Depois de uns vinte e tantos dias, neste último domingo de clima e de humor quase desérticos, voltei a encontrar o mendigo K. ali num pequeno e vagabundo restaurante que não fica a mais de mil metros do Congresso Nacional...
Estava com sua mulher e parecia ter engordado. Comia com voracidade e com gestos canibalescos uma espécie de joelho de porco com batatas e entre uma garfada e outra daquela nojeira discutia de forma agressiva e em voz alta com ela, também mendiga, simpática, chegada em Brasília ainda criança, lá pelos anos 60.
Como o ambiente estava muito barulhento não pude ouvir qual era o motivo daquela discussão mas não era difícil adivinhar que se tratava de uma daquelas intrigas infames e abomináveis travadas diariamente pelos casais... Quando me reconheceram, fizeram o que todos sempre fazem: interromperam imediatamente a discussão e assumiram um ar de beatitude e quase Zen. Minutos depois, ela colocou sobre a mesa um punhado de moedas de todas as cores e tamanhos e, com a singeleza e falsidade de uma verdadeira dama empoderada, foi ao banheiro antes de retirar-se. Ele, visivelmente colérico e transtornado, repassou o dinheiro para o garçom, enfiou um monte de guardanapos no bolso e, antes de também ir à toalete, deduzindo que eu havia percebido o azedume do clima "matrimonial", fez questão de citar-me uma frase de Cesare Pavese: “as únicas mulheres com quem vale a pena casar são aquelas que não são
confiáveis como esposas…
https://www.youtube.com/watch?v=cfJ_0QK2RTo
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