Os termômetros fervilham. Brasília vai além dos 33 graus. Quem pode se acomoda nas varandas, nas garagens, nas sombras das mansões ou nas redes entre uma aroeira e outra.., mas o grande populacho, aquele que precisa ganhar os trinta reais do dia, se arrasta de um lado a outro sob esse sol tremendo, faltando-lhe o ar e com o mesmo entusiasmo dos cortejos para a forca, suando, resmungando, bufando e amaldiçoando não só a natureza, mas a turma que resolveu inventar esta cidade no meio do nada e do deserto. Deserto onde nem os nativos quiseram fincar morada, imensos e inúteis latifúndios de pedras ardentes e de árvores retorcidas cuja zoologia foi se constituindo sob a inspiração e o isolamento fatalista dos lobos guarás, das serpentes e de algumas outras espécies milenarmente acostumadas à secura, ao mormaço e à solidão. O sol parece atingir os ossos. Cada prédio lembra um aquecedor no meio dos dois milhões de malditos motores que não param de rugir nas esquinas. A noite chega como uma fornalha. Para qualquer lado que se olhe, Brasília, com todo o fatalismo de sua solidão, se apresenta como uma odisséia infernal e plena de labaredas. Na janela do outro lado da rua um casal com ar de pobres diabos esforça-se para respirar. Gotas robustas de suor despencam de suas sobrancelhas. Não há o que fazer. Não há fontes jorrando barris de água Perrier, não há correnteza fresca onde se possa enfiar os pés, com suas veias dilatadas, não há
árvores imensas e frondosas onde recostar-se enquanto os fogaréus não cessam e enquanto a brisa da madrugada se digne a baixar sobre o asfalto incandescente. De um túnel tenebroso e labirintico nos chega a frase demagógica: "Desta solidão que em breve se transformará em cérebro das mais altas decisões nacionais..."
Balelas! Alguém atravessa com calma e com desconforto os jardins carbonizados com aquele ar meditabundo e preocupado de um homem a quem - como diria AFS - nasceu um furúnculo sob o colarinho.
Senhor... Escreve muito bem.
ResponderExcluirBazzo, seus detratores que se fodam!
ResponderExcluirMais um texto magistral sobre essa cidade tão bela e paradoxal: Brasília...
Sensacional o texto.
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