"A dor é uma dessas chaves que abrem não
apenas a intimidade dos homens
mas a intimidade do mundo"
Ernest JungerSe os portugueses chegaram no Brasil achando que estavam chegando na Índia, os franceses e os ingleses, por sua vez, -Jacques Cartier em 1534 e Henry Hudson em 1611- avistaram eufóricos o território canadense certos de que estavam aportando na China.
Segundo país do mundo em território e um dos mais desenvolvidos do planeta, o Canadá, é ainda hoje uma monarquia constitucional, com rainha e tudo. Apesar de aparecer estampada em algumas moedas e em alguns dólares, se faz representar por um governador geral e não apita -pelo menos em público- praticamente nada. Parece ser só um luxo e um nostálgico exotismo.
Quebec, a maior província deste país, apesar de fazer de tudo para seguir o ritmo da América, não abre mão do charme de suas origens francesas, dos queijos e do idioma. O francês é a língua usual dos quebequences, apesar de que o inglês também é falado e compreendido em praticamente todos os lugares. Dizem que foi numa visita à aldeia de Hochelaga que, em 1542, Jacques Cartier, deslumbrado com a montanha que viu diante de si, deu-lhe o nome de Mont Royal , uma homenagem ao rei da França. Hoje, Montreal é a segunda cidade francófona mais importante do mundo, e foi para cá que os portugueses, movidos por genômas nômades ou por pura necessidade, imigraram e onde, com aproximadamente umas cinqüenta mil pessoas, constituem, uma das mais importantes comunidades latinas do Quebec.
A década de 60 foi um período importante na imigração para o Quebec. Belgas, egípcios, libaneses, haitianos, mas principalmente europeus de países do sul como a Itália, a Grécia e Portugal. Em 1971, havia no Quebec (em Toronto a comunidade portuguesa é maior) 16 mil portugueses. Em 1981, esse número passou para 27 mil e atualmente, segundo notícia recente no jornal local Le Devoir, chegam a 50 mil.
Apesar dos pescadores portugueses navegarem os mares canadenses há centenas de anos, -para onde vinham seguindo a rota dos cardumes de bacalhau- a maior parte dos imigrantes desse minúsculo país europeu se estabeleceu aqui, aos pés do Mont Royal, após a 2ª guerra mundial.
Três razões fundamentais facilitaram a imigração portuguesa para cá, naquele momento:
1. Os problemas sócio-políticos e econômicos gerados pela ditadura de Salazar em Portugal;
2. a necessidade e o projeto português de reduzir a população nas ilhas dos Açores;
3. por um lado as dificuldades para imigrar para o Brasil -devido as mudanças da política brasileira de imigração- e por outro a forte demanda canadense de trabalhadores agrícolas.
Sem outra alternativa, milhares de portugueses «fizeram os papéis» e navegaram dos Açores para Halifax, de onde eram imediatamente remanejados para fazendas, não apenas da província do Quebec, mas de todo o território canadense. Mesmo para um povo como os portugueses, que souberam acostumar-se na Índia (Goa), na China (Macau), nos países africanos etc., etc., o choque aqui foi violento. Além do trabalho agrícola canadense não ter nada a ver com aquilo que os portugueses estavam acostumados em Portugal e principalmente nos Açores, as grandes dificuldades se apresentaram no terreno da cultura, da língua, da alimentação, do clima e de tudo o mais que esse tipo de «exílio» sempre significou para o caráter português. Como era de se esperar, a grande maioria deles começou a cair fora das fazendas agrícolas o mais rápido possível e a procurar outro tipo de ocupação, principalmente no meio urbano de Toronto e de Montreal, onde logo passaram a exercer os mais diversos tipos de atividades, como a de carpinteiro, pedreiro, camareiro, porteiros, garçons e até donos de pequenos comércios, de pensões, etc. Muitos homens solteiros, subjugados pela solidão e pela saudades, casavam-se por procuração (como a mãe de Fernando Pessoa, em 1895, com o comandante João Miguel Rosa) com mulheres de Portugal que às vezes nem conheciam. Quando conseguiam os primeiros dólares para a passagem, mandavam imediatamente buscá-las e iam, de mãos nos bolsos, mastigando um palito, tímidos, a camisa abotoada até o gogó e com bonézinhos inconfundíveis, esperá-las romanticamente no porto. À sua maneira, também estavam «fazendo a América». Aqui no Quebec, parece que historicamente as funções técnicas, altamente especializadas, foram sendo desenvolvidas principalmente por imigrantes vindos da alemanha, dos EEUU e da Grã-Bretanha; as que dizem respeito à educação ficaram a cargo dos que vieram da França, da Bélgica e do Egito. Para os haitianos, ficaram os serviços de taxi e, para os portugueses, como já disse, os «serviços gerais».
Quem passa distraído aqui pelo Boulevard Saint Laurent, -entre a Sherbrooke e a Saint Josef- apesar do francês e do inglês aportuguesado e das marcas de lusitanidade por todos os lados, não se dá conta de que está passando pela medula de uma cultura singular, por dentro da «alma» de um povo de navegadores e de católicos fervorosos, pouco dados ao luxo do intelecto -é verdade-, mas obsessivamente trabalhadores e eternamente obcecados por uma bacalhoada com batatas e com vinho.
Da vitrine de uma livraria, um gato imenso acompanha o movimento da rua, na mesma posição da esfinge egípcia. Mesinhas com toalhas quadriculadas, aromas de sopas, montanhas de pães, lojas de roupas usadas, agências de viagem, homens e mulheres que surgem de repente numa esquina e que desaparecem tão misteriosamente como apareceram, colocando em evidencia e em movimento o tão bem conhecido perfil português. As rugas sobre os olhinhos pequenos, lançados quase sempre para bem longe, contra o sol, como quem tem que adivinhar as distâncias, os perigos, os enigmas e a infinitude dos oceanos.
Quando falam entre eles é quase impossível identificá-los. Parece que estão falando romeno, grego, vietnamita, qualquer um dos muitos idiomas do mundo, menos o português. O que não conseguem camuflar nem em sí e nem na arquitetura é a «gestalt» de lusitanidade. Casinhas enfeitadas com gaiolas, flores, escadas, varais e na fachada sempre uma coroa do Espírito Santo, imagens de Santo Antonio ou de N.Sª de Fátima, Homens aparentemente melancólicos atrás das vidraças que nos olham com uma curiosidade infinita. Os portuguesismos nas fachadas dos bazares, dos cafés, das peixarias e no interior de um mercado, mulheres pequenas, entroncadas e com correntinhas de ouro no pescoço resmungam diante dos produtos indispensáveis: o peixe, a oliva, o pão, meia garrafa de vinho tinto, uma sacola de café moído na hora... Depois ficam na fila do caixa, extremamente disciplinadas e como se estivessem submetidas por alguma tristeza. "Das feições da alma que caracterizam o povo português -escrevia Fernando Pessoa- a mais irritante é, sem dúvida, o seu excesso de disciplina. Somos um povo disciplinado por excelência". A uma quadra dali, no Café Central, esquina da avenida Duluth com a rua Santa Dominique, o mesmo barulho e o mesmo burburinho dos cafés cariocas e dos cafés de Portugal. Um homem descompensado mentalmente ocupa solitário a mesa junto à janela, enquanto as outras duas ou três estão ocupadas por jogadores de baralho. No balcão, a postura clássica dos que bebem em pé, apoiados apenas numa das pernas, enquanto a outra descansa. Um dia ainda vamos descobrir que a genética é tudo e que a cultura não é nada. Nas paredes, duas cabeças de alces e fotos de times portugueses. A grande maioria ainda continua fascinada pelos três Fs: Fátima, Fado e Futebol, apesar de um deles, mais refinado, declarar que são três Ps que lhe dão nostalgia: Porto, Pastéis e Pessoa. Duas TVs ligadas numa estação portuguesa e no volume máximo, mostram a visita do Papa à cidade de Fátima. Apesar da decepção com a «última profecia», não deixam de fazer o sinal da cruz, quase num orgasmo coletivo, quando o Papa profere as primeira palavras. Enquanto me delicio por estar ali, anônimo, roubando fragmentos de suas intimidades, invoco novamente a F. Pessoa "Nunca o português tem uma ação sua, quebrando com o meio, virando as costas ao vizinho. Age sempre em grupos, sente sempre em grupo, pensa sempre em grupo. Está sempre à espera dos outros para tudo". Apesar das «cachaças» e do ambiente profano, o bar transpira catolicismo, fé e religiosidade por todos os poros. Nenhuma mulher entrou aqui nestes quarenta minutos. Só homens. Baixinhos, fortes, barrigudos, cabelos pretos, bigodes, desconfiados, brincalhões, fumantes inveterados e quase sempre vestidos de preto ou de marrom. Posso vê-las lá fora, na rua, com bolsas de mercado atravessando rápidas em frente a «boucherie» Soares & Filhos para irem esperar o ônibus 55.
Segundo o Guía Étnico de Montreal, alguns portugueses chegaram no Quebec quase junto com os primeiros colonizadores franceses e ingleses, entre eles, um tal de Pedro da Silva, que chegou em 1677, vindo de Lisboa e que foi o primeiro responsável pelos serviços de correios entre as cidades de Montreal e Quebec. Seus descendentes levam hoje os sobrenomes Dasylva, Dasilva e Da Silva.
Na rua Rachel, 60, está a paróquia e a igreja de Santa Cruz que a própria comunidade construiu. De tantos enfeites, bandeirolas, símbolos e escudos na fachada, faz lembrar algumas particularidades do Vale do Amanhecer. Dois carpinteiros aposentados trabalham na construção de galpões para a grande festa dos dias 20, 21 e 22. Apesar dos sessenta anos os cabelos ainda estão pretos e os braços musculosos. A ambos lhes falta dois dedos na mão direita. Ônus da carpintaria? Segundo eles, todo português que vive no exterior vive como um exilado. Apesar do elevado nível de vida que levam aqui, por eles, se pudessem, teriam permanecido em Lisboa, atrás dos morros ou nos cafundós da pátria. Fora do pequeno e super populoso Portugal, conservam quase que em segredo, quase como um delito, os pequenos sinais da identidade. Ouço comentários sutis sobre a frustração da 3ª revelação de Fátima, mas nem pensar em colocar a fé em discussão, pois foi -segundo eles- através e ao redor da igreja que conseguiram manter-se no unidos e vivos no «exílio». A festa em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres, uma tradição trazida para cá pelos açoreanos da ilha de São Miguel, que acontece todos os anos no quinto domingo depois da páscoa, tem todos os elementos do catolicismo medieval e proporciona imagens que só se acredita, vendo. Assim que o padre José Maria Cardoso aparece, as mulheres levantam as velas de mais de um metro, os homens pisoteiam os cigarros, tiram os chapéus e marcham literalmente atrás daquele acervo de ícones, cochichando, criticando e tentando adivinhar o roteiro da caminhada e a ordem dos atos litúrgicos. A procissão trouxe às ruas praticamente toda a comunidade lusitana, figuras que fascinariam a qualquer arqueólogo e a qualquer cineasta. Carros luxuosos, perucas, meias pretas, laquê no cabelo, perfumes, sedas, gravatas, paletós, chapéus, bengalas, colares, crucifixos, doentes em cadeira de rodas, três ou até quatro gerações abraçadas, tristes e até em lágrimas vendo as «fanfarras» passando e lá no alto do andor, um cristo aniquilado. Uma coroa de espinhos na cabeça, o sangue escorrendo por todo o corpo, uma ferida imensa aberta no peito por uma lança. Dois franceses que passam casualmente por ali, comentam: um Deus tão triste como eles. Por sobre os braços dos que transportam a imagem, uma faixa com as palavras sórdidas atribuídas a Pilatos: Ecce Homo. Um homem ainda jovem sobe as escadarias da igreja com dificuldade e é seguido por uma mulher que vai retirando pêlos de seu paletó. Um pouco mais abaixo, dois homens falam tête-à-tête enquanto um deles arruma delicadamente a gravata do outro. Acompanho a procissão que subiu pelo quarteirão de Montreal, ora ao lado dos «pelotões» de senhoras com figuras de N.Sª sob o braço, ora ao lado dos pelotões de senhores com capas vermelhas, ora ao lado dos pelotões de crianças travestidas de anjos, dos coroínhas em posição marcial, etc., com bandeiras do Canadá, de Portugal, do Quebec, etc., e vou recitando outro fragmento profano do mais conhecido poeta português: "Somos incapazes de revolta e de agitação. Quando fizemos uma «revolução» foi para implantar uma coisa igual ao que já estava. Manchamos uma revolução com a brandura com que tratamos os vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse; não nos resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficamos miserandamente os mesmos disciplinados que éramos. Foi um gesto infantil, de superfície e de fingimento..." A procissão segue, as janelas das casas e as calçadas estão cheias, sinto que vou me contaminando pela tristeza e pelo remordimento generalizado. Mesmo não descendendo geneticamente deles, tenho consciência que pontuo, entôo e falo a língua que eles impuseram inicialmente sobre os Tupi-guaranis e por fim sobre um território cem vezes maior que o pequeno e simpático Portugal. Rituais, gestos, manias, cacoetes, temores, crenças, costumes... um imaginário genuinamente português. Será possível viver regido por um imaginário genuinamente português?
Álbatroz, a Barateira, Café e bar Copacabana, Terra Nostra, Cocoricó, Cabral, Patatipatata, imobiliária Joaquim, Designer Alves, Epicerie Lusitania, Padaria Coimbra, Rosas de Portugal, Material de construção Azores, etc, etc. Cheiro de sardinhas boiando no azeite, bolos de noivas, de batizado e de núpcias na vitrine, galos nas portas, taxistas, consertos de bicicleta, padeiros, pratos típicos, gestos, disfarces, desconfianças, música brasileira. Frequentemente cruzo por mulheres encorpadas que falam autoritariamente a homens pequenos, quietos, submissos, com as mãos nos bolsos, brincando com as moedas. Um português declarou simpático para um jornal: Deus criou o homem e a mulher, os portugueses criaram a mulata. Não deve ter se dado conta de que estava fazendo menção às histórias de mancebia de seus ancestrais e nem de que a expressão «mulata» tem uma origem pejorativa já que lembra o hibridismo da mula.
Dei um jeito de caminhar pelos fundos das casas, quase todas silenciosas e vazias, com apenas os gatos e os cães atentos atrás das cercas e das vidraças. De quando em quando um homem regando as plantas ou sentado nas escadarias, meio corpo ao sol, meio corpo à sombra, imerso num clima quase esotérico, um misto de solidão, prazer, deleite e tristeza... como se o sol o obrigasse a recordar que ontem o inverno foi rigoroso e que amanhã o será novamente. Um casal de «proletários» se apalpa junto à parede. O homem parece um bloco de mármore e ela o beija assim mesmo, teatralmente, em frenesi, por sobre os bigodes manchados de nicotina, tudo sob o olhar atento e viperino de uma mulher gorducha que lava a calçada e que parece gozar com a idéia de que amanhã, de tudo aquilo terá restado apenas esquecimento.
O dono de uma peixaria aparece à porta com seu avental branco e os bigodes nietzschenianos. Pergunto-lhe se não vai à procissão. Ele debocha do fatalismo de seus conterrâneos e retruca que não, com a arrogância e a convicção típica dos ateus. Segundo ele, vários portugueses que hoje moram aqui, já moraram no Brasil. Não deu certo e vieram para cá. Falam sistematicamente no F. H. Cardoso, insistindo nas origens lusitanas desse nome. (Por coincidência, o padre da comunidade tem esse mesmo sobrenome). Imagens fantasmagóricas do Brasil. Às vezes, referindo-se à sociedade brasileira, parecem acreditar que o Brasil vive uma guerra civil como as que viveram Moçambique, Angola e a Guine na década de sessenta. Aliás, a eclosão das revoluções nessas colônias portuguesas na África foi, para muitos jovens que fugiam do serviço militar português, a razão da imigração para o Canadá. Depois do almoço, muitos velhinhos tomam o rumo do Parc du Portugal e ali ficam duas ou três horas ao sol, numa verdadeira sessão de psicodrama, perdidos e fascinados em discussões intermináveis que, lamentavelmente, não dá para entender. Além desta praça dedicada à comunidade portuguesa, parece que existe por aqui uma outra -que ainda não consegui localizar- que leva o nome de Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, um suposto herói da segunda guerra mundial.
Percorro as mesmas ruas do «quadrilátero português» mais de uma vez e nos horários mais diversos e os gatos estão sempre lá, vigilantes e zen. Casais cuidam de pequenos jardins onde florescem túlipas de todas as cores. Em algumas casas, minúsculas "vendas de garagem" onde se pode comprar livros, vasos, roupas, cabides, xícaras, brinquedos. Bicicletas amarradas às escadas e de uma janela o som de uma melancólica música portuguesa. Vasos com pequenas begônias, roupas secando no corrimão da varanda, uma caixa de correspondência cheia de cartões, jornais e recados. A porta de uma casinha de madeira se abre e aparecem duas mulheres e um homem que leva um cachorro branco acorrentado. Casacões pretos, um taxi, o «depanneur» Kuan, bem na esquina. Túlipas por todos os lados, umas abertas, outras como a papoula do ópio e uma cortina com desenhos de galos. Aqui na rua Laval, 3686, ainda dentro do quadrilátero lusitano, viveu o poeta maldito de Montreal: Émile Nélligan. Nas escadarias de sua casa, seis vasos com flores, cortinas de renda nas janelas, uma escultura do rosto do poeta incrustada na parede. Para muitos, Nélligam é o Rimbaud quebequence. Produziu sua obra dos 16 aos 19 anos e pirou. Morreu no hospital que fica no Boulevard Urbain, próximo a Associação Portuguesa de Montreal.
O restaurante Cocoricó, que serve um prato famoso com frango assado, batatas e salada, está sempre lotado. Duas senhoras portuguesas ao meu lado, comeram não apenas a asa do frango, mas todas as batatas e toda a salada sem usar os talheres. Numa pequena prateleira, de graça para os clientes, os dois jornais produzidos pela comunidade: Jornal do emigrante e A voz de Portugal. Na mesma rua, uma boate chamada Catedral e a livraria Andrógyna, especializada em textos, livros, músicas e apetrechos gays. Fico imaginando o espanto de uma velhinha açoreana no meio de todas estas «perdições». Uma cliente de quase meia tonelada, discute com a vendedora a identidade de Anais Nin. Filha de um Joaquim e de uma Rosa, seria cubana de pais portugueses?
A manhã de meu último dia aqui já está quase terminando. O sol bate forte nas vidraças do café Chez José, pertinho da rua Bullion, onde o primeiro imigrante português veio instalar-se. Duas mulheres de preto esperam um taxi enquanto trocam palpites sobres doenças, constipação e uma fadiga incurável. Pago o dólar e cinqüenta que devo, de meu café expresso, e tomo o rumo do hotel, na rua Saint Denis, ansioso para revelar meus filmes, arrumar a mochila e cair no mundo.
Segundo país do mundo em território e um dos mais desenvolvidos do planeta, o Canadá, é ainda hoje uma monarquia constitucional, com rainha e tudo. Apesar de aparecer estampada em algumas moedas e em alguns dólares, se faz representar por um governador geral e não apita -pelo menos em público- praticamente nada. Parece ser só um luxo e um nostálgico exotismo.
Quebec, a maior província deste país, apesar de fazer de tudo para seguir o ritmo da América, não abre mão do charme de suas origens francesas, dos queijos e do idioma. O francês é a língua usual dos quebequences, apesar de que o inglês também é falado e compreendido em praticamente todos os lugares. Dizem que foi numa visita à aldeia de Hochelaga que, em 1542, Jacques Cartier, deslumbrado com a montanha que viu diante de si, deu-lhe o nome de Mont Royal , uma homenagem ao rei da França. Hoje, Montreal é a segunda cidade francófona mais importante do mundo, e foi para cá que os portugueses, movidos por genômas nômades ou por pura necessidade, imigraram e onde, com aproximadamente umas cinqüenta mil pessoas, constituem, uma das mais importantes comunidades latinas do Quebec.
A década de 60 foi um período importante na imigração para o Quebec. Belgas, egípcios, libaneses, haitianos, mas principalmente europeus de países do sul como a Itália, a Grécia e Portugal. Em 1971, havia no Quebec (em Toronto a comunidade portuguesa é maior) 16 mil portugueses. Em 1981, esse número passou para 27 mil e atualmente, segundo notícia recente no jornal local Le Devoir, chegam a 50 mil.
Apesar dos pescadores portugueses navegarem os mares canadenses há centenas de anos, -para onde vinham seguindo a rota dos cardumes de bacalhau- a maior parte dos imigrantes desse minúsculo país europeu se estabeleceu aqui, aos pés do Mont Royal, após a 2ª guerra mundial.
Três razões fundamentais facilitaram a imigração portuguesa para cá, naquele momento:
1. Os problemas sócio-políticos e econômicos gerados pela ditadura de Salazar em Portugal;
2. a necessidade e o projeto português de reduzir a população nas ilhas dos Açores;
3. por um lado as dificuldades para imigrar para o Brasil -devido as mudanças da política brasileira de imigração- e por outro a forte demanda canadense de trabalhadores agrícolas.
Sem outra alternativa, milhares de portugueses «fizeram os papéis» e navegaram dos Açores para Halifax, de onde eram imediatamente remanejados para fazendas, não apenas da província do Quebec, mas de todo o território canadense. Mesmo para um povo como os portugueses, que souberam acostumar-se na Índia (Goa), na China (Macau), nos países africanos etc., etc., o choque aqui foi violento. Além do trabalho agrícola canadense não ter nada a ver com aquilo que os portugueses estavam acostumados em Portugal e principalmente nos Açores, as grandes dificuldades se apresentaram no terreno da cultura, da língua, da alimentação, do clima e de tudo o mais que esse tipo de «exílio» sempre significou para o caráter português. Como era de se esperar, a grande maioria deles começou a cair fora das fazendas agrícolas o mais rápido possível e a procurar outro tipo de ocupação, principalmente no meio urbano de Toronto e de Montreal, onde logo passaram a exercer os mais diversos tipos de atividades, como a de carpinteiro, pedreiro, camareiro, porteiros, garçons e até donos de pequenos comércios, de pensões, etc. Muitos homens solteiros, subjugados pela solidão e pela saudades, casavam-se por procuração (como a mãe de Fernando Pessoa, em 1895, com o comandante João Miguel Rosa) com mulheres de Portugal que às vezes nem conheciam. Quando conseguiam os primeiros dólares para a passagem, mandavam imediatamente buscá-las e iam, de mãos nos bolsos, mastigando um palito, tímidos, a camisa abotoada até o gogó e com bonézinhos inconfundíveis, esperá-las romanticamente no porto. À sua maneira, também estavam «fazendo a América». Aqui no Quebec, parece que historicamente as funções técnicas, altamente especializadas, foram sendo desenvolvidas principalmente por imigrantes vindos da alemanha, dos EEUU e da Grã-Bretanha; as que dizem respeito à educação ficaram a cargo dos que vieram da França, da Bélgica e do Egito. Para os haitianos, ficaram os serviços de taxi e, para os portugueses, como já disse, os «serviços gerais».
Quem passa distraído aqui pelo Boulevard Saint Laurent, -entre a Sherbrooke e a Saint Josef- apesar do francês e do inglês aportuguesado e das marcas de lusitanidade por todos os lados, não se dá conta de que está passando pela medula de uma cultura singular, por dentro da «alma» de um povo de navegadores e de católicos fervorosos, pouco dados ao luxo do intelecto -é verdade-, mas obsessivamente trabalhadores e eternamente obcecados por uma bacalhoada com batatas e com vinho.
Da vitrine de uma livraria, um gato imenso acompanha o movimento da rua, na mesma posição da esfinge egípcia. Mesinhas com toalhas quadriculadas, aromas de sopas, montanhas de pães, lojas de roupas usadas, agências de viagem, homens e mulheres que surgem de repente numa esquina e que desaparecem tão misteriosamente como apareceram, colocando em evidencia e em movimento o tão bem conhecido perfil português. As rugas sobre os olhinhos pequenos, lançados quase sempre para bem longe, contra o sol, como quem tem que adivinhar as distâncias, os perigos, os enigmas e a infinitude dos oceanos.
Quando falam entre eles é quase impossível identificá-los. Parece que estão falando romeno, grego, vietnamita, qualquer um dos muitos idiomas do mundo, menos o português. O que não conseguem camuflar nem em sí e nem na arquitetura é a «gestalt» de lusitanidade. Casinhas enfeitadas com gaiolas, flores, escadas, varais e na fachada sempre uma coroa do Espírito Santo, imagens de Santo Antonio ou de N.Sª de Fátima, Homens aparentemente melancólicos atrás das vidraças que nos olham com uma curiosidade infinita. Os portuguesismos nas fachadas dos bazares, dos cafés, das peixarias e no interior de um mercado, mulheres pequenas, entroncadas e com correntinhas de ouro no pescoço resmungam diante dos produtos indispensáveis: o peixe, a oliva, o pão, meia garrafa de vinho tinto, uma sacola de café moído na hora... Depois ficam na fila do caixa, extremamente disciplinadas e como se estivessem submetidas por alguma tristeza. "Das feições da alma que caracterizam o povo português -escrevia Fernando Pessoa- a mais irritante é, sem dúvida, o seu excesso de disciplina. Somos um povo disciplinado por excelência". A uma quadra dali, no Café Central, esquina da avenida Duluth com a rua Santa Dominique, o mesmo barulho e o mesmo burburinho dos cafés cariocas e dos cafés de Portugal. Um homem descompensado mentalmente ocupa solitário a mesa junto à janela, enquanto as outras duas ou três estão ocupadas por jogadores de baralho. No balcão, a postura clássica dos que bebem em pé, apoiados apenas numa das pernas, enquanto a outra descansa. Um dia ainda vamos descobrir que a genética é tudo e que a cultura não é nada. Nas paredes, duas cabeças de alces e fotos de times portugueses. A grande maioria ainda continua fascinada pelos três Fs: Fátima, Fado e Futebol, apesar de um deles, mais refinado, declarar que são três Ps que lhe dão nostalgia: Porto, Pastéis e Pessoa. Duas TVs ligadas numa estação portuguesa e no volume máximo, mostram a visita do Papa à cidade de Fátima. Apesar da decepção com a «última profecia», não deixam de fazer o sinal da cruz, quase num orgasmo coletivo, quando o Papa profere as primeira palavras. Enquanto me delicio por estar ali, anônimo, roubando fragmentos de suas intimidades, invoco novamente a F. Pessoa "Nunca o português tem uma ação sua, quebrando com o meio, virando as costas ao vizinho. Age sempre em grupos, sente sempre em grupo, pensa sempre em grupo. Está sempre à espera dos outros para tudo". Apesar das «cachaças» e do ambiente profano, o bar transpira catolicismo, fé e religiosidade por todos os poros. Nenhuma mulher entrou aqui nestes quarenta minutos. Só homens. Baixinhos, fortes, barrigudos, cabelos pretos, bigodes, desconfiados, brincalhões, fumantes inveterados e quase sempre vestidos de preto ou de marrom. Posso vê-las lá fora, na rua, com bolsas de mercado atravessando rápidas em frente a «boucherie» Soares & Filhos para irem esperar o ônibus 55.
Segundo o Guía Étnico de Montreal, alguns portugueses chegaram no Quebec quase junto com os primeiros colonizadores franceses e ingleses, entre eles, um tal de Pedro da Silva, que chegou em 1677, vindo de Lisboa e que foi o primeiro responsável pelos serviços de correios entre as cidades de Montreal e Quebec. Seus descendentes levam hoje os sobrenomes Dasylva, Dasilva e Da Silva.
Na rua Rachel, 60, está a paróquia e a igreja de Santa Cruz que a própria comunidade construiu. De tantos enfeites, bandeirolas, símbolos e escudos na fachada, faz lembrar algumas particularidades do Vale do Amanhecer. Dois carpinteiros aposentados trabalham na construção de galpões para a grande festa dos dias 20, 21 e 22. Apesar dos sessenta anos os cabelos ainda estão pretos e os braços musculosos. A ambos lhes falta dois dedos na mão direita. Ônus da carpintaria? Segundo eles, todo português que vive no exterior vive como um exilado. Apesar do elevado nível de vida que levam aqui, por eles, se pudessem, teriam permanecido em Lisboa, atrás dos morros ou nos cafundós da pátria. Fora do pequeno e super populoso Portugal, conservam quase que em segredo, quase como um delito, os pequenos sinais da identidade. Ouço comentários sutis sobre a frustração da 3ª revelação de Fátima, mas nem pensar em colocar a fé em discussão, pois foi -segundo eles- através e ao redor da igreja que conseguiram manter-se no unidos e vivos no «exílio». A festa em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres, uma tradição trazida para cá pelos açoreanos da ilha de São Miguel, que acontece todos os anos no quinto domingo depois da páscoa, tem todos os elementos do catolicismo medieval e proporciona imagens que só se acredita, vendo. Assim que o padre José Maria Cardoso aparece, as mulheres levantam as velas de mais de um metro, os homens pisoteiam os cigarros, tiram os chapéus e marcham literalmente atrás daquele acervo de ícones, cochichando, criticando e tentando adivinhar o roteiro da caminhada e a ordem dos atos litúrgicos. A procissão trouxe às ruas praticamente toda a comunidade lusitana, figuras que fascinariam a qualquer arqueólogo e a qualquer cineasta. Carros luxuosos, perucas, meias pretas, laquê no cabelo, perfumes, sedas, gravatas, paletós, chapéus, bengalas, colares, crucifixos, doentes em cadeira de rodas, três ou até quatro gerações abraçadas, tristes e até em lágrimas vendo as «fanfarras» passando e lá no alto do andor, um cristo aniquilado. Uma coroa de espinhos na cabeça, o sangue escorrendo por todo o corpo, uma ferida imensa aberta no peito por uma lança. Dois franceses que passam casualmente por ali, comentam: um Deus tão triste como eles. Por sobre os braços dos que transportam a imagem, uma faixa com as palavras sórdidas atribuídas a Pilatos: Ecce Homo. Um homem ainda jovem sobe as escadarias da igreja com dificuldade e é seguido por uma mulher que vai retirando pêlos de seu paletó. Um pouco mais abaixo, dois homens falam tête-à-tête enquanto um deles arruma delicadamente a gravata do outro. Acompanho a procissão que subiu pelo quarteirão de Montreal, ora ao lado dos «pelotões» de senhoras com figuras de N.Sª sob o braço, ora ao lado dos pelotões de senhores com capas vermelhas, ora ao lado dos pelotões de crianças travestidas de anjos, dos coroínhas em posição marcial, etc., com bandeiras do Canadá, de Portugal, do Quebec, etc., e vou recitando outro fragmento profano do mais conhecido poeta português: "Somos incapazes de revolta e de agitação. Quando fizemos uma «revolução» foi para implantar uma coisa igual ao que já estava. Manchamos uma revolução com a brandura com que tratamos os vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse; não nos resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficamos miserandamente os mesmos disciplinados que éramos. Foi um gesto infantil, de superfície e de fingimento..." A procissão segue, as janelas das casas e as calçadas estão cheias, sinto que vou me contaminando pela tristeza e pelo remordimento generalizado. Mesmo não descendendo geneticamente deles, tenho consciência que pontuo, entôo e falo a língua que eles impuseram inicialmente sobre os Tupi-guaranis e por fim sobre um território cem vezes maior que o pequeno e simpático Portugal. Rituais, gestos, manias, cacoetes, temores, crenças, costumes... um imaginário genuinamente português. Será possível viver regido por um imaginário genuinamente português?
Álbatroz, a Barateira, Café e bar Copacabana, Terra Nostra, Cocoricó, Cabral, Patatipatata, imobiliária Joaquim, Designer Alves, Epicerie Lusitania, Padaria Coimbra, Rosas de Portugal, Material de construção Azores, etc, etc. Cheiro de sardinhas boiando no azeite, bolos de noivas, de batizado e de núpcias na vitrine, galos nas portas, taxistas, consertos de bicicleta, padeiros, pratos típicos, gestos, disfarces, desconfianças, música brasileira. Frequentemente cruzo por mulheres encorpadas que falam autoritariamente a homens pequenos, quietos, submissos, com as mãos nos bolsos, brincando com as moedas. Um português declarou simpático para um jornal: Deus criou o homem e a mulher, os portugueses criaram a mulata. Não deve ter se dado conta de que estava fazendo menção às histórias de mancebia de seus ancestrais e nem de que a expressão «mulata» tem uma origem pejorativa já que lembra o hibridismo da mula.
Dei um jeito de caminhar pelos fundos das casas, quase todas silenciosas e vazias, com apenas os gatos e os cães atentos atrás das cercas e das vidraças. De quando em quando um homem regando as plantas ou sentado nas escadarias, meio corpo ao sol, meio corpo à sombra, imerso num clima quase esotérico, um misto de solidão, prazer, deleite e tristeza... como se o sol o obrigasse a recordar que ontem o inverno foi rigoroso e que amanhã o será novamente. Um casal de «proletários» se apalpa junto à parede. O homem parece um bloco de mármore e ela o beija assim mesmo, teatralmente, em frenesi, por sobre os bigodes manchados de nicotina, tudo sob o olhar atento e viperino de uma mulher gorducha que lava a calçada e que parece gozar com a idéia de que amanhã, de tudo aquilo terá restado apenas esquecimento.
O dono de uma peixaria aparece à porta com seu avental branco e os bigodes nietzschenianos. Pergunto-lhe se não vai à procissão. Ele debocha do fatalismo de seus conterrâneos e retruca que não, com a arrogância e a convicção típica dos ateus. Segundo ele, vários portugueses que hoje moram aqui, já moraram no Brasil. Não deu certo e vieram para cá. Falam sistematicamente no F. H. Cardoso, insistindo nas origens lusitanas desse nome. (Por coincidência, o padre da comunidade tem esse mesmo sobrenome). Imagens fantasmagóricas do Brasil. Às vezes, referindo-se à sociedade brasileira, parecem acreditar que o Brasil vive uma guerra civil como as que viveram Moçambique, Angola e a Guine na década de sessenta. Aliás, a eclosão das revoluções nessas colônias portuguesas na África foi, para muitos jovens que fugiam do serviço militar português, a razão da imigração para o Canadá. Depois do almoço, muitos velhinhos tomam o rumo do Parc du Portugal e ali ficam duas ou três horas ao sol, numa verdadeira sessão de psicodrama, perdidos e fascinados em discussões intermináveis que, lamentavelmente, não dá para entender. Além desta praça dedicada à comunidade portuguesa, parece que existe por aqui uma outra -que ainda não consegui localizar- que leva o nome de Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, um suposto herói da segunda guerra mundial.
Percorro as mesmas ruas do «quadrilátero português» mais de uma vez e nos horários mais diversos e os gatos estão sempre lá, vigilantes e zen. Casais cuidam de pequenos jardins onde florescem túlipas de todas as cores. Em algumas casas, minúsculas "vendas de garagem" onde se pode comprar livros, vasos, roupas, cabides, xícaras, brinquedos. Bicicletas amarradas às escadas e de uma janela o som de uma melancólica música portuguesa. Vasos com pequenas begônias, roupas secando no corrimão da varanda, uma caixa de correspondência cheia de cartões, jornais e recados. A porta de uma casinha de madeira se abre e aparecem duas mulheres e um homem que leva um cachorro branco acorrentado. Casacões pretos, um taxi, o «depanneur» Kuan, bem na esquina. Túlipas por todos os lados, umas abertas, outras como a papoula do ópio e uma cortina com desenhos de galos. Aqui na rua Laval, 3686, ainda dentro do quadrilátero lusitano, viveu o poeta maldito de Montreal: Émile Nélligan. Nas escadarias de sua casa, seis vasos com flores, cortinas de renda nas janelas, uma escultura do rosto do poeta incrustada na parede. Para muitos, Nélligam é o Rimbaud quebequence. Produziu sua obra dos 16 aos 19 anos e pirou. Morreu no hospital que fica no Boulevard Urbain, próximo a Associação Portuguesa de Montreal.
O restaurante Cocoricó, que serve um prato famoso com frango assado, batatas e salada, está sempre lotado. Duas senhoras portuguesas ao meu lado, comeram não apenas a asa do frango, mas todas as batatas e toda a salada sem usar os talheres. Numa pequena prateleira, de graça para os clientes, os dois jornais produzidos pela comunidade: Jornal do emigrante e A voz de Portugal. Na mesma rua, uma boate chamada Catedral e a livraria Andrógyna, especializada em textos, livros, músicas e apetrechos gays. Fico imaginando o espanto de uma velhinha açoreana no meio de todas estas «perdições». Uma cliente de quase meia tonelada, discute com a vendedora a identidade de Anais Nin. Filha de um Joaquim e de uma Rosa, seria cubana de pais portugueses?
A manhã de meu último dia aqui já está quase terminando. O sol bate forte nas vidraças do café Chez José, pertinho da rua Bullion, onde o primeiro imigrante português veio instalar-se. Duas mulheres de preto esperam um taxi enquanto trocam palpites sobres doenças, constipação e uma fadiga incurável. Pago o dólar e cinqüenta que devo, de meu café expresso, e tomo o rumo do hotel, na rua Saint Denis, ansioso para revelar meus filmes, arrumar a mochila e cair no mundo.
Ezio Flavio Bazzo