À beira das grandes rodovias dos países desenvolvidos, nos últimos trinta anos, houve uma proliferação de estalagens próprias para abrigar turistas e carros. Estas estalagens receberam o nome de motéis. Evidentemente, ninguém poderia imaginar que os países do terceiro mundo iriam importar e transformar essa idéia em ambientes marcados por uma curiosa ambigüidade onde a "pureza do amor" divide o espaço com a "canalha da marginalidade"; onde a "privacidade dos amantes" é garantida e controlada "publicamente" por porteiros e garagistas... verdadeiros "donos" do amor, da noite, da semen-teira murada desses refúgios.
Um fato interessante nesses motéis é a luta inconsciente que seus proprietários, numa tentativa, talvez, de administrar suas culpas, empreendem, no sentido de assemelhá-los arquitetonicamente a mosteiros. A discrição da entrada e da saída, a privacidade do quarto, a saleta onde a garçonete deixa a bebida, a intensidade das luzes, a cama em forma de altar, a piscina, a escova de dentes, a água de colônia, os vídeos, os espelhos...todas essas "coisas" são verdadeiros símbolos religiosos. Sabermos, por
exemplo, que é na penumbra que acontecem todos os rituais religiosos, os feitiços, as magias, as desencarnações, etc. Além disso, a penumbra serve para que os "amantes" não se vejam, não se enxerguem, não se relacionem verdadeiramente. O lugar é para louvar a clandestinidade e se eu não "a vejo", então tenho a liberdade de fantasiá-la segundo minhas próprias necessidades e nem sequer tenho a obrigação de "lembra-la".
A circunferência da cama é pitagórica e rosacruciana. Sua presença nos motéis se deve à necessidade de fusionar o maldito com o sagrado, o legal com o delito, o mal com a transcendência. As camas circulares ou redondas podem ser um simples truque, mas podem também estar inconscientemente representando o movimento circular da vida, a volta irremediável dos amantes ao mesmo lugar, o eterno retomo à mediocridade do próprio ato sexual. As mesas onde os seres humanos comem também são quase sempre circulares... sexo e comida são elementos atados... copular e comer... duas coisas para ... ! (Céline)
Existem também as piscinas, as duchas, as águas de colônia, etc., tudo secretamente religioso, através do que os "pecadores" podem exorcizar-se, limpar-se, purificar-se, corporalmente e "orgasmicamente" antes e depois de praticar o "vício".
As casas mais luxuosas, os motéis mais modernos oferecem aos clientes filmes pornográficos e eróticos que, longe de serem assistidos para interferir na excitação ou de servir de instrumento ilustrativo, servem mais bem para amenizar a culpa dos amantes e, quase sempre, para disfarçar o medo que antecede o desejo e o tédio que advém da ejaculação.
Em poucas palavras, os motéis representam, outra vez, as forças mistificadoras e fetichizadoras das sociedades, sejam elas capitalistas ou socialistas. São engendros do impulso religioso que, desde os mais remotos selvagens, têm sabotado a consciência e criado problemas para a vida. A única novidade talvez, é que, agora, o objeto sagrado é o phalo, a vulva, o abraço desesperador desses dois "deuses" que, por ser incompatível com o pensamento e com o raciocínio, deve acontecer no escuro, sob os lençóis, na clandestinidade de casas alheias, pagas para tapar os ouvidos e para simular miopia. As filas de automóveis nos motéis são idênticas às filas nos postos de gasolina... em ambas, quase sempre, se entra para "trocar o óleo" ou, para "rever os freios".
Por mais metafísico que tudo isso pareça, não é por acaso que na semana passada em São Paulo, uma sociedade religiosa transformou um antigo motel em um centro de atenção aos portadores do vírus da AIDS. A mensagem está visível: Curar o mal ali onde o mal foi adquirido. Também não é por acaso que alguém escreveu nos muros de um desses motéis da periferia: acreditas na vitória do amor admirável sobre a vida sórdida ou da vida sórdida sobre o amor admirável?
Ezio Flavio Bazzo
malditos são aqueles que simbolizam o sexo! lhes dão métrica e finalidades. divinizam por terem-lhe tirado o poder do gozo. não querem encarar de frente e dignamente um pau, uma xota ou um cú. verdadeiro egípcios sexuais, pois mumificam a sexualidade. não adianta, o gozo dura menos que 5 segundos. sutilizar um trapada é a maior expressão do pensar de modo miserável. quanto coito disperdisado, se as pessoas, mesmo o desejando com todas as forças, não olham para quem está na outra mesa do buteco? ou, quanto sexo pago e feito às pressas por puro estravazamento de frustrações? porém... dizia o finado marquês de sade... "o puritanismo é a forma mais alta de perversão".
ResponderExcluirA "atividade sexual" e sua relação com a religiosidade é antiga mesmo. Em quase todas as culturas, a "licenciosidade" se apresentava naqueles ritos agrários, como os ritos de Beltane dos celtas, a libertinagem das festas báquicas na Grécia antiga e até festas análogas no velho Egito.
ResponderExcluirGeralmente, eram celebradas no ápice do verão, o tempo das colheitas. A união sexual do homem e mulher imitava simbolicamente a fertilidade da terra__ a semente(sêmen), plantada na terra(útero). A euforia das colheiras incitavam-nos a corresponder as dádivas da Mãe terra.Parece que o "profano", ligado a algo "sagrado", era uma forma da libertinagem ser aceita; e claro, contextualmente ritualizada. Porque não dizer uma forma de ser "controlada"?
Os exemplo dos motéis guardam a mesma estrutura religiosa. Em sociedades repressivas (como a Ocidental, ainda embutida de Catolicismo na genética moral do povo) os homens procuram meios de ocultamente "licenciar" algo que consideram pecaminoso. O ambiente religiosos dos lugares descritos parecem mesmo uma forma de sacralizar a dita "atividade profana", torná-la aceita e "limpa".
Desse modo valida sempre a relação tênue entre o desejo(pecaminosos e proibido) e a moral(repressor e vigilante do desejo.
A licenciosidade, então, seria o permissivo legal, o meio da higiene moral onde se unem o "profano" e o "sagrado".