quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Do calor, dos urubus e de Manaus...

E a cidade continua uma fornalha... Bem que Niemeyer, Lucio Costa, JK e outros ideólogos deste Hades, tinham suas coberturas lá no Leblon ou arredores... 
Nos desertos, pelo menos, o sujeito se distrai com as serpentes, com as miragens e com as dunas que as ventanias vão mudando de lugar... Mas aqui é diferente... pelo que tenho  visto o populacho e mesmo a elite burocrática já está até perdendo o medo das labaredas do inferno, estão cada dia mais convictos de que por lá, ao contrário do que se diz, as coisas podem ser até mais agradáveis e frescas...
E com esse calor, até os urubus estão ficando atrevidos, menos medrosos e pousando no umbral das janelas, sobre as lápides do Campo da Esperança, sobre os carros, nas lixeiras, nas portas dos mercados...  no telhado dos hospitais e até sobre os minaretes das catedrais... Ontem um radialista explicava que a aproximação desses bichos se deve aos inúmeros vendedores de ovos que nos últimos tempos (com o desemprego) se instalaram por aí, nas esquinas. Mas ovos? Não são lagartos! Sim, ovos!, e vendidos não a dúzias mas a centenas... E as galinhas? E o colesterol? 
Os esotéricos e os supersticiosos em seu entusiasmo fanático já andam com velas, escapulários e água benta nas bolsas prontos para ludibriar algum mal, já que para eles estas aves nojentas podem ser um sinal de mau agouro
O mendigo K, entre um trocadilho e outro, relatava a uma senhorita estrangeira que quando viveu no Amazonas (época delirante dos seringais) na Rua Igarapé de Manaus, na maior penúria e no meio das mais surrealistas intempéries, dormindo em rede, comendo macarrão e carne Swift enlatada a vácuo durante meses, todas as manhãs aparecia na janela de seu cortiço um ou dois desses urubus... e que apareciam lá para saudá-lo, para resmungar um mantra, para convidá-lo a ir dar um mergulho nas águas da Ponta Negra... Grosnavam, se espreguiçavam, despejavam para dentro de seu quarto algumas penas, uma ou duas dúzias de piolhos, levantavam voo e iam planar lá por sobre as malocas dos Caruaras ou pelas beiradas do Solimões para só aparecerem novamente no outro dia, umas vezes trazendo no bico longo e preto pedaços da ossada de algum Pirarucu... outras vezes, noticias do mosquito da malária...  
Dependendo do humor,  - dizia ele - lhes colocava ao alcance a lata de macarrão.., dividia com eles os restos da carne Swift e uma ou outra migalha de pão sírio... 
A senhorita estrangeira, interessada num visto de permanência, fingia acreditar...

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