segunda-feira, 7 de abril de 2025

De manifestação em manifestação, a barriga dessa gente continua crescendo...


"Os romanos já diziam que o homem é o lobo dele mesmo; se a violência aumentou, é porque a jaula diminuiu..."

Julio Camargo 

(IN: A arte de sofismar)


Os dois momentos mais estupendos da manifestação bolsonarista de ontem, lá na Avenida Paulista, foi quando a Michele, a mulher, do ex presidente, se referiu a ele como: Meu galego de olhos azuis! E depois, quando o pastor-mor queixou-se do fato de um ministro do STF, referindo-se aos que depredaram os palácios (em 08-12-2023) ter usado a expressão: não se tratava apenas de velhinhas com bíblias em baixo do braço e  fazendo um pic-nic por Brasília...

Foi verdadeiramente inacreditável. E aquela ilíada de gente, vestida de amarelo, se espremia ao longo da avenida e dos edifícios, com aquelas caras de desesperança/esperança, choramingando e até vertendo lágrimas ao som daquele discursos e daquele lero-lero teocrático. A cada vinte palavras se convocava a Deus ou a outras entidades fictícias do Velho Testamento para que dessem, minimamente crédito aos discursantes. E havia bandeiras ao vento, tanto do Brasil, como dos Estados Unidos e até de Israel. O que Israel teria a ver com tudo aquilo? Fiquei imaginando o que poderia acontecer se aparecesse por lá, de repente, um drone com a bandeira da China, da Palestina ou do Irã... 

E o pessoal se movia sobre o caminhão como se estivessem num palco, iam e vinham de um lado a outro como se estivessem administrando um culto... enquanto aqueles que da cobertura do MASP gerenciavam as imagens e os drones, davam um zoom em alguém que estivesse em pranto ou em frenesi, lá no meio da turba. Não se tratava de sadismo, fazia parte da psicologia de massas dos pastores! Era o Estado Espetáculo! A política espetáculo! A espécie moribunda em esperneios espetaculares... E na mídia, nos botecos, nas varandas, nos cafés, militantes dos dois bandos predominantes, se ameaçavam, iam mentindo, esgrimindo se ridicularizando... disputando o rebanho. Quem é, afinal, que, em 2026, conquistará o direito de seguir tosquiando o rebanho nos próximos anos?

E em algum lugar, havia até um didjei. Que, quando as falas traziam trechos bíblicos mais épicos, anedóticos e bizarros, os apoiavam com alguma toada de piano ou até de viola... O responsável por animar a manifestação, acreditem, que levava na cabeça um boné da ROTA... anunciava aos gritos o próximo discursante... Era, verdadeiramente, um show! De vez em quando, um ou outro aventureiro da outra turma, se arriscava a colocar timidamente para fora da janela de um prédio a bandeira do partido oposto... Mas era só... Até um padre e um representante das religiões africanas subiram ao palco... Foi anunciada também a presença de um rabino mas ele, sabe-se lá porquê, não conseguiu subir a tempo...

Tudo parecia verdadeiramente inacreditável! Mas divertido. Um, como dizem, Stand-up Comedy. Afinal, era domingo... Um domingo à tarde na Avenida Paulista. Na nossa Walt Street, com seus bancos, agências e os negócios fechados... Um teatro. Ah! O teatro! Dizem que a quase 200 em São Paulo. Um a mais, qual é o problema? Afinal, o teatro, como afirmava Barrault, foi o primeiro soro inventado pelo homem para proteger-se da angústia... Pena o Zé Celso já ter morrido... E o Plinio Marcos não estar mais por lá... Muitos dramaturgos enlutados nas janelas do Sesc, do Bradesco, do Itaú... eles que financiam praticamente toda a roda-viva da democracia e toda a dramaturgia nacional...

O sol ameaçava aparecer e todos esses representantes do além, do alto do Trio Elétrico, clamavam por anistia! Anistia para quem? Para a turma que ainda está presa por, talvez, em nome de toda a população ressentida e desiludida, ter invadido e depredado os aposentos da sacra república e do sacro Estado. Como teriam tido acesso ao imaginário e ao desejo popular? Fiquei imaginando como seria se, aproveitando a oportunidade, clamassem a deus pela anistia também, de pelo menos a metade dos 700 mil presos que apodrecem nas penitenciárias uns, por terem sido pegos roubando uma costela de porco ou um pastel no Mercado Municipal, ou uma lata de Leite Ninho, no Carrefour. Outros, por terem sido surpreendidos queimando um baseado nos fundos das sacristias ou no banheiro das escolas... ou nos hoteizinhos vagabundos do Grajaú, ou em outros miches periféricos enfiados no meio das pernas de suas concubinas... Como seria fantástico ouvir aqueles supostos evangelistas gritando: 

-Abaixo todas as prisões! 

-Já que nosso reino É DESTE mundo, abaixo todas as cadeias! Todos os calabouços! Observem: cadeia é também um ato de fé, uma fé vingativa, brutal e sem sentido!

No outro lado da calçada, das paredes e dos bastidores, sob as luzes da ribalta, os atores representantes da outra confraria e da outra turma também se espremiam com um nó na garganta, enquanto iam construindo argumentos para 'salvar-se' e para, nos próximos dias, colocar em cartaz também a sua comédia... Afinal, o Theatro Municipal e também o Teatro Oficina estavam logo ali... E a arte, juram de joelhos, é democrática!!!

Sim, eu sei, é tudo ainda muito provisório e infantil e, como diriam os filósofos: 'não existe construção possível a não ser na base do desespero individual e na base de sua superação e os esforços empreendidos para mascarar esse desespero e manipulá-lo sob outra embalagem bastam para o provar...'




2 comentários:

  1. https://www.youtube.com/watch?v=dlb-Zr6wt00

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  2. Maria Helena Gryphon Edições8 de abril de 2025 às 23:02


    RESENHA
    Bazzo, Ezio Flavio. A respeito do Al-kayyat: uma poética dos trapos. Brasília: Forbize e Digitale, 2025. 192p.

    Num movimento de nudez sem volta, Ezio Flavio Bazzo cria uma fascinante narrativa vestindo os trajes de alfaiate, esta profissão quase em extinção e tão antiga quanto a humanidade, para nos dizer, como Gide, que até os pensamentos já nascem vestidos dos pés à cabeça.

    Colocando-se na pele desse artista da confecção, o al-kayyat, Bazzo fala consigo mesmo e acaba escrevendo um livro essencialmente anarquista, dando vasão a seu olhar mordaz e mortífero acerca do civilizado mundo de fantasias e máscaras existenciais.

    Anarquismo é uma espécie de ideologia política que se opõe a todo tipo de hierarquia e dominação, seja ela política, econômica, social ou cultural, como o Estado, o capitalismo, as instituições religiosas, o racismo e o patriarcado.

    Seria uma poética dos trapos? É uma poética reversa daquilo que ocultamos do mundo e de nós mesmos quando simplesmente vestimos algo para encobrir, disfarçar, demonstrar, acrescentar, atrair, trair o que verdadeiramente somos.

    Isso fica evidente quando o autor nos diz: “ a roupa é outra categoria de pele, derme, epiderme, roupiderme...” No entanto, Bazzo não deixa de viajar pelo mundo fashion de Chanel, Vuitton, Gucci, Dior entre outros, quando não para desqualificá-los completamente, para poder acrescentar com ironia que “ toda nudez será castigada”.

    É um livro para poucos pela quantidade e o nível das informações que se estende às notas de rodapé. Para avaliá-lo mais profundamente seriam necessárias várias releituras.

    Desta forma, seu Al-kayyat vai destruindo o que foi edificado pelo mundo dito civilizado, desde que Adão e Eva usaram a folha de parreira para esconder sua nudez. Deve ser por isso que pergunta-se: “ –Como estar vestido e não sentir-se cúmplice de toda essa bandidagem?”

    E cuidado, caro leitor, segundo Bazzo “ hoje até satã usa Pravda”, fazendo um trocadilho com o título do filme – O diabo veste Prada.

    Maria Helena Sleutjes
    Gryphon Edições

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