sábado, 27 de abril de 2024

LISBOA... E A QUASE SAGRADA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS... 1.




"... Quando houvermos triunfado em escala mundial, é com ouro que se farão os mictórios das grandes cidades..."
(Lenin, 1917)
















Como prometeram, a festa do cinquentenário da Revolução dos cravos mobilizou todo Portugal e principalmente Lisboa. Claro, o show é sempre o mesmo! E sempre nos moldes do que falava Marx lá em seu 18 Brumário: A história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa.... ou vice-versa...

E como em todos os países subdesenvolvidos, aqui, o desfile dos tanques e dos carros de guerra, as homenagens aos ex-combatentes, os hinos, os tiros de canhão em direção ao nada e a idolatria da plebe e da classe média pelos militares também tem sua apoteose... No meio da multidão uma ou outra velhinha gritando o nome de supostos heróis, de gente que teria ajudado a arrancar o velhaco Salazar do poder. Tudo bem, mas só depois de quarenta anos!? Ah! 40 anos de tirania e de catolicismo fanático. Sempre com a PIDE na retaguarda... Sim, depois dos naufrágios, foi o pior horror lusitano... 

Slogans e gritos de Liberdade, na noite lisboeta! Um fado aqui e outro ali. Até alguns mendigos empunhavam seus cravos. Um no cravo e outro na ferradura! Digamos que um Brasil ou uma espécie de América Latina às margens do Tejo... Só faltou tocarem Vandré e Violeta Parra...

Fascismo nunca mais!

Mas não se iludam, bradava um grupo de jovens anarquistas (netos de gente que desapareceu nos braços da PIDE) e da barbárie), enquanto escalavam um monumento no meio do Rossio. Não se iludam, Salazar vive! E ainda está bem representado... E enquanto ironizavam a tal revolução, exibiam um cartel de alguém com um cravo enfiado no traseiro.

Os jovens de 1974 agora, já na última idade e quase cambaleantes, se enfileiravam saudosos, esperançosos e 'felizes' ao longo das avenidas com cravos nas mãos e nas lapelas. (O mendigo K, que acabara de puxar sua câmera do fundo de uma mochila, vendo aquela triste pantomima, resmungava: o que existe de mais reacionário do que a esperança?). E nem precisava ser herege para identificar nas músicas, nas coreografias e na gestalt inteira do show, restos vivos das sacristias, dos mitos e da religiosidade selvagem de outrora. Não muito longe, (no Rossio), nos arredores do Hotel Goa, dezenas de negros, amontoados quase em frente à taverna da Ginja, ainda marcados pelas desgraças da colonização.., e só eles não empunhavam cravos... E olhavam com niilismo e estupefação para aquele show. Mais para os lados da estação de ferrocarriles, subindo pelos jardins da Avenida da Liberdade, a estátua soberana do Marques do Pombal assistindo aquela lusopantomima. Dizem que até hoje os padres, as freiras e os jesuítas em geral, não conseguem passar por ali sem que as mãos se lhes fiquem suadas...

A cidade congestionada. 

Cruzei com duas brasileiras fingindo que eram oriundas da senzala mas que estavam hipnotizadas por um sessentão alemão semi-brocha  que jurava ter herdado um castelo na Baviera...

Se pela manhã se podia comprar nas esquinas (tanto das ciganas como de outros trapaceiros) um cravo por 1 Euro, lá pelas dez horas da manhã já custava 1,50. É a inflação! O descaramento! A plusvalia! A roubalheira institucionalizada! O dinheiro! Enfim: o tal capitalismo! Esse álibi dos partidos... Apesar dos tarados e dos demagogos da fé, a única divindade vigente a quem ainda se queima incenso e se rende algumas aleluias, é o dinheiro.

Mesmo com a matança estúpida e sem sentido na Ucrânia, na Palestina e na periferia das cidades, o excesso de população no mundo é mais do que visível. Quem é que conseguirá controlar esse desatino, antes que a voracidade dessa espécie transtornada acabe por devorar o planeta?

Numa das poucas tabernas abertas, três ou quatro imigrantes cabo-verdianos fodidos, bebiam vinho verde no gargalo da garrafa enquanto ouviam Cesaria Évora cantando, entre outras coisas, Besame mucho...




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