sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Os mal entendidos e seus poderes destrutivos...

"O Sol estava extinto, e as estrelas
Vagavam escuras, pelo espaço eterno,
sem destino, e a gelada Terra
flutuava cega e entrevada, no ar sem Lua..."
Lord Byron, 
(citado por Marcelo Gleiser, in: O fim da terra e do céu, página 230)


1. Hoje, finalmente, aconteceu a sessão no STF que resolveu o impasse sobre a legalidade de prender em segunda instância ou apenas depois do transito em julgado.  6 a 5. 
Quando o resultado foi anunciado ouvi gritos na janela do prédio vizinho. Pensei: esse têm um parente enjaulado! Mas não, foi pura coincidência, não tinha nada a ver com a Justiça, os gritos eram para homenagear um gol do flamengo! Que miséria!
O papo foi longo. O que poderia ter sido resolvido em 15 minutos levou quase seis horas. Admiro a capacidade daqueles senhores de dar voltas e mais voltas sobre a linguagem, sobre artigos, incisos, e datas, sobre os Acórdaos que foram dados ainda pelos juízes que vieram embarcados com Dom João VI e pelos subterrâneos da tal jurisprudência...  Admiro a leveza com que ziguezagueiam sobre a fronteira imaginária entre o 'normal' e o 'patológico'... Excelência pra cá e excelência pra lá. Elogios mútuos! E a capa de Halloween  sempre ameaçando cair. Memórias.., um certo fascínio pela profissão. Convenhamos: poder decretar o encarceramento ou a soltura de alguém, não é pouca coisa. E é necessário ter 'estômago' (para não dizer bagos) e um perfil específico para sujeitar-se a tanto... Principalmente para quem conhece o tipo de cadeias para onde os presos são trancafiados. Esse lugar cretino e abominável onde uma sociedade perdida e desvairada procura camuflar e asilar a parte dela mesma que flagra manifestando-se no Outro...
 Mas o momento mais transcendente e apoteótico de todo aquele espetáculo estéril foi quando o presidente da casa, ao dar seu voto, sem mudar a tonalidade de voz, comunicou a quem o estava ouvindo que nas nossas penitenciárias, dos 700 mil presos, 354.000 estão presos há anos sem nenhum tipo de julgamento. Como acreditar nisso? Como ficar indiferente a isso? Parafraseando a Adorno que se perguntava: como era possível, depois de Auschwitz, seguir escrevendo poesia, o Mendigo K. vagueava por aí, nesta manhã de sexta-feira, se indagando: como é possível seguir beliscando lagostim ao forno e bebericando champanhe depois de uma notícia destas? 
Qual teria sido a intenção do Ministro? Estaria querendo dividir a responsabilidade por aquela infâmia com todo mundo? Ou seria a senha para que os presos, condenados ou não, incendiassem os pavilhões, derrubassem as muralhas e fossem, nesta mesma noite, ajustar contas com o judiciário de seus estados?

2.  Independente das cadeias, do judiciário e do Estado, o que de mais doentio e grave esta acontecendo no país é a guerra entre partidos, bandos, turmas, grupos, rebanhos. Sujeitos que estão se destruindo mutuamente por crenças fúteis e sem fundamento. E, o mais estranho e melancólico, é que no fundo, os protagonistas dos dois bandos sofrem do mesmo mal e têm as mesmas idiossincrasias, pensam e acreditam nas mesmas coisas. Há apenas um mal-entendido em tudo (dificuldades com a linguagem e com a escrita). Em síntese: a angústia de fundo é exatamente a mesma. Mal-entendidos que os vícios da política e a ignorância nacional não permitem que sejam esclarecidos a tempo. Evidentemente a antítese, a oposição e o contrário não são nenhum problema. O que é grave é que esse desvario destrutivo se dá numa espécie de luta religiosa entre fanáticos heréticos, que se flecham do anonimato e praticamente sem nenhum argumento teórico sólido e sóbrio. 
O problema é que se isso perdurar por muito tempo, logo seremos  catalogados como uma sociedade mutilada e de loucos... e mais, teremos regredido a um estágio psicopatológico de fazer dó, pobre, reacionário, sem sentido e sem razão.




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