domingo, 26 de abril de 2009

Passagens para uma viagem quase metafísica


Mesmo àqueles que não são Deputados e nem Senadores e que, portanto, não dispõem de passagens aéreas para onde bem entenderem, quero sugerir – como antídoto para a exaustão e o cansaço com a poeira e com as banalidades do cotidiano – um roteiro nas nuvens. Um tour quase transcendente e quase metafísico que dura apenas uns vinte minutos e que para desfrutá-lo plenamente, nem é necessário enfiar as ventas na cocaína, queimar um baseado e muito menos engolir uma bala: o vôo das 05h10min horas de Brasília a São Paulo. Inclusive quem já sobrevoou as cordilheiras do Himalaia num aviãozinho sucatado sentir-se-a pleno e gratificado.


Sentar-se em jejum, impreterivelmente à janela do lado esquerdo da aeronave. Trinta minutos após a decolagem começam a surgir do negror da noite e do nada os primeiros sintomas da “viagem”. Conectar imediatamente os fotômetros ao cérebro e esperar. Primeiro apenas um fio alaranjado por sobre toda a extensão dessa terra infame. Logo em seguida uma faixa mais densa e um rastro escarlate de um extremo a outro do orbe, com o horizonte travestindo descaradamente seus pigmentos tradicionais. Círculos cromáticos e espécies de prismas que se formam sobre as pedras ao mesmo tempo em que as cores vão manchando as nuvens, adocicando os abismos e obrigando os rios a virarem espelhos. As montanhas se avolumam. Cada floresta e cada cordilheira ganham um formato indescritível. Feixes de fótons para todos os lados e tudo o que é visível se amplia de um segundo a outro geometricamente, sem explicação e literalmente do vazio enunciando a eminência incontrolável da alvorada por sobre os crânios de uma humanidade sonâmbula, mesquinha e inerte, confinada tanto em suas misérias pessoais, como em suas casinhas e cortiços retangulares, todos iguais, estandardizados e odiosos. As cores se concentram com mais vigor num determinado ponto do planeta e há visivelmente uma conspiração contra o preto e o branco. As teorias renascentistas sobre as cores ali não valem para nada. Mais uns instante e eis que está pronta a aurora. A antiga deusa grega do alvorecer explode jubilosa na retaguarda de um sol fulminante, idêntico a um maçarico, astro que ao mesmo tempo em que incendeia e ameaça tudo o que é terráqueo, se reflete inofensivamente nas asas metálicas e congeladas do avião. Daí para diante o espetáculo é o de todos os dias e pode ser visto por qualquer mortal, seja lá da janela de um ministério ou lá do claustro de uma fábrica.


Ezio Flavio Bazzo

Um comentário:

  1. ah... um oásis... "o vôo das 05h10min horas de Brasília a São Paulo". enquanto lia sobre tal descrição, eu imaginava ezio como o sábio beduíno mítico luqman, que tinha sete abutres, fazendo tal vôo sobre o lombo de lubad, seu abutre legendário. vendo de cima as ruas da cidade como linhas tatuadas no dorso do pulso de uma belíssima mulher estrangeira. fascinado pela breve permissão de se manter perfumado. tentado a traduzir um jogo de acepções intraduzível da palavra الهضبة, que significa ao mesmo tempo planalto, altiplano, honra e glória. magnífico é o descobridor de tesouros no altiplano da glória!

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