quarta-feira, 31 de julho de 2019

Os degolados de Altamira, Saramago e o Mendigo K...


Nesta quarta-feira deparei-me com o Mendigo K em frente a uma das famosas Escolas Parque, idealizadas pelos porra-loucas que construíram Brasília. As crianças gritavam lá no interior dos muros e junto às grades cercadas por  quatro ou cinco "tias" que faziam de tudo para demonstrar alguma intimidade com os velhos pedagogos, de preferência com os de Summerhill. Quando a sirene tocou e todos correram para colocar-se em fila como cachorrinhos adestrados ele, fazendo um gancho com a porra
louquice nacional, resmungou: Bazzo, você consegue ver nisso aí alguma diferença dos presídios?
Ficamos ali observando aqueles pequenos alunos enquanto ele me falava: Lembra do escritor português que escreveu o Cerco de Lisboa? Como sabe que eu não engulo a literatura de Saramago, nem pronunciou seu nome. Retirou do bolso da camisa um recorte de jornal da penitenciária do Pará com dois ou três homens degolados e um papelote de mercado de uns dez centímetros quadrados onde estavam escritas a lápis algumas linhas e me disse:
Veja o que está escrito lá na página 355 no livro do tal Saramago. "Parvo é aquele que entra na jaula do leão para lutar com ele, em vez de cortar-lhe o sustento e sentar-se ao vê-lo morrer..."
Tentei entender o que as mortes de Altamira tinham a ver com o pensamento de Saramago... Não vi nexo nenhum. Ele riu e falou-me em voz mais baixa: Bazzo, somos uma cultura que transita há séculos do sadismo para o masoquismo... e a cadeia altera o DNA de qualquer UM...

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Los bufones...

[... El parásito, sin preocuparse de las cuestiones filosóficas con las que nada tiene que ver, ni del gobierno del mundo que le importa poco, creyendo que todo va bien y no pudiera ir mejor, come, bebe y se regocija gozando en paz las delicias de la vida, sin ser siquiera atormentado por los malos sueños, pues como no tiene ninguna inquietud de dia, no puede tenerla de noche...]
Luciano 
IN: Parásito - Los bufones, p. 16

"Fundei minha causa sobre o nada"

 "Ich hab' mein Sach' auf nichts gestellt"
Goethe

Nesta manhã de segunda-feira o Mendigo K estava consertando a roda de sua carroça numa oficina que fica ali nas ruelas entulhadas de esqueletos e de carros velhos e que à noite, quando o sol vai embora, ficam cheias de travestis e de meninas vindas do interior do país, famintas, famélicas, desempregadas, quase analfabetas, com transtornos graves de personalidade, que ainda usam talco nas axilas e nas virilhas e que negociam suas mucosas por quase nada, não se importando se o cliente é um magnata, um chupatintas, um louco-varrido ou um pé de chinelo qualquer.
Fiquei impressionado ao ver que na traseira de sua carroça estava escrita com calcário branco esta frase em alemão. Ich hab 'mein Sach' auf nichts gestellt. Perguntei-lhe: que merda é essa?
Colocou um pé sobre o estribo de sua carroça, assumiu ironicamente a postura de um professor arrotador e me explicou: esta é a frase que esta lá na primeira linha de um poema de Goethe e pode ser traduzida por: fundei minha causa sobre o nada. 
Sua carroça ficou pronta e antes de pagar e retirar-se falou ao mecânico: Faz uma semana que roubaram todo aquele ouro lá no aeroporto de São Paulo. Já prenderam dois ou três dos ladrões, mas até agora, nem a policia, nem a mídia, nem ninguém disse uma palavra sobre A ORIGEM daquele vil metal e de quem era seu dono. Não lhe parece transcendente essa manobra?
  

domingo, 28 de julho de 2019

Enquanto isso, numa das alas do hospício...Uma aula de sobrevivência...

A filha do mendigo K e Alfred Nobel...

[...Si los antiguos no han producido más que una cosmologia, los modernos no han pasado jamás de la teologia...]
Max Stirner
(IN: El unico y su propiedad, p. 42)

Foi uma surpresa descobrir neste domingo que o Mendigo K tem uma filha de uns 23 anos que estuda química e que esta prestes a receber seu diploma de licenciatura. A moça, nascida praticamente na rua e passado por todos os departamentos do inferno social conservou-se intacta. Com o saber adquirido nas ruas e com as baboseiras que tem ouvido na universidade transformou-se numa moça interessante, mala e simpática, com dois olhos parecidos aos de Hórus... Levava um livro de M. Stirner sob o braço e seu pai fez questão de me apresentá-la e até de chamá-la de doutora...
Cumprimentou-me formalmente sem submissão e sem dizer-me seu nome. Meio artificial e hipocritamente elogiei a escolha de sua carreira. Ela riu e justificou-se: fui influenciada por Alfred Nobel. Alfred Nobel? Por que Alfred Nobel?
Ela riu novamente, olhou para seu pai buscando cumplicidade e murmurou: o químico inventor da dinamite...
Meio incomodado com aquela relação procurei levar o assunto  para a política. Ela não recuou e foi fulminante em sua réplica: como uma jovem química nascida e crescida na rua estou curiosa para ver que reação vai dar a mistura da merda  esquerdista com a merda direitista... Deu uma gargalhada e prosseguiu.
Estarei atenta para ver o que vai sair do cruzamento entre as milícias e as hienas da direita e as milícias e as hienas da esquerda... Deu outra gargalhada, um beijo no velho mendigo e desapareceu...

sábado, 27 de julho de 2019

A aberração do tal "Sigilo da fonte"...

"...La vérité que ne détruit pas la créature n'est pas une vérité..."
Maitre Eckhart


Nesta manhã fria e ensolarada de julho vi de longe o Mendigo K que marchava pela beirada de uma das imensas avenidas da cidade levando um cartaz de mais ou menos um metro quadrado suspenso sobre a cabeça e sustentado por uma vara de bambu. 
Muita gente, inclusive da mídia, posicionava-se dos dois lados da via para fotografá-lo e para conseguir ler a frase em vermelho que estava impressa nele. 
Sem ser visto atravessei o estacionamento e pude, com uma certa vergonha e com um indisfarçável abalo intelectual, ler a provocação filosófica e até psicanalítica que estava contida naquele cartaz. Perguntava: 

EXISTIRÁ ABERRAÇÃO MAIS CANALHA E MAIS REVELADORA DO MAU CARÁTER E DO SUBTERFÚGIO COVARDE DE UMA SOCIEDADE DO QUE O TAL DIREITO DE SIGILO DA FONTE???

quarta-feira, 24 de julho de 2019

O Mendigo K., os ladrões de intimidades presos e Pedro Nava...

"Estamos efetivamente nos destruindo por meio da violência mascarada de amor..."
R.D.Laing
(IN: A política da experiência e a ave do paraíso, p.45)

Acabo de encontrar o Mendigo K. nos arredores do aeroporto. Como esta se especializando em espionagem cibernética, me disse  que pretendia ver por lá a cara dos três ou quatro sujeitos que foram enjaulados pela polícia, acusados de bisbilhotar a intimidade de diversas pessoas país a fora. 
Independente de terem cometido crime, ou não, - foi me explicando - é importante que se considere o fato de que bisbilhotar a intimidade dos outros, mesmo quando os outros estejam apenas mergulhados em atividades burocráticas, é sempre um ato de  perversão sexual. Independente da intenção aparente e até manifesta, há sempre uma intencionalidade e um gozo perverso, ligado à sexualidade. Algo mais ou menos como a cleptomania. Lembra da cleptomania? Enquanto caminhávamos  pelo estacionamento do aeroporto ele, com um livro de Pedro Nava nas mãos deu uma guinada em sua fala.
E por falar em cleptomania, estive pensando - foi dizendo - que para entender não apenas aberrações como estas, mas todas as que estão diariamente em pauta e, inclusive, os 200 anos de condenação do ex governador do RJ, é importante ler este livro de memórias de Pedro Nava, sobre aquela cidade. Século passado. Fez um silêncio enquanto um avião decolava e concluiu solenemente: A matriz perversa desses genes pode estar lá. Veja este trecho. Foi lendo em voz alta:
[... Essa zona alegre continuava um tanto diluída, por Mem de Sá e Riachuelo, escondia-se um pouco e reaparecia apoteótica  nos quarteirões prodigiosos do Mangue - que puseram Blaise Cendrars bestificado e dizendo que não vira ainda nada igual nos bairros prostibulares das partes do mundo que conhecera...]. 
Eu e meus colegas da Assistência Pública (Nava era Médico) veteranos do seu Serviço Externo somos, com as donas de bordel, os souteneurs, os cafetões, os malandros, os gigis, os carachués e as próprias putas, os grandes conhecedores desse ambiente. Lavagens de estômago de envenenadas com fenol, permagnato, oxicianureto, sublimado, creolina - praticamo-las nos randevus de luxo e valhacoutos mais canalhas; caras trabalhadas a navalha, lombadas abertas em belas incisões esguichando sangue, contusões de porrete, ferimentos penetrantes, tripas ao léu, comas alcoólicos, êxtases de éter sulfúrico, estupores de cocaína - transportamos às centenas para entregar ao Serviço Interno do nosso antigo e desaparecido H.P.S. E éramos bem-tratados, respeitados, em ambientes que nunca teríamos a ousadia de entrar sem as imunidades do avental branco e da malinha de madeira do socorro-urgente. (...)  O quarteirão seguinte, até Conde Laje, era cheio de sobrados  de que nenhum mais alto que a Escola Deodoro. Suas calçadas eram sede, até uma ou duas da manhã, dum trottoir de mulheres de gabarito bem acima das atuais. O de hoje ganhou em variedade. Em vez de existir só o de mulheres pegando homens há mais os de 'garotos de programa'catando fanhosos, os de compadres que fazem prostituição masculina para velhotas que pagam bem e finalmente o das fressureiras se adivinhando e abordando... (...) Há uma velha rebocada que chama pela fresta das portadas postas de meia jota. Dizem que essa relíquia de uma prostituição superada faz a vida ali há mais de quarenta anos, que é de tudo e pelo jeito ainda tem freguesia. Conheço-a de vista de meus passeios a pé e quando ela da janela me rejuvenesce com seu discreto sinal de cabeça (entra simpático) nunca deixo de cumprimentá-la grave e profundamente como a uma grande dama...
Sempre penso nesse mundo iluminado, poético, trágico, sinistro e orgástico quando nos meus passeios pela Glória entro na Rua Conde de Laje despida das galas de seus antigos festivais e vazia de suas multidões de machos em cio. Quem poderia me dizer que eu contemplaria as ruínas e o paredão se desagregando... ]
Pedro Nava
IN: Galo-das trevas, pp. 13, 18, 20.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Bestialismo (No Correio Brasiliense, de hoje)





Policiais militares atenderam a um chamado de zoofilia na tarde desta quinta-feira (18/7), na área rural do Lago Oeste, na DF-170, próximo a Sobradinho. Segundo a denúncia, um homem de aproximadamente 35 anos teria cometido o ato com uma cadela vira-lata. O enteado do acusado viu a cena e ligou para o 190. Quando os militares chegaram, o suspeito fugiu.
Um dos policiais do Batalhão Ambiental que atendeu a ocorrência, subtenente Jasse Ferreira, contou que a área onde o crime aconteceu é conhecida como acampamento. As casas são de alvenaria.

Quando o enteado do abusador saiu, viu o padastro cometendo o ato com a cadela. "Trata-se de um animal de porte médio, cujo dono é o acusador", explicou o militar.
Diante da denúncia, o policial encaminhou o dono do animal e a cadela para registro de ocorrência na 13ª Delegacia de Polícia (Sobradinho). "Vamos aguardar o registro dos fatos, saber se haverá perícia, mas, de forma geral, o animal costuma ficar com o dono", frisou.


"... Escolhia a ovelha que lhe parecia mais bonita, virava-a de barriga para cima para sentir no ventre a turgidez das mamas e, baixando a calça a meia coxa, gozava dela apressadamente enquanto o rebanho, em pleno sol, esperava que o pastor abrisse a porteira..." Gavino Leda
(IN: Ecce Bestia)


quarta-feira, 17 de julho de 2019

E... pela janela dos fundos...

Enquanto o velho pamonheiro ia gritando lá embaixo.., tentando convencer as donas de casa de que sua pamonha seria capaz de salvar o mundo...




















O mendigo K , sua mulher e um poema das mulheres do Talibã...

Acabo de cruzar com o mendigo K. e sua nova companheira.
Estavam nos fundos de um mercado chamado Velha Adega. Ele com uma garrafa de absinto, já pela metade, e ela com uma lata de biscoitos produzidos em Zurick. Ele havia deixado crescer desordenadamente a barba o que lhe dava um aspecto de militante do Estado Islâmico. E ela, mais ou menos deprimida, levava um lenço amarrado à cabeça e fazia de tudo para ocultar qualquer vestígio de delicadeza.   Quando lhes disse que pareciam dois guerrilheiros do deserto ela  me contestou dizendo que num poema das mulheres talibã havia uma parte onde elas imploravam para que, numa eventual reencarnação, ao invés de mulheres, preferiam vir ao mundo como pedras.
Ele deu mais um trago em seu absinto, olhou-a com uma certa compaixão, tomou-a pelo braço e seguiram em direção à Feira do Paraguay.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Uma semana pródiga e esbanjadora de loucuras...


[... Quando estiver na cama e ouvir o latido dos cães no campo, esconde-te sob as cobertas e não zombe daquilo que eles fazem, pois eles, como você, como eu e como todos os seres de cara pálida e alongada, têm uma sede insaciável de infinito...]
Isidore Ducasse

 
Esta semana, além dos desvarios políticos e das idiotices da república, foi pródiga em loucuras sociais, antropológicas, sexuais e metafísicas.
Aqui em Brasília, por exemplo, foi denunciado um CATEQUISTA que, no auge de sua religiosidade e entre os protocolos e as traquinagens de seu catecismo tinha relações infanto-afetivas com seus discípulos. Segundo as próprias crianças e suas abobalhadas mães, foram mais de duas dezenas. A policia esta caçando o nobre, afetivo e filantropo educador...

Lá no interior do Ceará, um médico ginecologista, rigoroso discípulo de Hipócrates e prefeito da cidade, foi expulso do partido e da prefeitura acusado de abusar sexualmente de dezenas de mulheres. Segundo as filmagens que ele próprio fazia, além do abuso sexual clássico, mamava em suas pacientes (mamava nas tetas) e as fazia acreditar que aquela era uma nova técnica da especialidade...

No interior de São Paulo, enquanto o Padre Marcelo fazia um de seus discursos medievais e voltados para as trevas, dizendo a uma legião bizarra de espectadores, entre outras bobagens, que suas mãos pecadoras não eram mais suas, mas de Cristo etc, uma balzaquiana empoderada subiu ao palco e o empurrou violentamente para baixo. E, o mais transcendente: ele levantou todo sorridente, sacudiu a poeira, deu uma esticada na batina, fez um malabarismo teológico olhando amorosamente para seus beatos e considerou um milagre não ter se quebrado os cornos...

Realmente... a vida e o mundo não são coisas para amadores...
E la nave vá... para el abismo...




domingo, 14 de julho de 2019

Paulo Freire? Montessori? ou Banksy?

"Lo que hace del hombre el rey de la creación es que sabe echar a perder su tiempo y su juventud en todos los climas y estaciones posibles..."
Louis Huart, 
(IN: fisiologia del flâneur)




sexta-feira, 12 de julho de 2019

"Um diplomata só já é risível...diplomata e poeta isto já é demais..." (anônimo)



Realmente, todo mundo esta de acordo: não tem muito sentido o presidente da republica querer colocar seu filho como embaixador do Brasil nos EEUU. 
E não digo isso por moralismo, nem pela balela do nepotismo, mas por que ele, segundo o que sei, não escreve. Não é poeta.
E o que vai ficar fazendo numa representação diplomática quem não sabe fazer poeminhas? E quem não escreve? 
Como é que vai aguentar o confinamento numa embaixada ou num consulado durante um ou dois anos, tomando cafezinho, levando a companheira aos shoppings, aos desfiles de moda, nas soirées e nas tertúlias promovidas pelas castas delicadas e pelos confrades... e, de vez em quando, muito de vez em quando, indo visitar um ou outro brasileiro que quebrou uma perna no metrô ou que foi preso por engano? 
Ou você conhece algum diplomata que não se salvou da depressão e do aburrimento escrevendo poemas?
Pensem em Pablo Neruda. Pensem em Octavio Paz. pensem em Vinicius de Morais. Pensem em Francisco Alvim, no João Cabral de Melo Neto e até mesmo no famoso Guimarães Rosa com seu também famoso Grande Sertão Veredas. 
Parte dos Sertões, com aquela linguagem confusa, quase apoplética, pró-caipira e incompreensível, provavelmente foi escrita lá pelas veredas e corredores aromatizados das embaixadas, com duas ou três secretarias nativas conferindo os extratos bancários, a variação do dólar e indo e vindo servindo brioches e chazinhos afrodisíacos para o chefe e seus lacaios...
Lembro que interrompi definitivamente a leitura da tal obra depois destas três linhas lá da página 437: "A bem é que falo, Riobaldo, não se agaste mais... E o que está demudando, em você, é o cômpito da alma - não é razão de autoridade de chefias..."
Que tal? Entenderam alguma coisa? 
Será por isso que dizem que no perfil de um bom diplomata deve estar sempre contida a capacidade de falar sem dizer nada?

E vejam este outro trechinho, agora do embaixador Neruda:

"e faminto venho e vou farejando o crepúsculo
à tua procura, procurando o teu coração ardente
como um puma na solidão de Quitratue".

Mais esoterismo só na obra de Madame Blawatsky.

E o embaixador Octavio Paz:
Nada soy yo,
cuerpo que flota, luz, oleaje;
todo es del viento
y el viento es aire
siempre de viaje…

O que faz um embaixador afinal?
Resposta: Escreve poesia! Se torna um poeta!
Mas e os grandes negócios?
Resposta: Não existem!
E quando existem, se concretizam no fundo das fábricas entre os envolvidos, quase sempre semi-alfabetizados. A diplomacia é contrária a tudo o que é comércio. Ela só entende mesmo é de vaselina.

Um diplomata só já é risível;
poeta e diplomata, isso é demais!

Fica bem nas fronteiras do incrível:
Vinícius e Cabral não quero mais!

Foi você que pediu Octavio Paz?
Não sei o que ele fez nem o que faz.

Poetas são patetas com plumas
e diplomatas são coisas nenhumas.

Claudel que vá rezar avé marias
e o Perse consertar as avarias

que fez à Resistência no exílio.
Não pensem que esquecemos o Abílio

Guerra Junqueiro, toda uma ameaça:
o Rei a cair morto numa praça!

Poetas diplomatas, vão pastar!
Poetas presidentes?! Nem pensar...

E não julguem que sou qualquer reaça!
Eu sou da nobre estirpe de um talassa...


 (anônimo)


A metafísica do pó...

"No hay árbol bódhico
Ni espejo bruñido.
Puesto que todo está vacío,
Dónde puede caer el polvo?"
D,T.Suzuki
(IN: La doctrina Zen del inconsciente p. 23)

As toneladas de pó (cocaína) que foram apreendidas nas últimas semanas indo de um porto a outro pelo mundo a fora até serem aspiradas por ricos ociosos ou por pobres escravizados, ou por uma classe média frívola e delirante deixa cada vez mais claro que além de um problema social, o mundo e a Espécie continuam mergulhados num problema existencial crônico e na consciência daquilo que já denunciou o ranzinza Fernando Pessoa: a vida não basta! 
E digo continuam, para fazer um contraponto aos que pensam que  as drogas (a cocaína, a heroína, o cauim, o absinto, o vinho, a maconha, o ópio, a cerveja, as religiões, o crack, a ayahuasca a cachaça e etc), são um problema recente, da atualidade, da modernidade e até, para usar uma expressão fútil e intelectualóide: da pós-modernidade. 
Não! 
Desde que foi "expulso do paraíso"o homem passou a buscar formas de embriagar-se e de alucinar-se basicamente para fugir da realidade, do tédio e do 'sem sentido' de todos os dias. 
Quando os traficantes se tornarem mais esclarecidos é bem provável que passem a imprimir nos papelotes, nos containers e até nos navios e nos submarinos do tráfico a frase poética daquele charlatão-mor de Pune: "a vida é uma canção que não tem sentido!"




quinta-feira, 11 de julho de 2019

Do Canabidiol, do elixir paregorikós, da maconha e da ignorância dos 'chupatintas'...


[... Vê, olhando para trás, como nada significou para nós, toda a velha porção de eternidade que se passou antes que nascêssemos...]
Tito Lucrécio Caro
(IN: DA NATUREZA, p. 120) 




Nesta semana, ali no Congresso Nacional, voltou-se a discutir sobre a regulamentação e o uso do Canabidiol
Canabidiol, muita gente já sabe, é um produto extraído da planta da maconha e que já vem sendo usado com "sucesso" em diversos países, para amenizar sintomas de doenças, psico-neurológicas, mas que no Brasil.., por preconceitos contra a erva, os doentes ainda não têm acesso. 
Estava lá o porta-voz do governo mergulhado numa espécie de êxtase patriótico, insinuando aos angustiados familiares de pacientes, a técnicos e a especialistas no assunto que liberar o uso do Canabidiol era quase como admitir que se cultivasse a erva nos fundos de casa, nos quintais, nas varandas, em vasos minúsculos nas coberturas dos prédios, nas hortas comunitárias, nos canteiros dos cemitérios, no campus das universidades e no meio dos hibiscos... E que isto seria ariscado, já que o país poderia tornar-se, de um dia para outro num playground de maconheiros... Numa suruba de alucinados! Numa nação de porra-loucas e etc. 
Mas as mães, que não estavam interessadas em previsões do futuro e muito menos na harmonia social póstuma e que só pensavam num vidrinho de 50 ml com gotas de Canabidiol para amenizar o sofrimento de suas crianças o olhavam curiosas e quase descrentes. As mais ilustradas até tentavam entender qual foi, afinal, a razão histórica que levou o mundo a demonizar desse jeito essa pobre erva?, erva que seus avôs fumavam na beira dos rios ou antes do café da manhã e que sua tataravó não ia para a cama sem ter uma trouxinha enrolada sob o travesseiro. Sem falar que pendurado atrás da porta do quarto matrimonial havia, durante o ano inteiro, uma espécie de bouquet da erva com suas florzinhas já murchas e prontas para serem queimadas... Que desgraça havia acontecido em relação a essa planta?, se no passado a ciência havia se aproveitado até da papoula de opiáceos para produzir diversos medicamentos desde o elixir paregórico até a morfina... qual era o problema com o tal Canabidiol?
Um senhor que estava quase na última fila, que parecia estar ali por engano e que inclusive já havia declarado, em outro ambiente, que considerava a plantação de soja mais nociva que a de cannabis, percebendo que a fala do burocrata era intelectualmente limitada  indagou-lhe:
Com certeza o senhor já ouviu falar da Rauwolfia serpentina, não é verdade? E das imensas plantações de ópio que havia na Índia e na China, não é verdade? E de como o seu uso, fumado, dizimou parte das populações daqueles países. Não é verdade? Pois bem, se o mundo da ciência tivesse pensado como o senhor, hoje não conheceríamos nem mesmo o elixir paregórico e muitos de nós até teríamos morrido de cólicas na infância, pois o elixir paregorikós é apenas um dos vários medicamentos produzidos a partir da papoula do ópio. Me entendes? E se da planta Rauvolfia serpentina, que os asiáticos usavam para fazer viagens astrais e subterrâneas, foi produzido um sedativo que hoje os psiquiatras do mundo inteiro usam para serenar seus psicóticos e seus esquizofrênicos, qual é realmente o problema com o tal Canabidiol?

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Os catadores de bitucas dos chefes...

"Il ramasserait les bouts de cigarre de Voltaire, si Voltaire fumait..."
Barbey d'Aurevilly


Ontem, eu e meu cachorro ficamos até quase de madrugada  assistindo as discussões no Congresso Nacional sobre a Reforma da Previdência. Eu, bebericando um banchá com Butter Cookies, ele, roendo uma canela de porco que encontrou lá na entrada do prédio e que trouxe para casa, matreiramente, sem meu consentimento. De quando, em quando, conforme o andamento das discussões lá entre os parlamentares, ele me pedia emprestado umas gotas do anti-vomitivo que eu pingava em meu chá. Não vou descrever novamente em detalhes o comportamento daqueles sujeitos, mas  meu cachorro ficava se perguntando em voz alta: como é que um país de 200 milhões de habitantes escolheu e mandou para cá esse tipo de gente para representá-los?
Voltava a roer seu osso para em seguida comentar:  Por que não incluem logo um item nessa porra de Nova Previdência que obrigue os sujeitos que completarem 65 anos a submeterem-se, de graça, por conta do Estado, a uma eutanásia?
Voltava ao seu osso e concluía: Duvido que algum deles tenha lido a Obra Completa do Borges ou a Obra completa do Tito Lucrécio Caro...
E o que se pode esperar de quem não tenha lido essas duas obras, ainda na adolescência ?
Fez um longo silêncio e concluiu: observe a coreografia, os trejeitos e a verborréia de cada um deles: todos passariam a vida inteira (e sem reclamar) catando as bitucas de cigarro do Lula, do Bolsonaro, ou de outros governantes quaisquer, se eles fumassem... 
Merecem todo nosso desprezo!

terça-feira, 9 de julho de 2019

O Mendigo K,... "A longevidade é uma prerrogativa das naturezas vulgares"...

O Mendigo K atravessava a avenida principal, no meio de carros e de neblina na manhã de ontem. Levava um livreto  de capa vermelha de autoria de um tal Julio Dantas, com o titulo Os galos de Apollo, escrito na Lisboa de 1921.   Assim que alcançou o meio fio do outro lado, parou para ler, para sua nova companheira, este trecho que já estava sublinhado:
"Ah, meus amigos! Os poetas, como as mulheres bonitas, deviam morrer em plena beleza e em plena glória. Há criaturas - aquelas que andam mais perto da perfeição (palavra apagada) - que não têm o direito de envelhecer. A longevidade é uma prerrogativa das naturezas vulgares. Por que preço hediondo nós todos, (duas palavras apagadas) pagamos o triste, o inútil prazer de viver mais! "

sexta-feira, 5 de julho de 2019

O jornalista e o assassino...

"Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que o que ele faz é moralmente indefensável..."
Janet Malcolm
(IN: no primeiro parágrafo de seu livro: O jornalista e o assassino

O assunto que esta mais presente hoje, não apenas nas redações dos jornais mas mesmo entre os chamados focas, esses novatos que andam por aí com suas cadernetas buscando novidades, entrevistando narcisistas e anotando impressões e pequenos surtos da pachorra social, é a dúvida se a policia e o establishment estatal está investigando  as contas bancárias do jornalista forasteiro do site Intercept. Estão verdadeiramente em frenesi e num surto corporativista de assustar . Como é possível que UM JORNALISTA seja investigado pelo Estado? Pela polícia? Por quem quer que seja? - resmungam no meio de seus estagiários...-
No passado, os pais empurravam seus filhos a estudarem Direito ou Medicina, a ingressarem  num quartel ou a se tornarem padres, basicamente para estarem protegidos, não apenas do Estado, mas de todos os outros bandidos e "perigos" do mundo. De umas décadas para cá, ingressar na carreira de jornalista parece que passou a ter a mesma importância e o mesmo significado. 
Você sabe com quem está falando? 
No passado recente, quem se atrevia a cacarejar uma idiotice destas eram apenas alguns labregos de aldeia, um ou outro advogado, os padres e os militares. Agora, passou a ser comum que um jornalista, na primeira oportunidade, - mesmo que seja de um Pasquim suburbano - se coloque na ponta dos tamancos e exiba o crachá  de uma mídia qualquer. Uma vergonha essa miúda esperteza! Esse delírio! Esse distúrbio de personalidade!
Mas o mais curioso, o mais importante (e até o mais útil) dessa babaquice, é que ela, em termos de psicopatologia de massas, coloca em evidencia os velhos e abomináveis delírios corporativistas e a hipocrisia habitual. Mexeu com um mexeu com todos! Mexeu com uma mexeu com todas! Já que todos estão vinculados a Associações, a Conselhos, a Gangues e a quadrilhas. Faça uma experiência: crie um problema qualquer com um advogado. No outro dia a OAB estará batendo a sua porta para intimidá-lo. Critique um médico: o CRM logo te acionará nos tribunais. Um padeiro: e todas as padarias procurarão envenenar teus biscoitos. Levante alguma dúvida sobre a qualidade de algum produto, os fabricantes logo mobilizarão os piores de seus membros contra ti. Discorde da filosofia do PCC, e eles logo orquestrarão incêndios nos presídios e em tua casa. Duvide da sapiência de um professor, e ele logo mobilizará todos seus colegas para rebaixar tua nota. Reclame de uma senhora qualquer num bordel e elas se juntarão com as de outra casa e com seus gigolôs para interditar-te. Mexeu com uma mexeu com todas! Eis aí o estribilho monocórdio e prosaico dos canalhas! Estribilho sórdido que até hoje vem dando fôlego às corporações, das mais diversas e das mais repugnantes. Corporativismo: vínculo e cumplicidade entre canalhas para protegerem-se mutuamente entre si e dos canalhas das outras corporações. Um show de mediocridade!


O Mendigo K, que expunha o esqueleto ao sol num dos viadutos interditados da rodoviária, comentava, a respeito do tema, com outro mendigo: "Na nossa sociedade o jornalista está no mesmo nível que o filantropo, como alguém que possui algo de extremo valor para dar (a moeda dele é a substância estranhamente intoxicante chamada publicidade), e que, por conseguinte, é tratado com uma deferência bastante fora de proporção com os seus méritos como pessoa..."

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Sergio Moro diante de seus agressores...

"... Los que buscam perlas en las profundidades del océano pueden ahogarse si nadie regula en la superficie sus dosis de oxígeno...."
Morton Schatzman 
(IN: La otra Locura, página 153)

E o juiz Sergio Moro voltou a ser inquirido no Congresso Nacional, ao estilo dos
papos de boteco ou de fundo de rodoviárias.
O mendigo K que estava bebendo um capuccino nos arredores de uma igreja grega que há aqui na cidade, jurou-me que esteve lá e passou a contar-me detalhes do ocorrido:
"Foi impressionante ver lá, aquela turma de deputados tentando quebrar a estabilidade emocional do juiz. E ele, diante das maiores agressões se mantinha sóbrio, fingia anotar alguma coisa num pequeno caderno e de vez em quando olhava para o agressor como se estivesse pensando": 
É impressionante vê-lo falar assim ilustre deputado e corruptozinho de merda! Tenho lá sobre a minha mesa tua ficha corrida. E os piores de teus crimes nem são relativos a desvio de dinheiro público, mas por mau caráter e covardia;
E você sua vaca desequilibrada! Porque insiste tanto em acusar-me de coisas que recheiam apenas tua biografia? 
E você velho padre desviado de função, como é possível que a sacristia e a velhice não tenham te servido para nada?
E você, pobre diabo, que todo mundo te viu correndo na garagem desse parlamento para ocultar teus crimes e crimes de teus comparsas...
E a senhora, que deveria comer menos e ler mais! Quais as razões que te trazem aqui para fazer esse circo? E para tentar incriminar-me?
E o senhor, que da socos sobre a mesa e que procura exibir-se como se não fosse um ladrãozinho subalterno?
E  a senhora, cujo destino histórico era outro tipo de casa e que só caiu aqui por acaso e por manipulação de votos?
E o senhor, que aqui finge cantar de galo mas que daqui a pouco estará cacarejando como uma galinha diante de seus chefetes?
E a senhora, outra vez, que deve estar tomando os remédios de forma errada! Por que essa obsessão em atacar-me? Teu conflito é realmente comigo ou com o masculino?
Ah! Eu os compreendo! 
Sei que como cristãos de fachada lhes é mais difícil elaborar a culpa. Respeito vosso sofrimento! Mas vejam os outros bandos, as hordas que passaram roubando o país nas décadas que lhes antecederam, eles souberam lidar melhor com o poder, com o dinheiro e com a culpa. Roubaram tanto quanto vocês, investiram o dinheiro roubado em todo tipo de negócios por aí sob vossas barbas e pelo mundo afora, vivem bebendo champanhe nos mais sofisticados puteiros do mundo  e sem nenhum vestígio de arrependimento. 
Vocês não! 
Vocês precisam culpar alguém com a crença ingênua de que com isso diminuirão a vossa própria culpabilidade. Esse é um deficit politico e uma fraqueza dos historicamente alienados e dos ex-proletários.
A culpa os faz arquitetar inconscientemente uma armadilha contra si mesmos. Precisam purificar-se! E para isto caem nela movidos por uma forma pueril de religiosidade...O moralismo os consome a ponto de nem conseguirem desfrutar daquilo que roubaram... 
Me entendam: Fui apenas um juiz! E se cometi algum erro foi ter sido complacente demais para com muitos dos senhores..! 
O juiz fez um longo silêncio e concluiu:
Confesso que metê-los na cadeia me causa um imenso constrangimento diante das massas. Como é que depois de tudo as massas ainda terão que mantê-los presos? 
O ideal, todo mundo sabe, seria bani-los. Levá-los até a fronteira apenas com os trapos que a maioria dos senhores possuía antes de tornarem-se políticos e indicar-lhes a solidão do mundo...



E ninguém obedece nem a titia... Ou: é evidente que somos uma espécie que não deu certo...

Lástima grande que sea verdad tanta miseria!