No princípio, sempre que passeava com meu cachorro pelas entre quadras ficava um pouco intimidado ao ver os donos de outros animais levando luvas e um saco plástico com os quais recolhiam obsessivamente seus excrementos. Aquilo sim era um exemplo de cidadania - murmurava sempre o porteiro do prédio vizinho e quando eu lhe dava ouvidos mais do que devia, descambava a falar que na Alemanha a multa para quem deixasse uma cagada na grama era de duzentos euros. Só comecei a ficar mais relaxado e ter uma visão mais autêntica sobre minha pseudo-negligência quando percebi que atrás de meu cachorro se formava diariamente uma fila imensa de pássaros: bentevis, rolinhas, joão-de-barro, pardais, sabiás e até mesmo um pica-pau daqueles de peito amarelo e que todos se digladiavam vorazes para banquetear aqueles biscoitos fumegantes que meu lhasa ia soltando pelo caminho. Ora! A partir daí foi fácil para atingir o insight que me faltava. Eu e meu cão é que éramos os verdadeiros cidadãos! A dupla politicamente correta! Nós é que estávamos sendo úteis, não apenas para com o IBAMA, mas principalmente para com o ecossistema. Pensar com a própria cabeça é dar-se a chance de descobrir que, às vezes, os remédios importunam mais do que a própria doença.
Ezio Flavio Bazzo