"Músicos ambulantes! Um momento houve em que todos desappareceram, arrastados por uma subita voragem (...) Apezar dos graphophones nos hoteis, nos botequins, nas lojas de calçados, apesar da intensa multiplicação dos pianos, elles foram voltando, um a um ou em bandos, como as andorinhas immigrantes, e, de novo, as tascas, as baiucas, os cafés, os hoteis baratos, encheram-se de canções, de vozes de violão e de guitarra e, de novo, pelas ruas os realejos, os violinos, as gaitas, recomeçaram o seu triumpho (...) Era impossivel passar sem os musicos ambulantes. A musica preside a nossa vida, a musica auxilia até a gestação, e, consista apenas na vóz, como diz Socrates, consista como pretende Aristoxeno na vóz e nos movimentos do corpo, ou reuna á vóz os movimentos da alma e do corpo como pensa Theophrasto, tem os caracteres da divindade e comove as almas (...) Quasi todos esses musicos ambulantes e aventureiros ganham rios de dinheiro, vivendo uma vida quasi lamentavel. No forro dos casacos velhos ha maços de notas, nos cinturões sebentos, vales ao portador. O publico pára, olha aquella tristeza, imagina no automatismo dos gestos, na face que pede, no sorriso postiço, a fome dos artistas, a miseria dos desherdados da sorte, e sonha as agonias, como nas operas, em que tenores morrem ao sól, sob um céo lindo, cantando..."
João do Rio, em A alma encantadora das ruas.
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