quarta-feira, 18 de abril de 2012

"Van ya tropezando, y han de caer del todo, sin duda alguna" (Última linha do Don Quijote)

Apesar da paixão instintiva que todos latino-americanos sentem pela Espanha, não são poucos os que estão se deliciando com a bancarrota eminente daquele país, ou melhor, daquela junção de países... Mas, claro, para a grande maioria, apesar das touradas, do opus dei e do holocausto de nativos que promoveram aqui pelos trópicos, a paixão por aquele rincón é quase uma doença. Os que já viveram por lá sabem como é fácil experimentar transcendência nas coisas, mesmo nas mais simplórias como, por exemplo, numa tortilla com meio copo de vinho numa birosca ferroviária daquele cenário de loucuras milenares.... Aquela gente de meia estatura indo e vindo, os homens com suas boinas e o cenho marcado, as mulheres, repugnantemente beatas com seus aventais no meio da bruma... Os moínhos de vento desativados, os gerânios sempre floridos nas minúsculas sacadas, os mexericos seculares das cafetinas e das donas de tabernas, o vício incurável do tabaco, paellas, rancores pungentes, os heroinômanos trêmulos com seus ossos e veias pela madrugada a dentro estirados sobre finas folhas de papelão quase em baixo de uma imponente e soberba estátua do Goya. A melancolia quase genética e a certeza de terem crucificado o “Salvador”... Mas não há melancolia que a dança das ciganas, dessas mulheres sempre inatingíveis e sempre inalcançáveis não cure!... As castanholas, o ETA, a carne de porco, as memórias incuráveis de Franco, o cheiro mouro das feiras... e a fé. Sempre a fé, o absurdo da fé impregnado em todas as coisas. Sabemos que a fé é um placebo, mas somos castelhanos... Cristo não falava aramaico, falava espanhol! Nossos antepassados jogavam gatos em fogueiras... cultuavam o demônio à noite e Jesus pela manhã... Don Quijote de la Mancha!!! Segundo Dostoievski, jamais alguém escreveu algo tão precioso como essa obra de Cervantes. A mim, o que sempre me incomodou nessas 1100 páginas é o fato de Cervantes tê-las dedicado “al duque de Béjar, marqués de Gibraleón, conde de Benalcázar y Bañares, vizconde de la Puebla de Alcocer, señor de las villas de Capilla Curiel y Burguillos.. Será que mesmo os monstros sagrados têm que lamber botas em algumas circunstâncias???

Agora essa maravilha antropológica, culinária e flamenca ameaça ruir. Seria vingança dos astecas? Ou dos mouros? Ou dos judeus? Ou dos bascos? A contabilidade não bate; o destino da Grécia lhes aparece em sonhos; as multidões carecem de esperanças, a Argentina deu-lhes um golpe e o rei quebrou os ossos enquanto caçava elefantes em Botsuana. Eis aí o dia da caça! Aliás, o que é que faz com que um povo ainda tenha um monarca??? Se a crise durar, - preveem os analistas mais malignos - será que terão que desenterrar todo o ouro rapinado aqui dos trópicos? E devem rezar para que os países latino-americanos não imitem a Argentina e nacionalizem também as redes hoteleiras, as padarias, o mundo editorial e principalmente a desvairada e estúpida escravidão dos celulares. 300 milhões de celulares funcionando só aqui na República Tupiniquim! Imaginem aí pelos Andes e aí pelo Caribe!!! E, pior, a grande maioria nas mãos de crianças abobalhadas e de pessoas que não ganham sequer um salario mínimo. De onde advém a necessidade imensa de falar dessa gente? É bom que se saiba: toda essa tagarelice inútil e cotidiana se converte em Euros que vão parar diretamente nos bancos espanhóis. Parece mentira? Sim, mas é verdade.


Um comentário:

  1. Como alguém apaixonada pela dança, não sei se sou apaixonada pela Espanha, porque inclusive ainda não tive a oportunidade de conhecer o país, mas garanto que o "ballet espanhol" é o mais completo e empolgante de todas as danças...Para dançá-lo tem-se que ter a veia artística, o dom de apurar a música, e muita coordenação...É a únião da cadência do ritmo das castanholas com o sapateado, apresentados na seqüência de um ballet arrojado, na expressão corporal que exala uma enorme sensualidade...As fantasias despojam o exagero em cada movimento desde os quadris aos braços...De todos os "ballets" é o mais completo, e talvez o mais difícil de ser interpretado...E como cada ato da dança narra um conto, nem sempre se termina no - OLÉ! - Muitas vezes o touro ou toureiro morre, e o ato termina com o último tintilhar das castanholas...

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