sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Noticias da sexta-feira black...

[Um velho alegre é um louco inofensivo que pôde curar-se de todas as paixões, menos da do ridículo...]
Vargas Vila


Hoje, ainda sob os fulgores da sexta-feira negra ir ao mercado, - mercado comum que não tem nada a ver com Casas da Banha & Cia - mesmo que seja só para comprar três pãezinhos franceses, é uma aventura. Uma multidão estranha, literalmente estranha se acotovela e faz filas por todos os lados, empurrando carrinhos transbordantes como se lá fora houvesse sido deflagrada uma guerra. Como se o Kin Jong-un tivesse lançado um míssil em direção à América Latina ou coisa parecida... Carnes, muitas carnes! Umas até pingando sangue pelos corredores. Ovos, farinhas, lasanhas, pedaços de bacon, perus decapitados e papel higiênico. Muito papel higiênico. Também cotonetes, cervejas, espumantes, aguas gaseificadas e panetones. Ultimamente tenho entrado na fila reservada para os velhinhos, mas já  estou decidido a voltar para uma que fica mais à esquerda do mercado onde se perfilam pessoas de todas as idades e onde a demora para chegar ao caixa também pode ser até  de 40 minutos, mesmo que seja só para pagar uma latinha de sardinhas ou um pacote de fósforos. A dos velhinhos, que, teoricamente deveria ser a mais rápida já que eles, se ficarem muito tempo em pé, podem ter um colapso, uma hipoglicemia, cair e quebrar o fêmur, o pescoço etc, acaba sendo a mais lenta uma vez que eles demoram até vinte minutos para achar o cartão nos bolsos do paletó, não lembram a senha, tremulam, ficam fazendo gracejos, pechinchando por bagatelas, falando dos remédios que tomam e exigindo que a moça do caixa vá conferir preços e data de validade dos produtos e etc. Hoje mesmo, uma senhora de uns noventa anos que estava na mesma fila que eu, com um lenço preto amarrado de qualquer jeito por sobre uma cabeleira quase inexistente, criou a maior confusão quando percebeu que tinha comprado meio frango achando que se tratava de meio peru. Chamou o marido que estava lá na porta de entrada com cara de bobalhão esperando com um guarda-chuva aberto e que parecia ser até mais demente e cego do que ela... Foi uma confusão dos diabos. Havia também uma senhora chinesa dois passos a minha frente que de tão velha lembrava as invasões de Genghis Khan. Ela  olhava por cima dos óculos para meus cabelos com tanta insistência como se eu fosse de outro planeta. Percebi que levava uma caneta vermelha enfiada entre as tetas, duas tetas minúsculas que já se haviam esparramado pelo tórax. Na parte superior da caneta, em alto relevo, havia uma caricatura sutil do velho Mao Tsé Tung. Por problemas óbvios de linguagem demorou mais tempo que os outros para ser despachada. Tempo em que os outros velhinhos da fila, todos mais ou menos sonâmbulos, tiranos, rabugentos e, evidentemente nada tolerantes, lançavam inquietudes e maldições para todos os lados... 
Chuviscava lá no asfalto. Enfiado embaixo de uma lona improvisada, quase junto a uma parada de taxis, um senhor também pertencente à quarta idade girava calmamente e sem ritmo a manivela de um realejo e a moça do caixa, apesar de jovem - mas que em termos de lucidez não se diferenciava muito daquele corolário de senectude - parecia  ter capitalizado para si todas as impaciências, ansiedades, melancolias e desilusões do mundo...

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