sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Sobre o esquife de Mandela...

"Ninguém predica em nome de Marco Aurélio: como não se dirigia mais que a si mesmo, não teve nem discípulos e nem sectários..." Cioran

Prestem atenção como quando morre um homem do porte de Mandela, se forma rapidamente pelo planeta a fora uma onda de hipocrisia e de demagogia impressionante, como se se tratasse de fiéis e de discípulos fervorosos daquele que morreu, e como se seus ensinamentos estivessem prestes a transformar o mundo num paraíso. No caso específico desse líder africano, como se todos os apartheids do mundo tivessem sido abolidos, como se os racismos e as segregações fossem coisas do passado. Pura demagogia! E não seria de causar espanto a ninguém se na fila dos bajuladores aparecessem inclusive os chefes da Ku Klux Klan e os gerentes dos neonazis... Até mesmo os hipócritas que ficaram em silêncio durante seus vinte e tantos anos de cadeia surgem nas sacadas de seus palácios com frases de efeito. Políticos ladrões segregacionistas e corruptos lamentam e até deixam correr lágrimas diante do fato, escravocratas modernos, tiranos disfarçados, racistas enrustidos... todos participam do minuto de silêncio diante da morte desse homem que, apesar da aparência de bonheur, deve ter colecionado traições, mentiras e covardias de todos os tipos.
E depois, apesar de Mandela, a África inteira continua um horror de subdesenvolvimento, a América latina é uma miséria só; a Ásia abriga milhões e milhões de párias e de desgraçados, as periferias das grandes cidades ocidentais são verdadeiras cloacas, o Brasil está mergulhado num festival de misérias e de homicídios, cada um mais escabroso que o outro, as penitenciárias e os hospícios do planeta estão transbordando... E há dois anos o mundo e esses farsantes que dizem lamentar a morte do Mandela assistem impassíveis a mortandade na Síria...
É uma ilusão e uma infantilidade achar que destruir o apartheid exterior significa livrar-se do apartheid interior. A espécie é bipolar e feroz. Se move como uma gangorra, ora nas nuvens, ora nos abismos. Tantos suspiros e tanta comoção é sempre suspeita. Lembra aquilo que os psicólogos chamam de formação reativa...
 Mas, independente disso, todos os farsantes profissionais querem ir ao funeral, gostam de ver-se lá, de paletó e de óculos escuros jogando uma rosa sobre o esquife. Precisam sair bem na foto, ganhar as próximas eleições, fazer parte da história, mesmo que seja como ratos entre duas vigas...

2 comentários:

  1. Sempre brilhante nosso amigo Ezio Flávio Bazzo, parabéns!!!

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  2. Bazzo, leia aí... É como você diz, nossa espécie merece ser eliminada.....

    http://oglobo.globo.com/mundo/familia-de-mandela-trava-disputa-por-nome-fortuna-legado-10991074

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