"Colombia no tiene realidad. Colombia es irreal, un sueño de basuco. Y sabes que es basuco? Crack, cocaína fumada..."
Fernando Vallejo
... Descobri na Carrera 2, número 12-14 de la Candelária, a casa onde nasceu Vargas Vila, autor de Ibis. Mais tarde desci até o Cemitério Central em busca de seus ossos. Tinha informações de que estavam no Panteão maçônico desse cemitério. Ninguém soube dizer-me nada a respeito. Nem uma boa propina ao coveiro estrábico resultou em alguma coisa. O mais importante do dia foi aquilo com que me deparei, meio fascinado e meio horrorizado, no meio do caminho. Umas sete ou oito quadras de verdadeiro horror humano! Um verdadeiro cartucho, como o chamam aqui. Um lugar de arrepiar os bigodes. A verdadeira Bogotá e a verdadeira América Latina... Centenas de mulheres semi-nuas pelas calçadas, nas portas de cortiços, amparadas em paredes, nas janelas, nos espaços entre uma ruína e outra, em degraus que levavam para o piso superior das espeluncas prostitutivas... Umas com falos de madeira ou de borracha gesticulando obscenidades. Risos que delatam tristes desgraças e pequenos retardos, olhares distantes, as unhas da cor das paredes... Mendigos barbudos arrastando trapos, jogados nos meio-fios como mortos, maricones com o traseiro tatuado fazendo gestos agressivos, cortes de faca e cicatrizes no pescoço, pederastas, sujeira, restos de comidas, trabalhadores, traficantes, desempregados, drogados, borrachos, loucos e assassinos... Quem se atrever fazer um documentário clandestino por aqui terá registrado o horror dos horrores e o mais fiel retrato do inferno humano... E, o mais curioso, é que a umas quatro ruas dali já se está na Carrera 7, onde tudo vive na maior naturalidade, com suas igrejas, seus restaurantes, cafés, parrilladas, senhoras com cruzes sobre o busto, homens engravatados na entrada da confeitaria Florida, policiais com suas metralhadoras e com seus cachorros treinados para detectar explosivos, o vegetariano no quarto piso do Edifício Isis, a Candelária com suas universidades, a imensa livraria do Fondo de Cultura Econômico, a Lerner na Avenida Jiménez, o museu do Botero e a Biblioteca Luis Ángel Arango, a mais estupenda da América Latina, sem falar do Centro Cultural do Livro, localizado lá pelos lados da Carrera 8, calle 16. Dezenas de sebos babilônicos, uns ocupando prédios inteiros de três andares. A Livraria Merlin é quase uma fábula! O Brasil, a Argentina e os outros países latinos juntos com suas livrarias não chegam nem próximos dessa maravilha livresca... E lá por trás dos edifícios, as montanhas cobertas de neblina. De vez em quando o sol varando as vidraças dos cassinos, a poesia de um velho indígena recém chegado de algum ponto da mais longínqua cordilheira. Um chá de coca antes de subir para Montserrat, o equivalente a Montmartre... Uns três mil e tantos metros de altitude, Quase um Himalaia. Testo meu coração. Conforme vamos subindo ele matraca como uma britadeira, ou melhor, como estamos na Colombia, igual a uma metralhadora... Cento e tantos anos de terrorismo. A Zona Rosa! Os vícios das elites! O luxo, a vadiagem burguesa! O capitalismo pior, bem pior que o de antes de Marx e cristalizado numa simples camiseta ou no designer de uma esmeralda.
Que os românticos não se irritem, mas todas as lutas e todas as sangueiras revolucionárias não serviram para nada a não ser para intoxicar os corações de luto, de nostalgia e de passado...
E quando a noite se apresenta no meio de uma nuvem que ninguém sabe de onde surgiu, as lâmpadas cor de sol vão brotando nos vãos entre as paredes seculares, entre os janelões entrevados, sobre os carrinhos dos ambulantes, mais numerosos aqui do que na Índia... E começam a surgir as águas aromáticas nas esquinas, as de hierba buena, de erva doce, de artemísia que jovens nativas fervem em panelas imensas de alumínio e que servem para apaziguar os espíritos malignos do dia e deixar zen todas as nervaduras das pernas e das costas...