domingo, 22 de maio de 2011

Notícias de Lilipute 11

Ao entardecer de sábado, a linha do metrô Piccadilly Circus fica parecida às do metrô da cidade do México no dia dos mortos. Como é que se chegou a essa inflação de gente no mundo? Parece que os anticoncepcionais e a pederastia quase generalizada não estão servindo para nada. O motivo de tanta gente neste dia e horário – me dizem -  é que esta linha passa pela Estação Knightsbridge onde fica o conhecido e adorado prédio do Harrods. Ahhh, bom!

Por ingenuidade eu lhes havia dito que aqui em Londres o melhor que existia era o Museu de História Natural. Bobagem intelectualóide. O que há de mais grandioso e de inigualável aqui, qualquer criança sabe, é o HARROD’S. Charles Darwin ao lado de Henri Charles Harrod’s e de seus sucessores não passa de um camponês pretensioso... Quem já foi à Meca, ao Vaticano ou a Pona (quando o Rajnesh ainda estava vivo) sabe que é incomparável o entusiasmo, a paixão e a loucura dos fiéis de lá com os daqui. Se lá o ópio espiritual bate de cheio na alma fragmentada dos fanáticos, aqui o luxo sólido e o bom gosto concreto  impacta diretamente sobre o sistema nervoso central e os ossos dos fiéis. Enfim, esse prédio vitoriano de departamentos que ocupa uma quadra inteira a uns 200 metros da  Estação Knightsbridge está lotado o dia inteiro de discípulos fervorosos. Ninguém sabe exatamente como foi que o velho proprietário, um simplório vendedor de verduras e outras quinquilharias como tantos que começaram com uma bodeguinha aqui no Brompson, conseguiu essa façanha. Uma revista superficial na entrada, mas sem paranóia. Depois que o IRA colocou uma bomba ali na calçada sempre é bom previnir... No Departamento de Comidas, que foi o primeiro que entrei, os romãs, os blackberries e as nectarinas parecem pinturas e os vendedores com seus chapéus e sua presteza parecem realmente de outro mundo. Nem sei como a história de Alice não transcorreu aqui dentro... As coleções e as latarias dos biscuits da Casa além de derreterem ao primeiro contato com a saliva também parecem estar ali mais para decorar de que para outra coisa. Cafés e restaurantes para impressionar. Na rotisserie, ao lado de obras de arte, tem até dois porcos pendurados, as carnes brancas e impecáveis. Impecáveis? Será que essa palavra quer dizer sem pecado? Que seja. Nesse mesmo setor uma caixa exótica com ovos, um de pato, dois de galinhas, dois de faisão e três de codornas. Que maravilha! Quem é que já havia pensado em fazer uma combinação dessas ou algo assim no mundo. Fico imaginando Marx e Engels (que aliás não moravam longe daqui) caminhando no meio de todo esse exagero estético e de toda essa deslavada plusvalia meio boquiabertos e tendo que rever suas teses sobre  as artimanhas e as sacações do capitalismo. Se ao invés de um mundo comandado pelo proletariado tivessem pensado em aperfeiçoar as debilidades burguesas, talvez as coisas tivessem dado mais certo. Aliás, o que acreditamos ser luxo e capitalismo aí no Brasil e na América Latina inteira, ainda é apenas um arremedo promovido por meia dúzia de grupos de ladrões e de vivaldinos, algo primitivo e descabido, uma imitação bufa, sem conteúdo e sem história. Foie Gras em vidros de 400 gramas 158,95 libras. Mas existe um outro tipo em latinhas côr-de-rosa com 305 gramas que custa 105 libras. O setor de chás é a nona ou a décima maravilha do mundo, pena que a cafeína costuma colocar meu coração à beira de um infarto. A Opulence Collection com seus devidos acessórios e que leva o nome do malandrão Harrod’s é de tirar o chapéu. Chá em pacotinhos, chá em latas de cinco quilos, chá na quantidade e no aroma que o cliente desejar... Chaleiras parte medievais e parte futuristas, xícaras quase transparentes, mil instrumentozinhos para os obsessivos, os epicuristas e para os hedonistas seguirem se iludindo de que realmente o paraíso pode ser aqui mesmo. E tudo, repito, misturado a detalhes em mármore, estátuas egipcias no alto das prateleiras, luzes, o uniforme dos vendedores e, claro, a turba. Foi toda essa opulência e todo esse bom gosto de seu proprietário que fez até a defunta Diana abrir-lhe timida, mas graciosamente, as pernas... Aliás, desde a morte deles está montado uma espécie de altar ou de “santuário” ali na Arcade Egipcian, com fotos dos dois, signos íntimos, velas queimando etc., mais uma caracteristica de templo ou de catacumba deste monstruoso monumento, idéia astuta da ditadura dos mercados e dos bancos... E a multidão se acotovelando de um lado para o outro, cada um, de seu jeito, tomando consciência de sua pobreza e de sua indigência... Fazem fotos aqui e fotos ali. É preciso provar lá na tribo que se esteve na Harrods. Na frente a esposa, a mãe, a filha, a cunhada e às vezes até a babá, que vão como antas devorando e comprando tudo e atrás ele, meio barrigudinho, do gênero simpaticão, com quatro cartões de crédito já a mão, beliscando um caviar aqui e uma azeitona acolá. Normalmente é Chefe de gabinete, DAS6, governador, deputado, juiz, ou presidente de alguma Ong em algum país subdesenvolvido desse miserável planeta. Para a plebe e para os simplórios que vivem se perguntando: com tanto dinheiro já acumulado, por que é que os políticos e os empresários continuam roubando, roubando e roubando? O que querem fazer, afinal, com tanto dinheiro?, eu lhes respondo: vir ao  Harrolds. O luxo é um vício parecido ao da heroína, ele dá não só a sensação, mas também a certeza de estar acima do bem e do mal ao viciado... A moda é, entre todas as religiões, a mais bem sucedida da terra. Um crucifixo, o Corão ou o Talmud perto de um vestido ou de um perfume das grandes marcas não significa absolutamente nada. Caminha-se, caminha-se e passa-se daí para outro Departamento, o de bolsas, denominado – vejam a malandragem dos negociantes - Room of  Luxury. Aí sim é que se ouve em coro os murmúrios e a excitação das mulheres. Só que aqui, devo lembrar, o murmurio é bem diferente do murmúrio que se ouve lá naquela outra loja que lhes falei anteriormente onde se vendem quase só trapos. Aqui há evidências reais de sensualidade, porque, qualquer um lembra, dinheiro e sexo sempre estiveram vinculados pelos séculos a fora. E depois, quem é que não sabe o significado freudiano de uma bolsa? De uma bolseta?  Apesar de fazer de tudo para reprimir um antigo impulso de meu caráter, de vez em quando, no meio de todo esse frenessi, me surpreendo olhando para uma ou outra das mais provocantes e exóticas clientes e me perguntando mentalmente: Quanto esta estará cobrando???


Mais estátuas decorando esse pedaço de parnaso. Sereias, pavões, aves do paraíso, rococós do Oriente Médio, cada sala com um perfume característico e tudo turbinado por uma música de Vivaldi vinda por detrás das imensas colunas. Dizem que Freud e Oscar Wilde passavam por aqui sempre que lhes sobravam algumas libras para torrar.. Departamentos de cristais, as vacas sagradas da moda, e das jóias, e das canetas, e dos perfumes.  Até leões, cobras e barras de ouro dizem que se pode comprar aqui. Tudo, absolutamento tudo. A idéia do fundador era exatamente esta, ter a disposição dos clientes desde agulhas e de botões até elefantes e latifundios na Amazônia (o cinismo é meu). Depois de horas de inebriamento, quem quiser pode descer ou subir para uma das tantas toaletes. Desci para uma que fica praticamente dentro de um setor de perfumaria. Outro show de civilização e de harmônia entre côres, cheiros, formas e luzes. Nenhum vestígio e nenhum estímulo sensorial  escatológico. Talvez aqueles mais pudorosos nem se atrevam a urinar e muito menos a defecar sobre aquelas louças, pois sabemos que nada fragmenta mais o ego do burgues do que ter que cagar no meio de tanta beleza e de tanto luxo!!! Enquanto mijava ia lembrando de um discurso de Lênin a seus seguidores onde ele prometia que se a revolução desse certo,  um dia o proletariado teria até pênicos de ouro... O designer das torneiras, só havia parecido (segundo os jornais da época), na antiga Casa da Dinda. Todos os detalhes pensados. Não há nada que você diga: Ah, se fosse assim ou se fosse um pouco mais para cima ou para baixo, nada. Tudo na medida certa, no tempo certo, na graduação certa. E, para concluir, quando você está saindo, achando que já desfrutou de tudo naquele lugar de tantas e miseráveis intimidades, eis que sobre uma bancada de mármore, rapinado possivelmente das arábias, e sobre uma peça de linho branco te espera um vidro verde de loção Giordio Perla. Quer mais? Em cada uma das quatro saídas (uma cada lado do quarteirão) fica um policial bonachão vestido de verde oliva, com boné e sobretudo da mesma cor que, apesar de lhe dar um aspecto idêntico ao daqueles terríveis generais da Gestapo pronuncia gentilmente em sua direção um soberbo Thank you very much, mesmo que você não tenha gastado nem meia libra lá dentro. Que fazer, velhos e acabados camaradas? A história foi assim e estas são apenas algumas das malditas sutilezas e das malditas seduções do heróico e vitorioso capitalismo...

Nenhum comentário:

Postar um comentário