domingo, 25 de março de 2007

Dymphne: A Santa Protetora dos Loucos


Este é um livro sobre insanidade, demência e piração. Uma viagem nas pegadas do frenesi e no encalço da loucura, com suas mais variadas descrições populares, clínicas, preconceituosas, negadoras, medievais e até modernas. E não é uma história «formal» que pretendo, pelo contrário, anseio mais bem por uma história vagabunda e doméstica, desde as estradas perigosas de minha memória até o «paraíso» belga de Geel, o velho e quase mitológico shangri-la dos «dementes». Talvez no imaginário de todas as raças, a loucura seja percebida apenas como um berço em chamas, como o passo de caranguejos no interior das artérias ou como a silhueta de uma mãe esplendorosa que se recusa, a silhueta de uma mãe com tetas imensas mas vazias. Talvez apenas como um canyon com bebês berrando, a placenta sendo lançada numa imensa gamela de imbúia, como se tudo estivesse acontecendo num açougue clandestino do Distrito Federal ou numa caverna piauiense iluminada apenas pelos pingentes de estalactites e pelo brilho inocente dos olhos dos morcegos. Loucos, dementes, alucinados, pirados, insensatos... mas e quem não é? Quem não é, quando nem o grande Verlaine conseguiu burlar as suspeitas dos doutores? Quando Nietzsche mofou no hospício de Jena; quando Artaud apodreceu na clínica de Rodez; Nélligan no hospital quebequence de Saint-Jean-de-Dieu; Rawet na solidão de Sobradinho, e quando o Bandido da Luz Vermelha, durante décadas, fez doutrina no interior dos nossos manicômios? Me digam: quem não é, com todas aquelas caravelas chegando? E depois desses 500 anos? Quanto mais pesquisamos e quanto mais abrimos os olhos, mais vamos reconhecendo que o homem, na fantasia de tornar-se «civilizado», acabou construindo tanto interna como externamente, essa disposição mentirosa e esquizóide que faz da vida uma maratona de horrores. E é importante lembrar, neste momento crucial de nossa existência, que as Naves dos Loucos não navegaram apenas pelos rios da Alemanha, da Bélgica e da França, como se pensa. Elas cruzaram também os mares, em todas as direções, com os porões e as suites repletas e inclusive, com muito mais frequência do que certos «especialistas» gostam de afirmar.

Manifesto aberto à estupidez humana


Manifesto aberto à estupidez humana é um livro extremado. Tem a radicalidade da lucidez e da loucura e a contundência das obras que desafiam a expectativa de quem lê com um discurso inesperado e um cenário desconcer-tante. O uso provocativo da segunda pessoa, no inventário de atos, sentimentos, posições exem-plarmente estúpidas, estabelece relação intensa e pessoal entre quem fala e quem lê.

Com grande poder persuasivo, o discurso pode levar o leitor da estupefação à adesão. Convém estar atento a isso. É uma das armadilhas do texto. Se, em suas linhas, você passar a identificar a estupidez de colegas, vizinhos, parentes, amantes, cuidado! Pois desse modo estará negando ao texto sua principal qualidade: o de ser uma superfície refletora. Quando a imagem de tantos conhe-cidos emergirem dessas páginas, não se iluda e não se prive de participar da aventura de Narciso às avessas que o texto propicia. Este livro fala também de você e da vida que está lhe escapando.

Outra cilada se arma, se tentar descobrir quem fala. Não se trata de um censor nem de um mestre moralista. O livro foi composto por um discurso que a cultura – a despeito das religiões organizadas e das famílias, dos saberes e das autoridades constituídas – não conseguiu sufocar.
Em plena época dos relativismos que tudo legitimam, Ezio Flavio Bazzo expõe um modo insolente e apaixonado de pensar, movido pelo questionamento dos valores.

Evocando fragmentos das obras de Nietzsche, Cioran, Tzara, Malatesta, Marinetti e, também, de Tolstoi, Ibsen, Dostoievski, Thoreau, Cocteau e Canetti, uma voz, com arrebatamento e firmeza, deboche e emoção, elegância e desleixo, raiva e ternura, faz uma advertência contra as falácias que perseguimos e a inten-sidade que não conseguimos viver.


Ligia Cademartori

Trailer do Livro: