domingo, 31 de dezembro de 2017

Cada dia mais transtornadas... Ou: da autofagia ao filicídio... e da placenta ao bebê... é só uma questão de signo e de apetite...

Estudo mostra que ingestão de placenta tem pouco efeito no humor pós-parto





Comer a placenta é comum em algumas culturas e espécies de animais. Mas após celebridades, como a socialite e atriz norte-americana Kourtney Kardashian e a culinarista brasileira Bela Gil, terem revelado ser adeptas da placentofagia, a prática ampliou fronteiras e chamou a atenção de cientistas. Um grupo da Universidade da Nevada, nos Estados Unidos, porém, defende que é preciso ter cautela. A pesquisa conduzida por eles mostra que a ingestão de cápsulas de placenta tem pouco ou nenhum efeito no humor pós-parto, na fadiga e na ligação materna com o bebê, benefícios disseminados por praticantes e curiosos. Detalhes do trabalho foram divulgados recentemente na revista Women and Birth.

A autora, Sharon Young, e sua equipe realizaram o estudo com 27 mulheres saudáveis, recrutadas durante a gravidez e separadas em dois grupos: 12 tomaram as cápsulas de placenta e 15 compuseram o grupo placebo, que ingeriu pílulas de mentira. As voluntárias encontraram-se com os pesquisadores quatro vezes durante a gestação e o pós-parto e responderam a questionários sobre humor, energia, suporte social e ligação com o bebê.

“Nos dois primeiros encontros, elas não tomaram o suplemento de placenta ou o placebo, para que pudessem ser coletados  sangue, saliva e os dados do questionário. A partir do segundo encontro, as participantes começaram a tomar os comprimidos”, conta Sharon Young, que destaca que nem as participantes nem os pesquisadores sabiam qual suplemento a gestante estava tomando até o fim do estudo.
Ao comparar os dados dos dois grupos, a equipe identificou que não houve diferenças significativas nas concentrações de hormônio materno ou no humor pós-parto entre eles. Para Sharon Young, embora o estudo não ofereça suporte a favor ou contra o consumo de placenta, ele dá luz ao assunto com os primeiros resultados de uma análise clínica sobre os impactos da ingestão de cápsulas desse órgão no humor, na energia e nos hormônios após o parto.

Geralmente, as mulheres comem a placenta em cápsula ou em estado bruto. No primeiro caso, esse órgão humano é seco, transformado em pó e encapsulado. No segundo, não há intervenções do tipo. Há mães que misturam a placenta com outros alimentos e os ingerem e aquelas que, como outros animais, praticam a placentofagia imediatamente após o parto.

Para Fernando Reis, pesquisador na área de hormônios placentários e professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o fato de existir um comportamento na natureza animal não significa que ele seja adequado para humanos. “Os vendedores do produto alegam que ele serve para repor nutrientes e hormônios. Todavia, os nutrientes podem ser repostos de forma mais natural e prazerosa e a custo mais baixo por meio da alimentação”, explica.


Riscos no preparo

Segundo o professor, os hormônios da placenta não precisam ser repostos e, se precisassem, haveria formas mais precisas e seguras de administrá-los. Há ainda, de acordo com ele, o risco de contrair agentes infecciosos que contaminam a placenta durante o preparo das cápsulas. “O Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos recomenda que se evite a prática pelo risco de contaminação”, complementa. Fernando Reis destaca ainda que estudo americano foi realizado com o melhor método científico para testar o efeito de tratamentos: o ensaio clínico com alocação aleatória de participantes, duplo-cego e controlado por placebo.

De acordo com Lizandra Paravidine, chefe da Unidade Materno-Infantil do Hospital Universitário de Brasília (HUB), os defensores da prática afirmam que a placentofagia promove a prevenção da depressão pós-parto, o aumento da produção do leite, o aumento da energia e disposição da mãe e a diminuição de sangramento pós-parto. Contudo, ressalta a especialista, esses efeitos benéficos não foram comprovados cientificamente, assim como não há certeza se as preparações para o consumo não alteram a composição e a quantidade de hormônios e nutrientes presentes na placenta.

Autora de um estudo sobre a percepção das mulheres sobre o ato de comer a placenta, Stephanie Schuette diz que, como a pesquisa conduzida por Sharon Young foi feita principalmente com mulheres caucasianas, tipo físico geral de algumas populações da Europa, ela não pode ser generalizada para mulheres de outras culturas. “Mais pesquisas empíricas são necessárias para validar a crença de que a placentofagia pode ser protetora contra a depressão pós-parto e os outros benefícios descritos pela prática”, defende a doutoranda em psicologia clínica na Universidade de Duke, nos Estados Unidos.

Segundo Sharon Young, o estudo conduzido por ela e a equipe sinaliza outras áreas que devem ser exploradas. “Por exemplo, os pequenos impactos, embora não robustos, em mulheres que tomam as cápsulas de placenta, além de pequenas melhorias no humor e na fadiga desse grupo”, lista. “Pesquisas mais completas são necessárias para descobrir até que ponto essa prática pode oferecer algum tipo de efeito terapêutico.”

* Estagiária sob a supervisão da subeditora Carmen Souza

Defesa e festa

Chamado de placentofagia, o ato de comer a placenta é praticado pela maioria dos animais mamíferos e alguns herbívoros. Geralmente, os bichos fazem isso para não deixar rastros do nascimento dos filhotes, evitando a ação de predadores. Entre os humanos, é até motivo de comemoração. No norte da Califórnia e no Reino Unidos, há a chamada Festa da Placenta, em que se prepara uma refeição com o órgão, compartilhada entre os convidados. Na medicina tradicional chinesa, a placenta humana também é utilizada como ingrediente. (Publicado no Correio Braziliense de hoje)

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