Estávamos casualmente na mesma fila. Nos olhamos, trememos dos pés à cabeça. Ela bem mais jovem do que eu, uns vinte e cinco, no máximo. Aquele tipo de menina que você sabe de antemão o que leva por debaixo das roupas. Ali mesmo beijei-lhe as costas nuas. Ela ficou imóvel, como uma estátua do Kamasutra hindu. O cartão de crédito preso delicadamente entre os dedos, finos, limpos, sem nenhum vestígio daqueles cremes pegajosos que as mulheres gostam de usar.
Saquei cinqüenta reais, ela sacou quatrocentos. Saímos em silêncio, lado a lado, até seu carro estacionado junto ao meio fio do Teatro. Entramos e ela beijou-me longamente a boca, os dentes, a língua, aponta dos dedos. Mandou-me colocar o cinto e rumou para a Esplanada dos Ministérios. Lembro-me bem que, quando passamos em frente à Catedral, eu já estava com a mão direita enfiada dentro de sua calcinha de seda, um pouco folgada... Os quatro apóstolos de mármore pareciam de vidro e levitavam no meio das nuvens... Ministério da Reforma Agrária... depois o MARE... depois o Ministério da Saúde.... Alguns turistas de boca aberta diante do Itamarati, ciclistas, um fotógrafo japonês buscando ângulos... O carro parecia não ter motor... Era um sábado, umas onze horas da manhã...
Entrou no estacionamento do Congresso Nacional e parou à sombra das palmeiras. Acompanhe-me, murmurou, quase sem voz. Dois gansos deslizavam maliciosamente sobre as águas, subimos a rampa, o guarda ficou com a identidade dela e nos embrenhamos por aqueles corredores impessoais, frios, desertos. Num determinado momento ela parou uns segundos para bolinar-me a baguete já meio molhada. Subimos umas escadas, dobramos à esquerda, depois à direita, mais adiante à esquerda novamente e eis que estávamos diante da porta do gabinete de um Senador da República. Quando li o seu nome, senti que ia broxar, mas assim que ela abriu a porta e nos refugiamos lá dentro, relaxei por completo. Cheiro de cigarro, uma térmica aberta, copos de cristal com restos de vinho branco. Ainda na ante-sala, lançou-se sobre mim como uma paixão que nunca havia visto antes. Colocou-se de joelhos para morder-me o pau por cima das calças. Depois, em pé, abriu os botões de sua blusa verde abacate e levou minha boca até seus seios... Não sei como, mas lembro que ouvi, exatamente nesse momento, um relógio badalar doze horas...
Nos arrastamos para a sala do lado, uma sala bem maior, com uma janela semi-aberta, uma cortina branca e, para minha surpresa, no centro da parede do fundo, uma foto imensa do tal senador, seu avô. Não tive dúvidas de que aquele rosto em preto e branco, e aquele olhar ao mesmo tempo servil, arrogante, cínico e coronelesco me intimidava. Sobre a mesa um corta-papel de puro ouro, uma Constituição com capa vermelha, o Código Civil e oito ou dez cartas, abertas, com frases sublinhadas em amarelo... O sofá de couro, apesar de cômodo, grudava exageradamente em nosso corpo suado e identifiquei nele, de imediato, o cheiro inconfundível de políticos e de correligionários de todas as naturezas... Ela estava praticamente desfalecida... Já como uma ave ferida, ia e vinha por todos os continentes de meu corpo mas como quem já não tem mais comando de si mesma... De minha parte, se ainda não tinha gozado, o devia, até certo ponto, àquele ambiente mórbido... e, basicamente, àquela foto... Do sofá para o piso, na vertical, na horizontal, de joelhos, de costas, 69, cadeira chinesa...
Depois, completamente fora de mim, tomei-a nos braços e a levei delicadamente até a mesa do Senador... Lembro que seu corpo branco, nu, suado e excitado contrastava inteiro com aquela mesa de mogno... Ela mordia minhas mãos e depois as levava para o meio de suas pernas. Abria com meus dedos a porta de seu tesouro para que eu sorvesse suas riquezas... Dizia frases perdidas, apaixonadas e desconexas... Ah, e foi naquele momento que descobri que as mãos não foram, em hipótese nenhuma, feitas para o trabalho... Pedia, implorava, suplicava minha língua... E quando eu a atendia pronta-mente, ela implorava a penetração... mas, com um pormenor: queria que eu o fizesse recitando uma poesia da portuguesa Florbela Espanca... Senti horror dessa idéia. Não que eu seja radical, mas a poesia da Espanca era, para mim, algo horrível, carola, incompatível com qualquer trepada...
O senador estava atento. Assistia incólume um eleitor anônimo enrabando sua neta, ali, justamente ali sobre suas pastas e agendas republicanas... O silêncio era absoluto, não fosse a fúria de nossos músculos que se chocavam. Estou em pé na beira da mesa... entro e saio de seu corpo como um meteoro que sabe o dia e a hora que chegará ao seu destino. Não era possível que alguém já tivesse sentido tanta felicidade....Ela geme, me faz elogios inesquecíveis, reclama uma poesia... Neguei-me rotundamente a recitar a poetisa lusitana... Pensei em Octavio Paz... em Borges... em Jalal Rumi... Mas e se ela tivesse preferência pela poesia de uma mulher? Cora Coralina?... Alma Mahler?
Sinto que vou gozar... Porra! Por quê toda ejaculação é precoce?Por quê o gozo não é lento como as filas do INSS? E isto será um MAL ou um BEM? Não importa. Só queria que este, pelo menos este, se prolongasse até o ano 2000. Em meio à loucura orgásmica, seis linhas ficam de prontidão em minha garganta. Começo a gritá-las, para ela, para mim, para o cataléptico, reacionário e corrupto Congresso Nacional:
O Amor? Ele usa duas falsas asas.
Suas flechas são garras.
A coroa encobre pequeninos cornos.
Ele é, também, sem dúvida alguma,
Como todos os deuses da Grécia,
Um demônio disfarçado.
Disritmia! Prolapso da válvula mitral... Esperei o tempo suficiente para recuperar-me, bebi os restos de vinho que havia nos copos, enquanto ela permanecia inerte, os olhos bem abertos, as pernas encolhidas sobre a mesa vazia. Tudo o que havia ali, quando chegamos, agora estava jogado e disperso pelo piso. A Constituição junto com meus sapatos, o Código Civil completamente desfigurado, as cartas, como se sobre elas tivesse sido derramado um tubo de cola... No meio dos oito ou nove livros impecavelmente arrumados no armário, curiosamente, identifiquei o Segundo Sexo, da Simone de Beauvoir. Procurei por quase meia hora o cortador de papel em puro ouro, enfiei-o no bolso, pisquei para o Senador e saí para a Esplanada dos Ministérios, sob o sol tórrido das 15 horas, cantarolando aquele slogan hipócrita do governo: "não dê esmolas, dê cidadania!"
Ezio Flavio Bazzo
Extraído do livro Lênin nos subterrâneos do CONIC