Você que mora aí nos confins do país tem razão sim em seguir acreditando que Brasília é uma Ilha de fantasia. O que você não sabe e precisa saber com urgência é que além das megalomanias explícitas do baronato local, existe também um rebuliço infernal de almas em desespero por aqui, desespero que interliga funcionários fantasmas à imprensa, às cirurgias criminosas, às inundações, ao viagra, às negociatas no Congresso, aos seqüestros relâmpagos e à cocaína, esse pó inocente que além de corroer o nariz da turba lota os ambulatórios de saúde mental. Também é bom saber que a dengue, a tuberculose e a lepra estão mais resistentes do que nunca aqui na Capital da República. Apesar da espionagem institucional sistemática e do policiamento abusivo há tiroteios, assaltos e homicídios praticamente na varanda do Judiciário e nas barbas da Lei. O Primeiro, o Segundo e o Terceiro graus competem entre si em fajutismo, as escolas são cortiços desconfortáveis e se cultua a ignorância por todos os lados, principalmente nas periferias que em nada se diferem das da Idade Média. Demências, aloprações e a inquietude hipocondríaca do rebanho diante da vida e das bactérias hospitalares… Na ante-sala dos médicos o poder das descaradas e demoníacas indústrias de medicamentos…
A máquina pública cada dia mais sonolenta… Covil e usina de melancolia… Uma grande família entediada pelo ócio burro e pela necessidade compulsória de cumplicidade entre os membros. Encubro-te e me encobres OK? Abraços, elogios, cochichos, troca de arranjos e de gratificações. Por mais modesto e suburbano que o sujeito pareça ser sempre têm um tio no Supremo, uma prima no Congresso, um familiar na Procuradoria Geral da República. Os carros impecáveis lotam os estacionamentos e as garagens. O aeroporto está sempre agitado e febril. Os vôos saem lotados todos os dias e para todas as direções. No saguão sempre se ouve alguém gritando no celular e se exibindo:
-Aqui é o assessor do Ministro tal! A secretária do Senador Y! O irmão do Líder do Partido K! O Coordenador do Programa Z!
Vão engravatados buscar um ofício ou um memorando no outro lado do país ou até no exterior. Ocultam-se nas desculpas das velhas e conhecidas “reuniões”, na balela das “consultorias” e nas famosas “supervisões” do nada.
A cidade está repleta de novos personagens. Cada governo traz os militantes de seu Estado e lhes dá uma chefia, um cargo, uma gerencia, uma aposentadoria, um DAS7. Já assisti esse ritual uma meia dúzia de vezes. Vieram os mineiros com o JK, os gaúchos com o Geisel, os cariocas com o Figueiredo, os maranhenses com o Sarney, os alagoanos com o Collor, voltaram os mineiros com o Itamar, os paulistas vieram em massa com o Fernando Henrique etc.
O Lula foi o mais eclético, trouxe gente de todo o país. E é engraçado ver esses neófitos apelidados de “gestores” chegando cheios de empáfia, arrogantes, repletos de sonhos, de autoridade e de pose, com a ilusão de que salvarão a pátria ou, pelo menos, a si mesmos, isto se souberem fazer “um pé de meia” enquanto dure o mandato de seu protetor. Alugam casas cinematográficas, camionetes, fazem academia, mudam o visual, fazem questão de conservar o sotaque, adaptam-se rapidamente aos novos salários, quase sempre cinco vezes maiores daqueles que ganhavam em suas províncias. Congestionam os cafés e os restaurantes caros e pagam por alguns pratos bem mais do que se pagaria por um similar em Paris. E não pensem que vão embora quando o governo muda. Não. Tornaram-se funcionários “estáveis” e chefões influentes. Nos quatro ou oito anos do governo que os trouxe, ganharam notoriedade e muito dinheiro, aprenderam o “caminho das pedras” e não saberiam mais viver lá no meio de seus iguais. Ficam por aqui, viciados ao poder, às grandes reuniões, às bajulações gratuitas e até juram amar esta cidade. Montam um negócio para suas mulheres e nos finais de semana vão aos Estados de origem visitar seus correligionários, fingir cidadania e honradez.
-Onde está o professor tal?
-Foi a Londres fazer pós-graduação…
-E a professora Y?
-Está em Genebra concluindo o doutoramento…
-E o diretor X?
-Está no exterior na reunião do J.16…
-Cadê o motorista do Ministro?
-Está estressado e foi à Caldas Novas repousar...
No trajeto que vai da Reitoria ao Restaurante Universitário duas ciganas com vestidos amarelos, sandálias armênias e lenços vermelhos na cabeça me propõem “la lectura de las manos”. Quase sucumbi à curiosidade de postar-me diante de um oráculo. Mas segui meu caminho como um samurai desvairado, logo atrás de um casal de estudantes de biologia que juravam e demonstravam um para o outro, em total deslumbre, que Brasília é uma grande festa.
Ezio Flavio Bazzo
isso mesmo! brasília, grande esfinge entediada com tantos falsos sins. 24 horas por dia sob intensa atividade de lobby. delírios da cristandade pela nova jerusalém. límpido e ascéptico lugar onde todos desejariam estar. delírios combinados de são joão bosco, josé bonifácio, marechal floriano peixoto e do maçom jucelino kubitschek. paraíso da vida arregimentada. cidade dos seres no ápice da cadeia alimentar, o automóvel. de pessoas tensas, ansiosas e inseguras. quantos conflitos e aspirações que aqui chegam travestidos. candangos mortos-vivos amontoados em ônibus e muquifos. tecnoburocracia gozando de espaço, mordomias, regalias e vantagens. castas e preconceitos. notícias sobre o nada. agrobusiness de notícias. boataria e miragens. to see and to be seen. aqui deveria surgir o centro de uma nova civilização. se assim o for, aqui estou! para levar uma barricada desde dentro, tomá-la de assalto e talvez, construir algo sobre suas ruínas.
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