quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Maldiçao Eterna


Ontem pela tarde, no auge dos trinta e três graus, um senhor barbudo, maltrapilho, com uns 80 anos, ia de um lado para outro na plataforma superior da rodoviária, fazendo breves paradas para gritar: Maldição eterna para o Congresso Nacional! Maldição eterna para o Congresso Nacional! Cumprimentei-o com curiosidade. Ele segurou-me pelo braço com simpatia e declamou num só fôlego: Pareço ser um pobre velho, não é? Pois saiba que Ibsen apaixonou-se por uma mocinha aos 76 anos; que Goethe escreveu seu segundo Fausto aos 82; que Catão casou-se e que teve um filho aos oitenta; que um velho da Ceilândia está tendo uma terceira dentição, que Verdi compôs seu Falstaff e que Ticiano pintou sua Apresentação ao templo já com mais idade do que a minha. Bateu-me gentilmente nos ombros, deu meia volta, gritou novamente: Maldição eterna para o Congresso Nacional e desapareceu.

Ezio Flavio Bazzo

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Loft! Loft! Loft!


A mais nova canalhice do mercado imobiliário brasiliense se chama loft. Você já deve ter ouvido por aí, na boca de meio mundo, essa palavra forasteira e, inclusive, saber que seu significado de origem é sótão, armazém, depósito etc. Pois bem. Visite as que o tal mercado imobiliário está colocando a venda e ficarás enfurecido. Se continuarem predominando o silêncio e a indiferença das massas perante os abusos criminosos da arquitetura e da construção civil não precisaremos esperar muito para ver a cidade, com seus "lofts" e com suas "suítes", transformada numa imensa penitenciária de Terceiro Mundo. E digo de Terceiro Mundo pensando naquele jovem paulistano que preso na Suíça durante 30 meses por tráfico de cocaína, quando prestes a ser repatriado para o Brasil concedeu esta entrevista a Swissinfo.ch: “As prisões daqui são hotéis cinco estrelas. Vou continuar a trabalhar e rezar para o tempo passar devagar. A verdade é que eu gostaria muito de ficar mais um tempo na prisão e não voltar agora para o Brasil. Se eu ficasse preso aqui mais um ou dois anos poderia juntar um dinheiro para poder ter uma vida melhor no Brasil. Cheguei até mesmo pedir ao juiz para ficar, porém ele não autorizou. Para que eu vou voltar ao Brasil? Você sabe como é a vida por lá, como é complicado encontrar um emprego de uma hora para outra. Mesmo fechado na prisão, aqui você não arruma problema, ninguém te mata. No Brasil a história é diferente. Eu gostaria de trabalhar num serviço honesto aqui na Suíça, mas se não for possível, ficaria até mesmo na prisão. Em Ringwil posso tirar mil francos por mês. No Brasil esse é o salário de um engenheiro. Minha mãe trabalha a dez anos na prefeitura e ganha apenas 600 por mês”.

Ezio Flavio Bazzo

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Os dinossauros da Arca de Noé


As prévias dos Estados Unidos começam sutilmente a contagiar as sociedades indolentes e periféricas. O universo feminino, extasiado, não tira os olhos nem dos tailleurs amarelos nem das olheiras da Sra Hillary; outros se identificam e se deixam hipnotizar pela lentidão havaiana e quase sarcástica do Obama enquanto outros ainda preferem apostar nas mandíbulas assimétricas e robustas da raposa republicana. Luzes, ternos, abraços, representações, simpatias, corporações, promessas, um nacionalismo repugnante e milenarista, tudo confeitado com os conhecidos truques do espetáculo que tanto excitam as massas. Na pauta dos três a manutenção do império, o Iraque, o racismo, o matrimônios gay, a prisão de Guantanamo, a caça aos mexicas na fronteira, os abortos, as teorias de Darwin versus o creacionismo e a pontaria dos Serials Killers. Qualquer um dos ingênuos torcedores desanimaria se lembrasse que – como diz Sam Harris - os que têm o poder de eleger presidentes, deputados e senadores naquele país – e inclusive muitos dos que são eleitos – ainda acreditam que os dinossauros sobreviveram aos pares na arca de Noé, que a luz de galáxias distantes foi criada a caminho da Terra e que os primeiros membros da nossa espécie foram modelados a partir do barro e do hálito divino, em um jardim com uma cobra falante, pela mão de um Deus invisível.

Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Ave, Cesár


Nós que ficamos boquiabertos com o vazio, a pobreza e a capacidade de não dizer nada que o Ministro da Fazenda e os senadores exibiram durante dez horas na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), ficamos mais boquiabertos ainda no dia seguinte, diante das interpretações políticas, televisivas e acadêmicas de todo aquele teatro genuinamente latino-americano.

Quem nunca entendeu muito bem o que sempre se quis dizer quando se insistia que o povo brasileiro era um povo cordial, teve ali, naquele horror de lengalengas, de submissão disfarçada de educação, de postulados básicos de contabilidade, de turvação da água para dar impressão de profundidade, de boquinhas, de trejeitos, coriza, delicadezas e ausência de libido, uma exibição sem precedentes dessa fraqueza cultural e desse transtorno de caráter que nos atormenta.

Nada, não houve absolutamente nada naquelas dez horas que nos desse a mais mínima chispa de esperança de que nos próximos mil anos chegaremos a ser um povo mais verdadeiro e mais respeitável. E o pior, é que é bem provável que a maioria dos senadores que lá estava, por uma questão cronológica, enquanto fazia aquela mise-en-scene melancólica, tinha conhecimento de que mesmo os gladiadores que lá no circo romano gritavam o: Ave, César, morituri te salutant, não eram heróis, mas apenas escravos vis e bestas valorosas.


Ezio Flavio Bazzo