sexta-feira, 31 de agosto de 2018

A Marina e o mendigo K...


[...Dormid, pobres locos, sobre esa arpa que habéis elegido; elegido a la fuerza, por pobretería y locura...]
(J. Moreno Villa In: Pobreteria y locura)


Ontem foi a vez da Marina, uma das candidatas à presidência da república, ser inquirida por dois locutores de TV. O mendigo K, rodeado por vinte ou trinta comparsas de mendicância e que assistiu o embate do princípio ao fim, confessava ter sentido vontade de chorar em alguns momentos, tanto pela futilidade das perguntas como das respostas. Estaria deprimido? O que existe de mais burguês, religioso e reacionário do que uma lágrima? Do que um sentimento? 
Essas entrevistas - me dizia ele, no meio da turba  -  além de lembrarem a confusão de línguas da Torre de Babel, têm servido também para mostrar que o Estado e a República são   arapucas, inclusive para quem as administra e mais: para deixar patente a limitação e a superficialidade dos entrevistadores, desses impostores que alem de mistificarem a si mesmos perante o populacho analfabeto, vêm silenciosa e impunemente adestrando o país com novelas, propagandas, neuroses e noticias falsificadas de ponta a ponta, há décadas...

Deixei-o respirar e o questionei: Tudo bem!, todo mundo critica todo mundo, é realmente uma espécie de Babel e de cainismo. Mas e você, se fosse eleito, o que faria?

Meu primeiro ato de governo,  - respondeu sem gaguejar - independente da opinião pública ou de quem quer que seja, seria a construção de uma estrada de ferro do Ceará à Foz do Iguaçu... E isso não deveria demorar mais do que seis meses. Os trens, de luxo, (três diários), fariam Fortaleza / Foz do Iguaçu em ziguezague, passando por todas as grandes cidades... 
E sem roubar um centavo... 
Os mendigos o aplaudiam e ele completava: Kamaradas, haverá um vagão com poltronas de veludo vermelho tipo aquelas dos trens da Transiberiana, com vinho e jazz e que será destinado gratuitamente e ad aeternum, para mendigos, ciganos, nômades, vagabundos, delirantes e para gente que nunca quis trabalhar. Gente que nunca fez o jogo dessa sociedade patética! - A mendigada gritava e jogava para o alto seus chapéus e chinelos...  
inclusive, - gritavam - porque hoje é sexta-feira, dia de recolher pedaços de filé mignon e sobras de vodka nas lixeiras dos palácios...

Um comentário:

  1. Hilário, Amargo, Profundo e, acima de tudo, eficiente! Em poucas palavras esclareceu toda a situação sórdida, e ao mesmo tempo, patética de um processo de eleição e seus agentes funestos e, ainda por cima, demonstrou a solução.

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