quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Lamentos e mais lamentos...

"Uma civilização que começou com as catedrais tinha que acabar no hermetismo da esquizofrenia". Cioran

Já que isto aqui é um MuRRo de lamentações, volto a atualizar dados e lamentos. Só nestes primeiros trinta dias do ano foram setenta assassinatos aqui no DF. Calculem os números lá nos Distritos Municipais, Estaduais e nas bibocas medievais perdidas nos cafundós dessa pátria... E setenta, não esqueçam, segundo as estatísticas da mídia e da polícia, que é a mesma coisa. Imaginem como seria se fossem computados os cadáveres que, por razões diversas, nem sequer merecem uma manchete e muito menos estar numa lista de estatísticas...
Ao invés de se decretar imediato Estado de Sitio e Situação de Emergência nacional, parte da Corte ainda nem retornou da Suíça, ainda nem digeriu a bacalhoada lisboeta e recém está no meio da primeira garrafa de rum e do primeiro charuto cubano... Ir a Davos! Ir a Lisboa! Ir a Havana neste momento! Que impertinência e que teatro inútil! A república e o Estado são cancros! É necessário inventar outro modo de gerenciar as nações e as cidades... Inclusive, porque acabam de doar mais de treze milhões para o carnaval brasiliense deste ano!!!

Mesmo estando no topo das nações menos alfabetizadas, estamos mandando um ministro para os EEUU especialmente para "discutir" questões de "espionagem"! Que ingenuidade! E que pretexto tolo para dar um rolé pelas boutiques e fazer um trottoir pelo Soho! Também estamos com outro ministro, este do judiciário, passeando e dando conferências pela Europa. O que teríamos a dizer aos europeus que não deva antes ser dito e praticado por aqui? Plagiando o ministro da justiça, Joaquim Barbosa lamenta-se em Londres que "nossas cadeias são um inferno". Um inferno é pouco, excelência!
Os governantes, os senadores, os padres, os ministros, as donas de casa, a presidente do  país e até os mendigos, todos reclamam e se queixam de tudo... mas a paralisia é doentia e geral. Todo mundo denuncia a zona vigente e generalizada, mas de uma maneira quase afrescalhada, como se a solução devesse vir do além, trazida por um coro de anjos eunucos... ou como se estivessem exigindo um milagre... Como se a responsabilidade fosse de um ente invisível, de um extraterrestre, de um diabo ou da mãe Joana...
E como resultado dessas demencias culturais e políticas, neste mês de janeiro, mês dos setenta assassinatos, as filas para marcação de consultas, para exames, cirurgias e etc. nos hospitais são imensas. Desde às quatro da manhã a população se aglomera em rebanhos nos pátios dos hospitais públicos, depois se coloca em filas indianas irracionais, absurdas, aviltantes e indignas, não deixando dúvidas de que o caos e a desordem político-social são também fábricas de sintomas e de psicopatologias. E mais, que o país está transformado num grande hospital, para não dizer hospício...

Na página 36 do  livro Do amor  e outros demônios, Gabriel Garcia Marquez, antes de ficar gagá, escreveu: "Sentiu o resfolegar de minotauro procurando-a às apalpadelas no escuro, o fogaréu do corpo em cima dela, as mãos de presa que agarravam a camisola à altura do pescoço e a rasgavam de cima a baixo, enquanto lhe roncava ao ouvido: 'puta, puta'. Desde essa noite ela soube que não queria mais outra coisa na vida..."

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Povera gente!!!


Este final de semana não foi nada tranquilo para os gerentes do Vaticano e muito menos para os satanistas. Roubaram uma cápsula que continha uns centímetros do sangue, sabem de quem? Do Papa João Paulo II. Mas tinham esse sangue guardado para quê? Que coisa macabra! Que estranha mesquinharia! Teria sido o demônio? A polícia não descarta a possibilidade do material estar sendo usado em algum ritual satânico... Outros admitem a idéia de que poderia ser ação de algum sedento vampiro chegado sorrateiramente da Transilvânia... Outros, mais realistas, simplesmente atribuem o furto a algum padreco fetichista e invejoso. Enfim, o liquido teria sido roubado da igreja San Pietro della lenca, juntamente com um crucifixo. A noticia não esclarece se o crucifixo era de ouro ou de prata. Além disso, outro fato que está intrigando e dando o que pensar tanto aos beatos como às autoridades eclesiásticas, também ocorreu ontem quando o Papa argentino soltou aquelas duas pobres pombas pela janela do vaticano querendo simbolizar a paz na Ucrânia e as duas foram imediatamente atacadas por uma gaivota e por um corvo... Não lhes parece fantástico e metafísico? Muitos, na multidão e no rebanho daquela praça não tiveram dúvidas de que o demônio estava agindo e de que se tratava de uma declaração de guerra ao Espirito Santo! Povera gente!!!
O mendigo K., que passava por lá e que testemunhou a performance do corvo desde o princípio, lembrou-se de uma estrofe de Poe, traduzida por Machado de Assis:

[Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?
E o corvo disse: "Nunca mais".]



domingo, 26 de janeiro de 2014

O bandido que sabia citar Umberto Eco...

Chantageado durante toda a semana um empresário candango foi orientado pelo estelionatário a deixar o dinheiro da extorsão dentro do túmulo de um dos cemitérios do Distrito Federal... Que tal? Nem nos filmes do Hitchcock! Imaginei-o dando as ordens através de um telefone público: ao entrar no cemitério X, dê 36 passos a esquerda, dobre a direita e caminhe vinte metros. Ali verás, ao lado da sombra de uma dessas árvores sinistras do cerrado, uma tumba antiga que pertence a um velho maçom da cidade, cujo nome está resumido pelas iniciais A.G.J., falecido em 1963. Na parte posterior desse túmulo,  por debaixo dos ramos de um gerânio, dois tijolos estão soltos. Retire-os e deixe os pacotes com os seis mil reais, nem um centavo a menos, bem sobre o crânio do defunto. Finja fazer uma oração por exatos quatro minutos e retorne para fora do cemitério pelo mesmo caminho. Lembre-se que durante todo esse tempo, estarás sob a mira telescópica de um fuzil de última geração...
Dizem que quando o empresário, orientado pela polícia, começou a soluçar, a querer negociar e a implorar por piedade, a voz do bandido, no outro lado da linha foi categórica ao citar um pequeno texto plagiado de uma obra do Umberto Eco: "O que é mais nocivo do que qualquer vício? Agir piedosamente com os fracassados e com os fracos - o cristianismo. 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Que apodreça a república...

Como previram todos os oráculos, a cidade está transformada, não num cemitério ao lado de uma lagoa morta, como diria Fialho D'almeida, mas num palco de escaramuças, de tiroteios, golpes, furtos, facadas, arrombamentos, estupros, cinismos falsificações, seitas, surtos, bizarrices... E claro, com os hospitais, as igrejas e os estádios lotados...
Ontem roubaram um ônibus como quem rouba uma bicicleta! Houve um tiroteio nas barbas da Biblioteca Nacional, aquela que está desativada desde que foi inaugurada! Uma moça de uns trinta anos tirou a roupa na rodoviária e, de quatro, no meio da multidão desvairada, deu um show masturbatório! Ratazanas correm de um esgoto a outro nos finais de tarde com tocos de toucinho entre as presas enquanto políticos e executivos a soldo se esquivam por entre as engrenagens viciadas desta pseudo Babilônia, tentando driblar  a terrível e difícil necessidade de convívio...
Há câmeras, cacetetes e coturnos para todos os lados e mesmo assim todo mundo clama por mais e mais policiais. Em breve teremos a sensação de estar vivendo no interior de um QG ou dentro das cercas do Vigésimo Oitavo Regimento... Não apenas as periferias, mas as vizinhanças e as consciências se sucateiam e se pauperizam. E, repito: Não há solução! 
Já que a desolação haverá de predominar sobre todas nossas torpes idealizações... que se proliferem os jogos de azar dos cinismos sociais! Que sucumbam de vez as ideologias agonizantes! E que apodreça a república!

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Para assistir depois do ANGELUS...

Dos rolezinhos para o Rolex das vitrines...

A França parece estar ainda sob o impacto da revelação de infidelidade do monsieur Hollande! Sua mulher (a matriz) chegou a internar-se num hospital para dar maior gravidade ao caso. Inacreditável! Que não tenham lido o Marques de Sade, tudo bem, mas ignorar todos os ensinamentos expressos por Balzac na Comédia Humana, isto é quase um crime... Observem como sobre drogas, dinheiro e sexo ainda continua pairando uma nuvem de moralismo, nuvem sobre a qual ninguém diz a verdade...

 E os fumadores de crack continuam agitando São Paulo de Piratininga... a cidade de José de Anchieta e colocando em xeque  a frase meio fascista cunhada no brasão paulistano: NON DUCOR, DUCO! Não sou conduzido, conduzo! 
Enquanto as elites, em seus ghetos, seguem fazendo de tudo para dar fôlego a rituais e a resquícios monárquicos, eles insistem em não sair das ruas e nem da Idade da Pedra... E o crack, que tanto mal faz para o corpo, parece manter intocável e intacto o afeto. A prova está naqueles usuários que preferiram abdicar  de uma vaga num hotel para não terem que se separar de seus cachorros.

E os rolezinhos? Os apologistas do crime apostam que a coisa ficará boa mesmo quando aqueles adolescentes ingênuos entenderem que é hora de fazer a passagem do rolé folclórico para o Rolex das vitrines.

sábado, 18 de janeiro de 2014

E Júpiter acerta o Cristo...

A roubalheira hoteleira dissimulada sob a "lei da oferta e da procura"...


E a máfia hoteleira do Rio de Janeiro? Que tal os preços dos hotéis previstos para quando a tal Copa de junho vier? Não consigo ouvir esses cretinos falando em "leis de mercado" ou em "livre concorrência" para justificar seus assaltos sem sentir um forte impulso de desembainhar minha espada! 
O que existe de mais vil e de mais prostitutivo do que o sofisma da Lei da oferta e da procura? Deveria ser exatamente o contrário do que professam esses larápios. Se há mais procura, os preços deveriam necessariamente cair, pois o negociante venderá mais e ganhará mais, e não ficará, no caso, com suas espeluncas vazias ou fechadas... E não o contrário. Puro cinismo mercantilista,  pura senvergonhice e travestimento do roubo e do assalto que esses preços representam! Perto desses gatunos organizados, os bandidos, os criminosos e ladrões de nosso cotidiano são fichinhas, quase santos. E tudo com a conivência das hienas dos partidos, dos sindicatos, das associações e até mesmo das policias estatais.  Claro que um sujeito que se desloca lá da cochinchina ou lá do azerbaijão para vir assistir a uma idiota partida de futebol merece, não apenas ser roubado e vilependiado, mas inclusive levar uma boa surra.., mas esta é outra questão.
- Vamos estar atentos aos abusos!!! Diz uma dessas hienas estatais.
Vão coisa nenhuma! Uma garrafa de vodka, de cachaça ou um pacotinho de Euros compra qualquer alvará e qualquer guardião da ordem republicana num país que é, como dizia Bobbio, marcado, no alto, pela prepotência e, embaixo, pelo servilismo, pela arrogância e pela má vontade. Um país marcado pela astúcia como arte suprema de governo e pela esperteza como pobre arte de sobreviver...
Talvez não tenha sido por acaso que ontem um raio partiu a mão direita do Cristo Redentor... A mão, e quase sempre a direita, é o principal instrumento do roubo, do furto, da rapina, da agiotagem, da especulação, da exploração, do estelionato... e, inclusive, não podemos esquecer, do afago hipócrita, falso e interesseiro...


quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Calça culote, paletó e almofadinha...

Tentaram roubar as cinzas de Freud num cemitério de Londres! Uns dizem que o interesse dos gatunos era realmente pelas cinzas do mestre, outros apostam que o que se cobiçava na verdade, era apenas  a urna, esse vaso aí ao lado, já que teria sido fabricado na Grécia, lá pelos idos de Eurípedes. Será? Há gente que aposta que não passa de uma réplica de 8 libras! Cinzas, nada más!!!
Nas civilizações antigas a cremação era uma prática comum. Só eram enterrados os criminosos, os suicidas e aqueles que haviam sido fulminados por raios, já que essa fatalidade era considerada uma sacanagem de Jupiter. No Brasil, em parte pelo lobby das funerárias e das marmorarias, ainda há poucos crematórios. Como a religião predominante ainda acredita que um dia, um belo dia, os anjos descerão das estrelas, cada um com sua flauta, entoando hinos macabros para levantar os mortos de suas covas... o enterro com calça culote, escapulário, paletó e almofadinha ainda é predominante e quase obrigatório...


terça-feira, 14 de janeiro de 2014

São Sebastião... Do exército romano para as UPPs do Rio de Janeiro...

"É religioso tudo aquilo que nos impede de sucumbir, toda mentira que nos protege contra nossas irrespiráveis certezas..."
E.M.C

Agora sim o Rio de Janeiro tem chances reais e verdadeiras de encontrar a paz e de rapidamente transformar-se num Shangri La e num Paraíso litorâneo... 
O arcebispo local acaba de fazer uma visita ao Secretário de Segurança e de presentea-lo, sabem com quê? Uma AR15? Não! Com uma imensa estátua de São Sebastião... Não, não estou brincando, é verdade... Se é ridículo ver um velho com uma estátua de gesso nos braços? Claro que é! Se é triste ver que se envelhece e que se continua com os mesmos e esquizóides fetiches da infância? Claro que é, mas fazer o quê?...  Ah!, não lembras qual deles é São Sebastião?
 Aquele amarrado numa árvore e com o corpo crivado de flechas que, segundo a lenda, foi um sujeito que se alistou no exército romano com a missão de fortalecer a resistência dos cristãos que estavam sendo despedaçados pela tortura... Lembras? 
E é curioso fazer um inventário sobre as inúmeras pinturas que retratam o santo. Quase todos lhe cravaram uma flecha no coração, outra na boca do estômago e outra na coxa. Há quem o atingiu pelas costas, outros lhe dilaceraram a carótida, os braços. Há quem o amarrou com os braços para cima e fez uma única flecha entrar-lhe pela axila esquerda. Outro só deixou as duas chagas, uma na altura do pulmão e a outra mais ou menos sobre o fígado etc., etc., etc... O que será que se passava na cabeça dos fundadores dessa seita que depois virou religião? Por que tanto ódio do corpo? Por que o sangue, a tortura e o sofrimento os seduzia tanto? Lembro que numa igreja lá nas margens do Rio São Francisco (outro santo) havia uma santa com um punhal enferrujado e de quase meio metro cravado bem na altura do coração... Que barbárie! Que tara e que perversão! Teriam sido esses loucos a incentivar as chacinas e as violências que inundaram a história de sangue???

sábado, 11 de janeiro de 2014

Uma república movida a cachaça e a cesta básica...

Deixando de lado a cólera, foi quase cômico ver e ouvir a governadora do Maranhão e outros crápulas tentando explicar o inexplicável... Já que as palavras que conhecemos não bastam para descrever o flagelo que se abate sobre esse povo, já que não conseguimos sair da miséria, da roubalheira e do atoleiro, por que não começar a acreditar que realmente somos uma raça e uma sociedade maldita.., uma horda de desgraçados que faz de tudo para expiar sua culpa e para extinguir-se??? Razões para isso é o que não faltam!
E o Maranhão (movido a cachaça e a cesta básica) está em pauta e na boca de todo mundo como se tivesse sido descoberto nesta semana... Desde os pasteleiros da rodoviária até os ministros aposentados que são vistos com frequencia fucinhando por aí nas prateleiras dos sebos, em todos, o espanto é geral. Os bandidos, a pilantragem dos Czares tupinambás e as decapitações desses dias colocaram mais luz e mais atenção sobre aquele estado-cortiço do que os professores e os sociólogos durante décadas... 
Mas não se entusiasmem e não se enganem, daqui a uma semana os padres e os jornais já terão elegido outro escândalo e outra desgraça nacional e aquela capitania voltará a ser como sempre foi... E depois, é importante lembrar que cada Estado, camuflado ou não, também tem em suas entranhas a sua família Sarney e o seu Maranhão. E mais, que cadeias como as de Pedrinhas infestam o território inteiro... Tudo, absolutamente tudo, respaldado por nosso silêncio e com nossa cumplicidade!
 Prestem atenção como fracassamos em tudo o que é essencial! O que se tem em conta como conquistas sociais e progressos não vai além da quantidade de automóveis nas ruas, do número de  arranha-céus e dos cifrões acumulados nos cofres clandestinos de uma considerável e anônima matilha de hienas... O Ser, a espécie, o homem.., continua se arrastando por aí numa mixórdia medieval. Acham que estou exagerando? Abram os olhos! Deem uma volta pelo centro e pela periferia das cidades!.. Garanto que a podridão generalizada haverá de abalar vosso doentio otimismo...
Para não ser repetitivo e não encher o saco de meus cinco ou seis leitores, me aproprio de um fragmento de Fialho D'Almeida, escrito lá na Lisboa de 1800... onde, talvez, estejam as raízes mais profundas de toda essa miséria:

"Ah, quando me lembro que andam na aldeia meus irmãos, e os meus parentes, descalços, rotos, ingênuos, piolhosos, sem médico que os trate, sem padre que lhes batize os filhos, sem dinheiro que lhes permita consoar de gordo, em dia de anos, a trabalhar de enxada treze horas para que um diretor geral ganhe três contos, para que haja inspetores de Belas Artes que não existem, diretores de mercados que não vendem nem compram, deputados que escoicinham como brutos para que dez comissões rendam a este dez contos, sem trabalho, e aquele vá por cinquenta, fazer a sua passeata ao estrangeiro - quando me lembro que todas as receitas de quatro milhões de almas são desbaratadas numa orgia de trezentos valdevinos, não sei que medonha confusão de coisas me avassala, que me ponho a afirmar que a guilhotina, sobre salutar como exemplo, era talvez, nesses acelerados, uma completa obra de justiça!"

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Os piolhos da USP e o antigo HOTEL DE MÉDICIS...

Só recentemente soube (e até com certa nostalgia) que o antigo hotel onde a escória do  planeta costumava hospedar-se fechou as portas. Era uma das últimas espeluncas que maculavam o coração de Paris e que ainda por cima tinha para nós, du Brézil, um nome emblemático: HOTEL DE MÉDICIS, Rue St Jacques. Uma escada estreita e íngrime nos levava até o primeiro andar onde o porteiro da noite cochilava sobre um divã aos pedaços e onde sempre havia um gato malhado de olhos bem atentos... A última vez que estive por lá foi durante a guerra na "Iugoslávia". Até Jim Morrison, o adolescente porra louca do The Doors hospedou-se nele e o quarto número 4 foi quase transformado num tabernáculo pelos mitômanos de sempre... Posso dizer que foi nesse antro, naqueles lençóis e travesseiros vagabundos que soube verdadeiramente o que são os percevejos e o inferno em que esses simples insetos podem transformar a noite de um hóspede...

"... Salto em Luxemburgo, vou direto à rue Saint Jacques, 214, Hotel de Médicis. Médicis? Sim. Por 80,00 francos/dia, poderia chamar-se até Deodoro da Fonseca. Uma escadinha estreita e quase na vertical, uma norte-americana com brincos em forma de borboleta3, cartazes feitos à mão e colados às paredes.
Na pequena sala de recepção o proprietário acaricia um gato sem pedigri. Sinto-me bem ouvindo o ronrom do felino. Dois sofás antigos, quase medievais (o Le Goff já deve estar escrevendo sobre eles) e umas cinco ou seis mochilas amontoadas num canto.
-Bon jour messieur!
Meu francês é pior do que o dos albaneses de Kosovo que estão fugindo para cá. Ele entende ou finge entender o resto de minha frase. Coloca em funcionamento todos os cacoetes franceses, procura meu nome na lista de reservas, coça a cabeça, vira e revira as folhas da agenda e “lamenta”. Diz que os hotéis de Paris estão cheios por causa da páscoa.
-Da páscoa ou da guerra? 
Sei que fiz essa pergunta mais para aproveitar uma frase que conhecia do que para saber a verdade.
-Da páscoa. Reafirma ele, um pouco seco, não agressivo, mas, digamos, cartesiano. Depois fica em silêncio por uns instantes, olhando para minha bagagem, como se estivesse tentando arrancar dela algum significado à minha pergunta. Da páscoa ou da guerra? Realmente, essa pergunta não era nada pertinente e não tinha sentido algum. Sei que às vezes falo muita merda, sei disso, mas é absolutamente involuntário, como se meu inconsciente, sacana, estivesse permanentemente querendo colocar-me em dificuldades. Quando percebo já disse, e aí só me resta correr atrás do «já dito» e tentar remediar com teorias, racionalizações, filosofias, interpretações, mentiras, brincadeiras, etc. Neste caso, mesmo que eu fosse - digamos -, um refugiado, ou alguém envolvido com a guerra, por que iria fazer uma pergunta dessa natureza, sabendo que aqui todo mundo traz nos gens, histórias incríveis de chacinas, de martírios e de sofrimentos coletivos? E que para todo mundo, uma guerra, e principalmente uma guerra associada à limpeza étnica, é sempre um assunto conflitivo? Desço pelas escadinhas na vertical com o máximo cuidado para não despencar e quebrar uma perna ou deslocar o pescoço ou uma rótula. Me vêem espontaneamente à cabeça, imagens de uma mulher descendo de costas a pirâmide azteca; ângulos da grande muralha na China; as escadarias de Matchupichu; trechos dos mil e tantos degraus que em Katmandú conduzem os fiéis ao santuário de Swayambu; da escadaria insólita de Notre Dame ou das que, lá no Paraná, nos levavam em arruaça para debaixo dos chuviscos das Cataratas do Iguaçú. Sim, sim, a memória pode ser, entre outras coisas, o nosso
delator. Para que vejam, enquanto desço os vinte ou trinta degraus desta espelunca parisiense, sinto até o cheiro da escadaria interminável lá nas proximidades de Santiago de Cuba, de cujo topo se podia avistar, à noite, as luzes da Jamaica... Isto não é incrível? Escadas... escadas... escadas... Quando os homens descobriram a possibilidade das escadas, acreditaram que poderiam chegar «aos céus»". (página 61,62, Dymphne - a santa protetora dos loucos,  2007) 


E só resgatei esta memória depois de ler que o reinício das aulas da USP foi adiado por oito dias para que os sanitaristas tenham tempo de terminar a desinfestação de piolhos que está em curso  por lá, inclusive nas salas principais do prédio... Não lhes parece simbólico que os piolhos estejam invadindo nossas universidades?
Como escreveu outro precoce marginal: "Si la tierra estuviera cubierta de piojos como de granos de arena la orilla del mar, la raza humana seria aniquilada presa de terribles dolores. Qué espectáculo! Y yo, con alas de ángel, inmóvil en los aires, para presenciarlo!"

sábado, 4 de janeiro de 2014

No auge da passividade, pensa-se em uma boa crise de epilepsia como em uma Terra Prometida... (Cioran)


Por aqui.., só o mar se salva!  
Apesar do Rio de Contas que vem lá da Chapada Diamantina para desembocar logo ali trazendo farto material não identificado, seu humor e seu vigor não se alteram. Não reclama! Digere e purifica tudo! Vai e vem numa dança obsessiva e sem fim, sem sair do lugar. Está ali há milhares de anos. É atemporal como nosso inconsciente. Já criou anti-corpos. Traz algas disfarçadas de serpentes que foram arrancadas lá na voragem de outros mares... Joga-se contra as pedras, enfurece-se, faz redemoinhos, dá voltas e nós, inventa calmarias e rituais, depois correntezas em ziguezague, arrebenta, simula tsunamis e afogamentos coletivos, mas é só pantomima e teatro. Até mesmo a inofensiva filhinha de um nativo é capaz de domá-lo equilibrando-se descalça sobre o pneu velho que caiu de uma carroça...  
E o ritual dos bebuns do mar?! Ulisses voltando para Ítaca?! (Ou os piratas partindo de Itacaré!) Um a um os precários barcos dos pescadores deixam diariamente o cais e somem com suas tralhas no meio do vento e das ondas. Se voltarão? Ninguém sabe. Nenhuma Penélope e ninguém está minimamente preocupado com isso. Dizem que cada um leva nessa curta e épica viagem, além de uns bons tragos, sua pedra sagrada de crack. O crack como carta náutica! Eles, pelo menos, ainda creem na embriaguez e no crack! É o fim? Não, é a pós-modernidade! Deve ser realmente o "máximo" acender o cachimbo contra a ventania ou contra a tempestade lá naquela imensidão.., ver a brasa incandescente, sentir o cérebro derretendo e dando reviravoltas, acreditar-se um pirata ou um Vasco da Gama e em seguida... levitar... levitar com soberba irresponsabilidade, longe da espécie e por sobre os mais tenebrosos dos abismos...

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

O rebanho e suas celebridades...

Quem quiser começar o ano com um bom purgante e com algumas convulsões estomacais não pode deixar de ver na última e manjada Revista Forbes a cara e os nomes das "100 celebridades mais influentes no Brasil", eleitas não sei exatamente como e por quem, mas com certeza por um "comitê de sábios!" Inacreditável! Olhem fixamente para os olhos desses larápios que, apesar de não fazerem mais do que sugar e agravar a estupidez e o desnorteamento do rebanho são colocados em pedestais como mestres e personalidades... A experiência é inesquecível... Como é que se chegou a tanta patifaria - por um lado - e a tanta submissão e paciência, por outro? Como é que fomos nos apequenando e deixando que nos submetessem desse jeito, sem reagir, quase catatônicos, sorridentes como cabras e intimidados até os ossos? Não lhes parece um convite ao fechamento das universidades? De onde surgiu esse sentimentalismo doentio, essa carência e essa cretinice que nos faz santificar um patife atrás do outro e até a queimar incenso a seu cinismo???
Aproxime o vomitório do focinho e veja, pelo menos, quem são os primeiros "célebres" da lista:

Pelé, Paulo Coelho, Neymar, Gisele Bündchen, Roberto Carlos, Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Ivete Sangalo, Silvio Santos, Fausto Silva, Mauricio de Sousa, Luciano Huck, Luiz Felipe Scolari, Xuxa, Felipe Massa, Ana Maria Braga, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso, Romero Britto, Michel Teló, Alex Atala, Rodrigo Santoro, Erasmo Carlos, Luan Santana, etc, etc, etc...

Bah!!! É evidente que alguém está gozando de nossa cara e que, neste cenário cretino, estamos todos condenados e para sempre ao ridículo, a pequenez e ao subdesenvolvimento!
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Observação: e é importante lembrar que estou escrevendo estas linhas aqui na orla de Itacaré (Bahia), inundada soberbamente por esgotos e onde tudo, ao redor, parece emergir da pré história...