quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A idiotice do eterno retorno...

Quando estou de folga gosto de ficar passeando pelos labirintos e ali entre os imensos blocos de concreto da universidade e procuro fazê-lo com um primo do mendigo K., que estudou por lá até ser jubilado e que conhece todo mundo, desde os professores contemporâneos até os das antigas gerações... Muitos, apesar de aposentados, circulam por aqueles espaços, arqueados sob o peso dos anos e das doenças. Vão distraídos, os olhares cravados no piso como se estivessem no auge de uma fórmula ou de uma reflexão imperdível... Mas logo um degrau ou a gritaria de uma turma os trazem de volta. Olham longamente para todos que encontram como se quisessem ser reconhecidos, identificar alguns de seus ex-colegas ou de seus ex-alunos... E seguem sua marcha na mais triste solidão, quase pagando para serem ouvidos por quem quer que seja, sem conseguir agudizar novamente seus desejos.. Qualquer um dos odiosos assuntos domésticos do passado, agora é digno de uma meia hora. Passou o tempo das grandes conferências, das aulas magnas, das recepções a Chomski, dos poemas de Maiakowski, das evocações de Marx ou de Lacan... Só sobraram verdadeiramente algumas centelhas de melancolia e algumas lições de abismo... O primo do mendigo K., cochicha de meu lado esquerdo:
  
-Tá vendo aquele velho que vem ali se arrastando com aquela bengala?, foi um dos fodões da sociologia. Traduziu Adorno e benjamim... Aquela senhora que cumprimentou o pipoqueiro e que estava com um braço na tipóia, foi quem trouxe Skinner para a universidade... A nota fúnebre daquele mural é de um temido doutor do Direito Penal... Aquele outro que atravessava o estacionamento apoiado em sua neta, foi a vaca sagrada da engenharia... Vem por aqui de vez em quando porque diz ter nostalgia por essas colunas e por estas salas escuras arquitetadas pelo defunto Niemayer...

Os alunos passam em bandos com as mesmas posturas infanto-juvenis dos secundaristas, enquanto por aqui ou por ali se move lentamente uma cabeça branca ou uma careca reluzente. Quando dois das antigas se encontram, intercambiam breves informes como se ainda estivessem na ativa, interessados pelos destinos do mundo e como se suas opiniões ainda valessem alguma coisa. No auditório tal haverá uma conferência do fulano de tal? Quem é? Ah, é!? Mas não é um revisionista de Marx! Uma reunião de arquitetos! A missa de sétimo dia do doutor de tal... E o novo plano de saúde?... Brasília terá uns vinte congressos neste meio de ano!.. Ah é!? Sem continuidade, sem interesse e sem eco, se despedem e seguem sem rumo. Ir para o sul ou para o norte dá no mesmo... O sol já se desloca para o ocaso... Mas, ir para casa fazer o quê? A mulher já morreu e os filhos migraram... Alguém vem oferecer-lhes um livro. De graça, de um ex-professor. Um livro? Aceitam o presente, sem entusiasmo e como se resmungassem a frase de Vargas Vila: ah, a velhice livrou-nos de duas de nossas maiores paixões: as mulheres e os livros! Impossível voltar a pensar na sociologia, na engenharia, na literatura, em traduzir um poema do grego. Aliás, o livro ofertado foi o de Emanuel Araújo, titulado: Escrito para a eternidade. Mas como interessar-se pela literatura do Egito faraônico com os reservatórios de testosterona vazios? E depois, tudo mudou, mas tudo continua igual! Os trinta e tantos anos de cátedra parecem ter sido inúteis e em vão. Tudo segue igual. A sociologia foi domesticada pelos contracheques, quem construiu verdadeiramente a cidade foram os pedreiros analfabetos, as aulas de Lacan foram substituídas pela gritaria dos pastores... Livros? Sabem que existem aos montes e por todos os lados! Muita merda empilhada por aí nas garagens... cada narcisista publica o seu e o considera a última maravilha do mundo... Todos os alunos potencialmente revolucionários se tornaram funcionários públicos e a essa hora já estão em casa brincando no facebook... A tarde vai invadindo os paredões das faculdades, os vendedores de porcarias vão fechando seus negócios. Nos estacionamentos, os motores dos carros da alunada começam a rugir... Ninguém mais vem às aulas a pé, de ônibus, de bicicleta, de sandálias, os cabelos tresloucados, com uma obra de Malatesta sob o braço como nos tempos passados... tempo em que alunos e alunas, professores e professoras “sarreavam” nos intervalos. Agora, os cânones são outros, o que se vê são meninos agarrados com meninos e meninas agarradas com meninas... Professores agarrados com professores e professoras agarradas com professoras...
Os velhos e antigos mestres não escondem a exaustão... apesar do teatro de pertenência, parecem desejar morrer, cair fora, acabar... vão sumindo sozinhos no meio das hordas juvenis, como sombras. Por mais que se quisesse, não há uma história real ou uma mágica qualquer que possa resgatar suas aulas magnas... a excitação de uma nova teoria da linguagem ou dos cromossomos... No meio de seus passos só uma noite quase escura caindo sobre toda a falácia do pretenso conhecimento do mundo...

2 comentários:

  1. Diga-nos: quando Vossa Senhoria morrer, sua alma continuará vagando a UnB?

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  2. Você, Bazzo, tem autoridade intelectual, lucidez, verve, espírito subversivo, transgressor, para criticar a grandiloquência babaca e pretensiosa de muitos acadêmicos: "No meio de seus passos só uma noite quase escura caindo sobre toda a falácia do pretenso conhecimento do mundo..."

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