segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Acredite: no pasa nada...






"Não pretendo afirmar que existe uma necessidade de enlouquecer, mas que a loucura é a expressão radical de uma necessidade de mudança..."
David Cooper

 
Se você é um daqueles turistas idiotas que só viaja em grupos, com tudo agendado, com guias e etc, até pode vir para Vancouver. Agora, se você viaja sozinho, se quer descobrir a cidade por conta própria, se tem interesse antropológico pelo mundo e se quer reger você mesmo teu destino, não perca tempo nem dinheiro vindo para cá. A cidade não tem "clima". Não tem sentido. Não tem identidade... Não tem aquelas livrarias e nem aqueles cafés de Paris e de Roma. E como fazem falta aquelas ciganas da Romênia de cócoras nas esquinas prontas para contar-te uma mentira qualquer sobre o passado e sobre o futuro! Aliás, o que é uma cidade sem ciganos? Não tem um lugar onde você possa sentir-se em contacto. E depois, nas ruas há milhares (e são milhares mesmo) de sem teto, de mendigos, de clochards e de ex-pacientes psiquiátricos, de drogados e etc. que mesmo não apresentando perigo nenhum, enchem o saco e contaminam todo mundo com sua depressão miserável. Por onde você anda vai encontrar vários deles acampados nas calçadas, na porta das lanchonetes, enrolados em cobertores no meio de vómitos, cagados ao lado de marmitas, de comida mastigadas, como cachorros. Muitos, acredito, entusiastas de Pink Floyd lá pelos anos 80... E gritam de forma inesperada, gritos que só entende quem já trabalhou com doentes mentais. Um grito mais para dentro do que para fora e direcionado mais para seus fantasmas do que para o mundo. Nas bibliotecas estão dormindo sobre as mesas. Nos ónibus, idem. Nos cafés, no metro. Onde conseguem entrar deitam e dormem na maior miserabidade de todas, e são a prova cabal de que o capitalismo, o socialismo, o anarquismo, o monarquismo, as religiões, os filantropismos, os projetos das madres terezas e de outras beatas delirantes foram um fracasso e não serviram para nada... Tentando entender a genese dessa desgraceira toda, soube que andaram fechando algumas clinicas, hospitais psiquiátricos e etc por aqui e que, seguindo os conselhos do Basaglia, colocaram toda essa gente na rua... Que fazer?
O problema é que estou aposentado e não quero mais abrir meus alfarrábios de psicopatologia. E que nem tenho dinheiro para ficar jogando fora! Cada vez que passo em frente a uma estação do metro consulto o horário do próximo trem para o aeroporto...
Mas não acredite muito na minha descrição, ela tem um viés falso e literário. 
Principalmente porque se você pensa em vir para cá e hospedar-se ali no Hotel Four Seasons você, naturalmente, não vai comer o Hot Dog do Japa lá na esquina e nem as 50gramas de bacon nos sandwiches do Tim Hortons e portanto, nem tomará conhecimento de nada disso que estou lhe falando...
Agora, se você teve, pelo menos, duas ou três aulas de antropologia, de psicologia, de psicanálise, de etnologia e até mesmo de filosofia, tem obrigação moral de subir a pé pela Hastings St., até umas cinco ou seis quadras depois da altura do Chinatown, lá pelas 11:00 da manhã e ficar cara a cara com toda aquela gente irremediavelmente perdida... 
Mesmo sabendo que alguns deles, no meio de seus delirios se atrevam a passar uma navalha na alça de tua bolsa, acredite: NO PASA NADA!

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Observação: Agora mesmo, ao descer pela Granville St, um desses senhores brandia um cartaz com a seguinte e surrealista inscrição: Smile if you masturbation... (Na verdade, nem consegui traduzir!)

domingo, 29 de setembro de 2019

sábado, 28 de setembro de 2019

Vancouver a pé...

"Aqueles que nunca navegaram não sabem o que é que se sente quando, do convés do navio, já não se ve mais do que a face austera do abismo..." Chateaubriand