quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Não teremos tudo demolido enquanto não demolir-mos inclusive as ruínas...




Uma prova de que o que se foi até os dez anos se seguirá sendo até os noventa é que sempre que tenho notícias da implosão ou da demolição de algum prédio aqui na cidade, corro para lá com o mesmo entusiasmo polimorfo que tinha lá na infância quando alguém derrubava ou tocava fogo num paiol, num armazém ou num casarão apodrecido. Hoje, dia dos mortos, detonaram dois antigos hotéis aqui na coluna dorsal de Brasília. Hotel ALVORADA e hotel das NAÇÕES. Me posicionei fora da área de risco, lugar em que seria quase impossível ser abatido por um tijolo ou por uma viga e, com a câmera engatilhada, esperando pelo momento em que a nitroglicerina e o dióxido de silício fizessem sua parte, dei-me o luxo de, meio cínico e meio sóbrio, associar essa demolição a Bin Laden e às chatices de Derrida. Quem foi Derrida? Uma espécie de bispo judeu da desconstrução, da desmontagem, da decomposição dos elementos de uma obra, claro que literária ou filosófica, mas por que não poderia ser também arquitetônica? Tijolos, areia, ferro, argamassa, gesso, cimento, fronhas roídas, lustres, asas de barata, poeiras, alfinetes, fechaduras, excreções, farrapos de cortinas, ninho de ratos, restos de alcovas e de juras de amor entre burocratas e pistoleiras vindas de todos os suburbios da pátria.. Claro que aqui quem seduz não é a metáfora, mas sim a dinamite. Nome com raízes gregas e que quer dizer mais ou menos: conectado com a força. Mais Nobel e menos Derrida! Pouca gente sabe que o inventor da dinamite foi Alfred Nobel, o mesmo do Prêmio Nobel. Falo em implosão e um peão de obra que palita os dentes me corrige dizendo explosão. Ele, em parte, até tem razão, pois se explodir é (para fora) implodir é explodir (para dentro). Aqui se implode para evitar que um pedaço de ferro acerte os vitrais da catedral ou a omoplata de algum jagunço com imunidade. São muitos os curiosos (como eu) que aguardam perversamente pela detonação, pela ruína, pela queda impetuosa das alvenarias e dos pedregulhos. Quem sabe não se revele um fundo falso repleto de diamantes, de confissões e de dólares!!! Quantas inconfidências entre as paredes desses velhos prédios durante os anos em que albergaram “servidores”, madames, lobistas e pilantras de todas as bitolas! Quantas "emendas", partidos, habeas corpus, contratos, escrituras, ameaças e traquinagens foram arquitetadas ali!!! Quantas malas chegaram vazias e voltaram repletas! Quantas “almas” e quantos "himens" negociados naquelas alcovas! Quantas fodas com a janela aberta para a catedral e para as torres do Congresso Nacional, fodas pagas com o dízimo do povo crente, beato e esperançoso. Quantas megeras foram estupradas e promovidas a DAS6 ainda com as pernas abertas e estiradas ali nas camas e nos lençóis desses dinossauros de concreto enquanto o proxeneta e devasso mordomo permanecia estático e trêmulo a porta! Quantos negócios escusos, traições, cumplicidades, missas, cóleras, despachos, mentiras, crimes e putarias éticas que o sigilo eterno jamais deixará vir à luz e que a República jamais tomará consciência. E quantas sementes de maldição foram jogadas pelas janelas dos últimos andares nesse solo extremamente fértil!!! Lá longe, distante de tudo, a nação moribunda, rigorosamente analfabeta, embriagada de otimismo e de fé, praticamente em coma no seu merecido berço esplêndido! Atenção! Atenção! As sirenes foram ligadas! Que os mortos nos desculpem o auê... Lá vem a explosão! É o fim! É o fim não apenas desses esqueletos carcomidos, mas também de uma história de misérias íntimas que nunca foi e que nunca será revelada.


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