Que no próximo ano, o dia 25 de dezembro não conste mais no calendário. Que não haja mais essa agitação infame nos açougues, nas farmácias, nos cabeleireiros e nos bric-a-braques de nenhuma cidade. Que pelo menos a metade dessa turba, com seus estômagos repletos de frangos e de porcos seja extinta nos próximos 365 dias.
Que os perus, as vacas e as ovelhas sacrificadas atormentem a todos em pesadelos. Chega da calhordice do "amigo oculto". Chega da idiotice do dim dim dom, chega de botoc, chega dos caixotes envoltos em papel brilhante. Chega de vinhos e de champanhes vagabundos, de bijuterias feitas com latões de querosene. Chega de todo esse lixo confeitado. Não mais essa compulsão descarada, não mais esses jumentos de presépio, os telefonemas melosos pra cá e pra lá e esse mau caratismo travestido de humanismo.
Chega de ceias, de foguetórios, de alegrias simuladas. Chega de bolos, de tortas, de suflês, de salaminhos, de amêndoas chilenas, de tâmaras marroquinas e de banha de porco escorrendo pelos beiços, pois tudo isso só faz a humanidade peidar ainda mais. Chega de rabanadas, esse horror sempre presente em todos os festins de dezembro. Chega dessa odiosa listinha voluntária para porteiros, de esmolas para cegos, de trouxas de roupas velhas para andarilhos e de leite em pó para seus respectivos rebentos. Chega de sinos, de novenas, de compaixão por si mesmo. Chega enfim, de toda essa babaquice, de toda essa culpabilidade, desse nivelamento por baixo, dessas filas de bundões na direção do aeroporto ou congestionando as estradas. Chega dessa apologia inconseqüente tanto do sobrenatural como da mediocridade.
Ezio Flavio Bazzo