuais até para as balzaquianas e heróis para as crianças... 
Bah!  Talvez esta seja uma das aberrações mais estúpidas, asquerosas e surrealistas da espécie e do capitalismo...

domingo, 24 de junho de 2018

Diário de um escritor...


Deus, Alá e a flor que murchou 

sua beleza como derradeiro 

ato de liberdade

Kazan já me mostra seu sincretismo étnico-religioso junto à entrada 

do Kremlin local

Capital da República do Tartaristão, uma das repúblicas que formam a Federação Russa, Kazan já me mostra seu sincretismo étnico-religioso junto à entrada  do Kremlin local: uma inscrição, em cirílico e em árabe, celebra a contribuição das profissões de fé ortodoxa e muçulmana para as tradições da cidade. É assim que sobrenomes como Chamilov e Kiríllov despontam em feições com olhos puxados e maçãs do rosto sobrelevadas, traços típicos dos tártaros de origem asiática. [Bem capaz de surpreender boa parte dos forasteiros, tal mescla não tem como deixar este brasileiro boquiaberto, uma vez que a mestiçagem é a razão de ser do nosso país – do horror da escravidão de negros e índios pelos portugueses ao ímpeto (até hoje dolosamente adiado) por uma verdadeira e libertária democracia plurirracial.]
Cruzada a muralha caiada e altiva do Kremlin, logo deparo com a escultura de um guerreiro tártaro de feições enrijecidas pela iminência do combate. O traje militar, não de todo distinto de um quimono, é atado por uma faixa, à altura da cintura. Com o braço esquerdo, o soldado soergue um enorme escudo; a mão direita retém uma espada de lâmina curva como a lua crescente islâmica – eis o prenúncio da jihad, a guerra santa que os islâmicos tiveram o ímpeto de mover contra o tsar Ivan, o Terrível (1530-1584), já que o adjetivo que veio a caracterizar o monarca bem nos pode mostrar sua disposição em reprimir duramente os muçulmanos que vinham professando sua fé bem antes da chegada da cruz (e das tropas) ortodoxa(s).
Guerreiro tártaro em meio ao Kremlin de Kazan
Guerreiro tártaro em meio ao Kremlin de Kazan (Flávio Ricardo Vassoler/VEJA.com)
Mas eis que, à revelia do déspota ortodoxo e em consonância com a maioria da população de Kazan, que professa o islamismo, o Kremlin abriga em suas muralhas uma mesquita de abóbada azul vivaz circundada por quatro minaretes, em cujos topos a lua islâmica desponta voltada para Meca. Como sói acontecer, trechos do Alcorão percorrem as paredes da mesquita com a plasticidade dos caracteres árabes.
 Mesquita em meio ao Kremlin de Kazan
Mesquita em meio ao Kremlin de Kazan (Flávio Ricardo Vassoler/VEJA.com)
Trechos do Alcorão pelas paredes da mesquita situada no Kremlin de Kazan
Trechos do Alcorão pelas paredes da mesquita situada no Kremlin de Kazan (Flávio Ricardo Vassoler/VEJA.com)
Como o Ocidente e suas (neo)cruzadas tendem a ter uma visão extremamente limitante e limitada do islamismo, compartilho com os leitores e leitoras do Diário de um escritor na Rússia alguns trechos do “Sermão de despedida do profeta Maomé”, um dos textos religiosos mais libertários com os quais já tive contato. Li tal sermão pela primeira vez, em inglês, no pátio da Mesquita Azul, em Istambul, na Turquia; como o Ocidente é cioso de sua própria genealogia para a construção dos direitos humanos, os muçulmanos parecem (e não mais do que parecem) desprovidos da possibilidade de alteridade e empatia. Não à toa, entretanto, o “Sermão de despedida do profeta Maomé” foi arrolado como um prenúncio da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Eis, então, alguns fragmentos maometanos que ressoam e renovam as palavras mais emancipatórias de Jesus Cristo:
“Ó Povo, assim como consideram esse mês, esse dia e essa cidade como sagrados, considerem a vida e a propriedade de todo muçulmano como sagrados. Devolvam os bens que lhes forem confiados aos seus legítimos donos. Não prejudiquem uns aos outros para que ninguém os prejudique. Lembrem que encontrarão seu Senhor, e que Ele pedirá contas de seus atos. (…) Não devem infligir nem sofrer qualquer injustiça.
“Ó Povo, é verdade que têm certos direitos em relação às suas mulheres, mas elas também têm direitos sobre vocês. Lembrem que as tomaram como esposas somente sob a custódia de Deus e com Sua permissão. Se elas mantiverem os seus direitos, então a elas pertence o direito de serem vestidas e alimentadas com gentileza. Tratem bem suas mulheres e sejam gentis com elas, porque elas são suas parceiras e ajudantes dedicadas.
“Toda a humanidade descende de Adão e Eva. Um árabe não é superior a um não-árabe, nem um não-árabe tem qualquer superioridade sobre um árabe; o branco não tem superioridade sobre o negro, nem o negro é superior ao branco; ninguém é superior, exceto pela piedade e boas ações. Aprendam que todo muçulmano é irmão de todo muçulmano e que os muçulmanos constituem uma irmandade. Nada que pertença a um muçulmano é legítimo para outro muçulmano a menos que seja dado de livre e espontânea vontade. Portanto, não cometam injustiças contra vocês mesmos.
“Lembrem que um dia se apresentarão perante Deus e responderão pelos seus atos. Então fiquem atentos e não se desviem do caminho da retidão após eu partir”.
A 100 metros (se tanto) da mesquita, deparo com uma igreja ortodoxa encimada por bulbos azuis, ao centro dos quais desponta um bulbo dourado e sobrelevado representando a primazia de Deus.
Igreja ortodoxa erigida pelo tsar Ivan, o Terrível, em meio ao Kremlin de Kazan
Igreja ortodoxa erigida pelo tsar Ivan, o Terrível, em meio ao Kremlin de Kazan (Flávio Ricardo Vassoler/VEJA.com)
Por séculos desde Ivan, o Terrível – a mando de quem tal igreja ortodoxa foi erigida –, o canal Bulac cindiu Kazan em duas metades antagônicas: de um lado, os cristãos ortodoxos; do outro, os tártaros muçulmanos. Se nos lembrarmos da águia bicéfala como símbolo da monarquia tsarista, teremos que a águia voltada para o Ocidente (a Europa) e a águia voltada para o Oriente (a Ásia) só não se devoravam porque a coroa do tsar, pairando em meio a ambas para conter o potencial fratricídio, (supostamente) suplantava e unificava as dissensões. Para além, no entanto, do cetro monárquico – e a despeito da nova aliança (ou melhor, da nova cumplicidade) entre Estado e ortodoxia sob Vladimir Putin –, o Kremlin de Kazan dá o tom para a
coexistência pacífica entre cristãos e muçulmanos.
 Em meio ao Kremlin de Kazan, o islamismo de uma Mesquista e o cristianismo de uma igreja ortodoxa coexistem
Em meio ao Kremlin de Kazan, o islamismo de uma Mesquista e o cristianismo de uma igreja ortodoxa coexistem (Flávio Ricardo Vassoler/VEJA.com)
Ocorre que a convivência entre fiéis de credos distintos em meio aos territórios russófilos pluriétnicos e plurirreligiosos tem um histórico profundamente encarniçado.
Recorramos, então, à novela Khadji-Murát, de Liev Tolstói(1) (1828-1910) – publicada, postumamente, em 1912 –, para, em meio ao Cáucaso convulsionado por guerras étnico-religiosas entre cristãos e muçulmanos, entrarmos em contato com momentos cruciais da vida do comandante regional Khadji-Murát, rebelde que já lutara ao lado do imame Chamil (1797-1871), chefe caucasiano que, a partir de 1834, moveu
guerra aos russos durante 25 anos.
Quando o narrador de Tolstói nos apresenta Khadji-Murát, o combatente se debandara para o lado dos russos. A princípio, imaginamos que Murát traíra Chamil pela vontade de poder, pois o (suposto) desertor já “imaginava como avançaria contra Chamil à frente do exército que [o comandante russo] Vorontzóv lhe daria e como o faria prisioneiro; depois, o tsar russo iria premiá-lo, e ele governaria não só a Avaria, mas toda a Tchetchênia por ele submetida”(2) . Logo descobrimos que, em meio às disputas de poder, Chamil aprisionara os familiares de Khadji-Murát – daí a guinada do rebelde em direção aos cristãos e daí o ímpeto por vendeta. [Exímio conhecedor das contradições humanas, Tolstói entrevê o altar da jihad (guerra santa) soerguido pela natureza profana dos homens.]
Panoramicamente, eis os marcos narrativos de Khadji-Murát. Ocorre que, junto com o fluxo da estória, o breve romance parece desvelar um afã tolstoiano por cenários e costumes típicos do Cáucaso, afã que, encadeado poeticamente à narrativa, chega a conferir estatura ontológica às descrições, como se a natureza e a cultura do Cáucaso fossem elevadas à condição de personagens. É assim que “margaridas insolentes” se esgueiram entre “malmequeres brancos e jeitosos, de pólen amarelo vivo”(3) ; é assim que “doía olhar para o aço das baionetas e para o brilho, semelhante a pequenos sóis, que aparecia subitamente sobre o bronze dos canhões”(4) ; é assim que a “fragrância orvalhada da noite de lua” ressoa “o canto e o silvo de alguns rouxinóis, vindos do jardim pegado à casa”(5) ; é assim que a lembrança do avô de Khadji-Murát, “de rosto enrugado e
barbicha grisalha”, o obriga a proferir as orações diárias com suas “mãos de veias intumescidas” 6 . [Em Khadji-Murát, a sobreposição vertiginosa de descrições- personagens como que transforma o foco narrativo em tomadas fílmicas – não à toa, o cineasta russo Serguei Eisenstein (1898-1948) apreendeu germes de narrativa cinematográfica em meio à pulsão imagética de Tolstói.]
Em um breve preâmbulo a Khadji-Murát, o narrador nos diz que tentara colocar uma bardana de haste rija e fibrosa no centro de um ramalhete com as mais belas flores do Cáucaso. A bardana resistiu vigorosamente à subjugação e, quando seu caule enfim se partiu, a flor murchou sua beleza como um derradeiro ato de liberdade. Ao fim da estória, o narrador retoma a imagem da bardana indômita como uma metáfora para o destino de Khadji-Murát, cuja vida premida entre a dominação russa, a guerra santa e a vendeta pelos entes queridos o transforma em uma personagem trágica, para quem, ainda que a morte seja certa e iminente, é preciso fazer o elogio do próprio naufrágio.(Publicado na Revista Veja)

1 A edição de Khadji-Murát que tenho em mãos foi publicada, em 2017, pela Editora 34, de São Paulo, com tradução de Boris Schnaiderman. Todas as citações da obra presentes neste texto partem dessa edição de Khadji-Murát.
2 Khadji-Murát, p. 52.
3 Khadji-Murát, p. 25.
4 Idem, pp. 126-127.
5 Idem, pp. 162-163.
6 Idem, p. 166.
Sobre o autor
Flávio Ricardo Vassoler, escritor e professor, é doutor em Teoria Literária e Literatura 
Comparada pela FFLCH-USP, com pós-doutorado em Literatura Russa pela Northwestern University (EUA). É autor das obras O evangelho segundo Talião (nVersos, 2013), Tiro de misericórdia (nVersos, 2014) e Dostoiévski e a dialética: Fetichismo da forma, utopia como conteúdo (Hedra, 2018), além de ter organizado o livro de ensaios Fiódor Dostoiévski e Ingmar Bergman: O niilismo da modernidade (Intermeios, 2012) e, ao lado de Alexandre Rosa e Ieda Lebensztayn, o livro Pai contra mãe e outros contos (Hedra, 2018), de Machado de Assis. Página na internet: Portal Heráclito, http://www.portalheraclito.com.br.


Já que hoje é domingo...

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Psicanálise na rua. O que diria Freud e seus arcebispos??? (1)


"... O carvão se ri da cinza, sem saber que lhe espera a mesma sorte..."
Provérbio dos nômades da etnia Masai






Brasília já protagonizou coisas que, contadas, parecem inverossímeis, inconcebíveis e até delirantes. 
A mais curiosa e transcendente dos últimos trinta anos é a que descobri hoje, e inclusive junto à única estátua do Zumbi que há na cidade: um grupo de psicólogos praticando PSICANÁLISE DE RUA!, Gratuita e em frente ao maldito CONIC, esse agrupamento de edifícios que lá pelo fim da madrugada, acolhe as faunas mais variadas tanto da urbe como do universo suburbano. 
Independente do que podem pensar os discípulos fatigados de Freud e de Lacan, achei o máximo. Enfim, um ensaio de libertação e de desacralização da velha e sofisticada religião talmudica... 
Mas, e o setting analítico e o manejo clinico? E a configuração? E o cenário? Me perguntava um doutor pela Paris VII e com quinze anos de análise pessoal. 
E o sigilo?, me perguntava outra senhora que investiu sua vida decorando os Cadernos de Lacan e que teve que vender um apartamento para poder pagar sua análise didática. Enquanto estávamos lá, ao lado da estátua de Zumbi e do cartaz que indicava que ali se podia fazer psicanálise gratuita, chegaram dois ou três "pacientes", vindos dos lados da rodoviária e da boca do metrô e ocuparam timidamente as cadeiras em frente aos analistas e começaram a falar daquilo que até então não haviam podido contar a ninguém. E os profissionais, naquela espécie de oráculo a céu aberto, os ouviam atentamente, sem dizer nada, apenas os ouviam, sabendo que a tarefa de ouvir e a escuta analítica é essencial e que pode fazer um bem imenso a quem fala, e não apenas aos burgueses, lá no divã, mas também ali, no meio da rua, aos pobres e fodidos que já não têm mais nem uma pedra onde apoiar a cabeça...
_____________________________
Observação: Ao lado da bolsa de uma das psicólogas havia três livros cujos títulos pude anotar:
1. Os filhos de Freud estão cansados (Catherine Clément)
2. Les trois metiers impossibles (M. Fain; E. Enriquez; M. Cifali e J. Cournut)
3.  La isquierda Freudiana (Paul A. Robinson)




Enquanto isso, ali numa idílica ilha do Caribe...

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Para esta tarde do outono...

Os brasileiros obscenos na Russia...

"Se é arte, não é para todos; e, se é para todos, não é arte..."
A. Schoenberg


Os moralistas, as donas de casa e outros energúmenos de genitais congelados estão indignados e indispostos com o video que circula por todos os canais mostrando aqueles três ou quatro brasileiros, lá na Russia, ensinando obscenidades em português a três ou quatro queridas, simpáticas e desejáveis senhorinhas nativas que se fazem de bobalhonas para conhecer e capturar os trouxas... 
E os tais brasileiros não são adolescentes e nem pés de chinelo não! São homens com mais de 30 e se dizem advogados, empresários e etc. 
Obscenidades? O que é obscenidade?  Resposta: Ora! Falar sobre os genitais! E, principalmente, genitais femininos! 
Não é verdade moralistas e broxas de plantão? 
Por ter nascido por UMA, ninguém se atreve mais a nominá-la, seja ela cor de rosa (como eles imaginavam ser a das russas) preta, lilás ou outra cor qualquer... 
E o mais curioso é que os estão acusando de serem misógenos! 
Ora! Parece ser exatamente o contrário! Eles, com essa "brincadeira idiota" demonstram estar ainda fascinados pelo lugar por onde nasceram! 
Misógeno? Misógeno é quem faz de tudo para negar essa parte do corpo feminino e viver como se ela não existisse... quem tem medo dela e que nem se atreve a mencioná-la. Misógeno? Segundo os manuais de psicopatologia, não é aquele que detesta mulheres - como uns energúmenos estão dizendo por aí -, mas aquele que tem nojo e asco pelo genital feminino. O que, convenhamos, não parece ser o caso deles que, ao invés de estarem lá nos estádios como vacas adestradas, estão preferindo as belezas e a vida das ruas, fora das arquibancadas... 
Enfim, não é grave! Foi apenas mais um sintoma da carência e da repressão sexual. Apenas uma maneira pervertida e oral de expressar o desejo. 
E O MORALISMO, estejam certos, é pior que todas as obscenidades juntas! O moralismo sim fede e esta a serviço de uma confraria que afundou o mundo nesta cloaca que muito bem conhecemos. 
Em momentos como estes é fundamental voltar a ler o livro: Las malas palabras, do psicanalista argentino Ariel Arango... E la nave va!


terça-feira, 19 de junho de 2018

Enquanto isso... pela janela dos fundos...








A Russia... Apesar & além dos idiotas...

"Creio que amar apenas a prosperidade é, de certo modo, até indecente. Bem ou mal, quebrar às vezes algo é também muito agradável..."

 Fiódor Dostoiévski, 
IN: Memórias do subsolo, página 48


A Rússia de Dostoiévski e Tolstói, Maiakóvski e Stálin, Gagárin e Putin

Nesse país de cultura e história tão ricas quanto contraditórias eu viajarei para compor o Diário de um Escritor na Rússia (//iStock)
Ao longo da década de 1870, o escritor russo Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski (1821-1881) compôs o Diário de um Escritor, cujos textos de cunho literário e filosófico, histórico e político contribuíram sobremaneira para disseminar a obra do autor dos famosos cinco elefantes: Crime e Castigo (1866), O Idiota (1869), Os Demônios (1872), O Adolescente (1875) e Os Irmãos Karamázov(1880).
Em homenagem ao escritor que eu venho estudando com afinco há mais de uma década e que me fez viver em ambas as fronteiras da Guerra Fria que hoje parece rediviva – vivi em Moscou durante o mestrado, entre os anos de 2008 e 2009, e fiz minha pesquisa de pós-doutorado em Chicago, em 2017 –, intitulo Diário de um Escritor na Rússia o conjunto de textos que vou escrever para o site de VEJA durante a Copa do Mundo de 2018 e que me fará viajar, como um nômade, pelas seguintes cidades:
Arco do Triunfo russo, nas imediações da estação de metrô Parque da Vitória, em Moscou, celebrando a expulsão das tropas napoleônicas do país
Arco do Triunfo russo, nas imediações da estação de metrô Parque da Vitória, em Moscou, celebrando a expulsão das tropas napoleônicas do país (Divulgação/Divulgação)
Moscou, capital da Rússia e cidade natal de Dostoiévski;
Níjni Novgorod, cidade fechada (isto é, com severas restrições de acesso) à época da finada União Soviética (URSS), local do exílio imposto ao físico nuclear (e opositor do regime soviético) Andrei Sakharov (1921-1989);
Kazan, histórico enclave tártaro-mongol conquistado pelo tsar Ivan, o Terrível (1530-1584), em meados do século XVI;
Saransk, local de residência – o que, à época da URSS, também podia significar exílio –, de 1949 a 1969, do crítico literário Mikhail Bakhtin (1895-1975) e, desde fevereiro de 2013, do ator Gérard Depardieu (1948 – ), quando o francês decidiu abandonar seu país, por causa dos impostos (supostamente) escorchantes, para abraçar “a grande democracia russa sob Vladimir Putin”;
Samara, cidade que teria se transformado na capital soviética durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), caso Moscou tivesse caído nas garras dos invasores nazistas;
Volgogrado, antiga Stalingrado, cidade assim batizada em homenagem ao líder soviético Ióssif Stálin (1878-1953) e local onde se travou, rua a rua, prédio a prédio, ruína a ruína, a batalha histórica entre os invasores nazistas e a resistência soviética – o desenlace a favor do Exército Vermelho sepultou a invencibilidade das tropas hitleristas e, hoje sabemos, acabou sendo o marco para a reversão do curso da Segunda Guerra;
Rostov-sobre-o-Don, cidade que, durante a guerra civil (1918-1921) que se seguiu à Revolução Russa de outubro de 1917, se viu tomada por conflitos encarniçados entre os russos brancos (partidários do tsar destronado e republicanos antibolcheviques) e os russos vermelhos, capitaneados por Liev Trótski (1879-1940), fundador e organizador do Exército Vermelho;
Sotchi, tradicional balneário caucasiano à beira do Mar Negro, sede dos Jogos Olímpicos de Inverno em 2014 – a primeira vitrine político-esportiva de Vladimir Putin (1952 – ) antes da Copa do Mundo;
Kaliningrado, cidade assim batizada pelos soviéticos em 1946, em homenagem ao bolchevique Mikhail Kalinin (1875-1946), mas que, sob domínio prussiano e alemão, se chamava Königsberg, local de nascimento e morte do filósofo Immanuel Kant (1724-1804);
São Petersburgo, capital literária da Rússia (e do mundo), janela aberta para a Europa pelo tsar Pedro, o Grande (1672-1725), e, segundo o homem do subsolo, (anti-herói dostoievskiano da obra Memórias do Subsolo (1864), “a cidade mais abstrata [porque reflexiva] do mundo”. Entre 8 de setembro de 1941 e 27 de janeiro de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, São Petersburgo – então batizada de Leningrado, em homenagem ao líder soviético Vladimir Lênin (1870-1924) – enfrentou um terrível cerco imposto pelos invasores nazistas, sítio que vitimou de fome, frio e doenças algo em torno de 700.000 civis.

Na estação de metrô Parque da Vitória, em Moscou, há um longo corredor principal, em cujas extremidades descubro que a Rússia faz questão de se lembrar das barricadas de sua história com dois painéis emblemáticos. O painel à direita retrata o príncipe e marechal de campo Mikhail Ilariónovitch Goleníschev-Kutúzov (1745-1813) secundado por seu estado-maior. A data do painel é inequívoca: 1812. Kutúzov e seu alto oficialato são os heróis da resistência à invasão pelas tropas francesas comandadas por ninguém mais que Napoleão Bonaparte (1769-1821).
O painel à esquerda leva a Praça Vermelha, o coração de Moscou, à estação Parque da Vitória. Soldados soviéticos são ovacionados, mulheres, crianças e idosos se abraçam em êxtase, flores e boinas vão ao ar, um jovem embasbacado ainda não acredita no que está acontecendo: o painel retrata o dia 9 de maio de 1945, dia em que o III Reich nazista deixou de existir, dia da vitória soviética na Grande Guerra Patriótica (1941-1945) – eis o nome pelo qual os russos chamam a Segunda Guerra.
Se a memória como cicatriz leva a Rússia a se ver como um país historicamente agredido e invadido pelas potências ocidentais, a Polônia, invadida pelos soviéticos em setembro de 1939, bem no início da Segunda Guerra, como parte do espólio acordado nas antecâmaras da assinatura do Pacto Ribbentrop-Molotov, o pacto germano-soviético de não-agressão firmado entre Adolf Hitler (1889-1945) e Stálin; a Hungria e a então Tchecoslováquia, invadidas pelos soviéticos, respectivamente, em 1956 e 1968, como forma de debelar rebeliões contra a dominação da URSS; e, mais recentemente, a Ucrânia, que assistiu, em 2014, à anexação da Crimeia pela Rússia de Vladimir Putin, após um referendo realizado ao arrepio da temporalidade determinada pelas leis internacionais – todos esses países bem podem asseverar que, além de vítima, a Rússia é uma nação deveras imperialista.
Pois é através desse país de cultura e história tão ricas quanto contraditórias que eu viajarei para compor o Diário de um Escritor na Rússia – a Rússia da grande literatura composta por Alexander Púchkin (1799-1837) e Nikolai Gógol (1809-1852), Fiódor Dostoiévski, Liev Tolstói (1828-1910) e Anton Tchékhov (1860-1904); a Rússia da dinastia Románov e de Vladimir Lênin, Liev Trótski e Ióssif Stálin; a Rússia dos poetas Anna Akhmátova (1899-1966) e Marina Tsvetaeva (1892-1941), Vladimir Maiakóvski (1893-1930) e Ossip Mandelstam (1891-1938), cujas mortes trágicas apontam para os descaminhos da utopia revertida em distopia estalinista – consta que Mandelstam certa vez teria dito que a Rússia era o único país que levava a poesia realmente a sério, já que era bem possível morrer por causa dela; a Rússia do cosmonauta soviético Iúri Gagárin (1934-1968), o primeiro homem a singrar o espaço sideral; a Rússia dos grandes literatos (e opositores do regime soviético) Boris Pasternak (1890-1960) e Alexander Soljenítsin (1918-2008), autores que receberam o Prêmio Nobel de Literatura, respectivamente, em 1958 e 1970; a Rússia do reformista soviético Mikhail Gorbatchov (1931 – ), o líder que anunciou ao mundo o colapso da URSS; a Rússia, ao fim e ao cabo, do presidente Vladimir Putin, líder casado com o poder até que a morte os separe. (Publicado na Revista Veja)

O autor
Flávio Ricardo Vassoler, escritor e professor, é doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP, com pós-doutorado em Literatura Russa pela Northwestern University (EUA). É autor das obras’ O Evangelho Segundo Talião’ (nVersos, 2013), ‘Tiro de Misericórdia’ (nVersos, 2014) e ‘Dostoiévski e a Dialética’: ‘Fetichismo da Forma, Utopia como Conteúdo’ (Hedra, 2018), além de ter organizado o livro de ensaios ‘Fiódor Dostoiévski e Ingmar Bergman: o Niilismo da Modernidade’ (Intermeios, 2012) e, ao lado de Alexandre Rosa e Ieda Lebensztayn, o livro ‘Pai contra Mãe e Outros Conto’s (Hedra, 2018), de Machado de Assis. Página na internet: Portal Heráclito, http://www.portalheraclito.com.br.