segunda-feira, 31 de maio de 2010

DIONISÍACAS - NA ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS...

Esteve na cidade o conhecido teatrólogo paulista mostrando seu Dionisíacas, uma mistura de mitologia grega dançada, cruzada com anticlericalismo, umbandismo, xamanismo, sexismo, samba, marxismus, Bossa Nova, Oswald de Andrade etc. Só faltou Dionísius ao lado de uma fogueira fervendo umas raizes de ayuhuasca. Mas foi divertido. A platéia parecia hipnotizada com a nudez dos personagens, as tetas e o púbis saliente e quase albino das bacantes e o pintinho em miniatura dos moços. Até o diretor, em determinado momento, desde seus setenta e tantos anos, exibiu seu orifício para a platéia durante uns vinte ou trinta segundos. Todo mundo aplaudiu e suspirou como se realmente estivesse na ante-sala de uma das orgias ou dos bacanais atenienses. Mas que nada. Era apenas drama/turgia, arte, performance... Diversão... Fantasias infantis de (ver) e (mostrar) que insistem em seguir seu caminho fictício e pansexual. Era apenas o exibicionismo e o voyerismo atuados entre mil racionalizações e mil disfarces. Nada grave. Tudo primitivo. Tanto infantil como senil. E depois, apesar do blábláblá dos estudiosos e dos perversos, sabemos que  as próprias festas dianisíacas eram mais para encher o rabo de pitas, boureki e anis do que para fornicar. 
Muitos dos que estavam presentes devem ter-se lembrado de Hair, aquela peça ingênua dos anos 60 embalada por muita maconha e pela música Aquarius. (quem quiser  pode ouví-la no vídeo abaixo).

Mais interessado nos bastidores de cada personagem de que em sua atuação liturgica no “picadeiro” fui acompanhando o movimento dos barcos e pensando: dois truques milenares evitaram que a humanidade se extinguisse, um metafísico e um sociológico: a fé em uma ficção transcendente e a vestimenta.


http://www.youtube.com/watch?v=X_74qLAAd7w&feature=related

sexta-feira, 28 de maio de 2010

THEATRO MUNICIPAL E NACIONAL - (Re)inauguraram o circo, agora é preciso (re)inaugurar as padarias...

Cercado por mendigos, pedintes, camelôs, aleijados, batedores de carteira, negociantes, piranhas, travestis, bicheiros e homens públicos, o antigo prédio do Theatro Municipal do Rio de Janeiro reaberto ontem, lembra a parábola bíblica das pérolas aos porcos. Tempo de reforma: 800 dias. Gastos: 80 milhões. O que significa uns dois milhões e meio por mês e tudo por amor à arte. Parece que foi reaberto com Villa Lobos e Chopin, mas só para “autoridades”. Na programação do semestre estão previstos Il trovatore (uma das velhas lengalengas de Verdi) e nada mais nada menos que a xaropada de Romeu e Julieta. É curioso e quase um enigma o fato da burguesia intelectual e dos novos ricos não evoluírem e não deslancharem mentalmente! Bem que poderiam ter oferecido aos teatrolatras algo mais condizente com a realidade local e até bem mais moderno. Na overture de ontem, - por exemplo – poderiam ter contratado Roberto Carlos e Agnaldo Timóteo e nos primeiros eventos da programação do ano A gaiola das loucas e/ou O bandido da luz vermelha. Um dos contrabandistas de material pirata que vende há décadas ali na Cinelândia, jurou ter conseguido um convite com um amigo vereador, mas que, ao invés de usá-lo, preferiu vendê-lo para a filha adolescente de uma socialáite. Esse próprio trambiqueiro – que assistiu atento a chegada dos convidados – assegurou a outro marginal das redondezas que se a "Lei da ficha limpa" valesse também para o Teatro, mais de dois terços do auditório teriam ficado vazios...

quarta-feira, 26 de maio de 2010

E aí, cidadão banana! Já se intoxicou de propagandas enganosas e de mentiras convencionais hoje?

 Já leu os quatro Diários que enfiaram hoje por debaixo de tua porta? E já assistiu a uma meia dúzia de jornais televisivos? O rádio amanhece e dorme ligado em tua casa? Já ouviu as recomendações de teu pastor ou de teu guru? Os discursos dos presidenciáveis? A lista dos novos medicamentos e dos novos Protocolos médicos? A relação dos livros mais vendidos? Já anotou as novas estatísticas sobre o crack, os impostos, o ópio, o clima, a fornicação entre nações, o porvir do mercado imobiliário e já comprou teu album da Copa? Ah, "graças a deus" já tens conceitos formados sobre desmatamentos, sobre a Bolsa, energia solar e mortalidade infantil? Ah, então é por isso que estás aí esticado nessa poltrona palitando os dentes como um demente e arrotando como se levasses nessa baita barriga um estoque interminável de verdades. Mesmo assim, rever o vídeo no endereço que segue pode até servir-lhe para alguma coisa.





segunda-feira, 24 de maio de 2010

OS GALOS, OS EMPADÕES E OS MASCARADOS DE PIRENÓPOLIS...

Todos os anos, há mais de um século, a cidadela de Pirenópolis, em Goiás, encena durante as Festividades do Divino, a briga entre cristãos e mouros, anedota que vem lá da época das ditas Cruzadas. Uma bobagem que para o bem da espécie já deveria ter sido esquecida, mas que é eternizada porque rende muito à igreja, aos políticos da região e principalmente aos donos de pousadas cujos preços, nesta época, ficam mais altos que os de qualquer outra metrópole do mundo. Eu, particularmente, compareço sempre e por três razões: a fogueira, que é levantada quase em frente à Matriz (reformada recentemente por uma verdadeira fortuna); os mascarados, que exibem  as mais tenebrosas coreografias sobre seus pangarés e, claro, os empadões que se pode comer em qualquer boteco. Estas são, cartesianamente falando, as razões que me fazem estar sempre lá nesses dias, mas há outro motivo, e este, de ordem simbólica, que faz da cidade, para mim, algo especial: o canto dos galos. Quem já pernoitou lá sabe que pelas cinco e meia da madrugada começa a cantoria. Um abre o peito em baixo da janela, outro responde de imediato lá nas margens do Rio das Almas. Um terceiro se apresenta nos fundos do pátio de uma prataria que é logo contestado pelo que habita uma casinha modesta na encosta dos Pirineus ou por outro que está confinado numa gaiola da feira e assim por diante durante uma meia hora. Então, misteriosamente, voltam a emudecer e a devolver um silêncio quase mortuário à cidade. Um dia, talvez, ainda chegaremos a descobrir o que cada um desses pobres galináceos, desde seus haréns e de suas trevas pessoais transmite e revela para os outros.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

MINHAS MAIS VERDADEIRAS CONDOLÊNCIAS ÀS COBRAS DO BUTANTAN... (2)

Enquanto os últimos bispos já arrumavam as malas e partiam para  o aeroporto; enquanto a marcha dos dois mil homossexuais chegava entre  cólera e  euforia em frente aos ministérios, enquanto os prefeitos, -  bebericando no luxuoso Golden Tulip - ouviam as promessas vãs dos "presidenciáveis", índios de várias etnias - que estão há meses acampados frente ao Congresso, quase em baixo das cachoeiras do Ministério da Justiça  - pelejavam corajosamente com a Polícia Legislativa da Câmara. Socos, coices, maldições, arranhões, gravatas, cusparadas, gritos, covardias, pontapés. Uma senhora índia desmaiada, um índio com a perna quebrada, outro tonto depois de ser agredido com um cassetete elétrico, um polícia só de cuecas, outro abobalhado depois de levar um cruzado de um manifestante e a índia Munduruku agarrada ao pescoço do representante do CNPI. Só não lhe deu uma joelhada no saco porque a confusão foi demais. Pauta dos índios: revogar o Decreto Presidencial 7.056 que praticamente privatiza a FUNAI. Pauta dos governantes: ganhar os índios pelo cansaço. Deixá-los mais alguns meses humilhados e pisoteados ali em suas improvisadas choupanas de plástico expostos aos DAS 6 que passam de nariz empinado e de cuequinhas de seda no banco traseiro dos carros oficiais.
Mas isto foi ontem. Hoje de manhã tudo já parecia estar Zen na “aldeia”. Às seis horas já havia um índio tocando seu violão de cara para o sol, um velho estendendo uns trapos num varal e uma mulher sorridente banhando seu filho enquanto um tufo de fumaça subia em direção às vidraças do Ministério da Justiça.
Independente de qualquer frescura romântica ou rousseauniana, é difícil encará-los sem experimentar uma espécie de vergonha. Mesmo que não tenham consciência ou que não o digam, devem pensar de nós o mesmo que pensavam outrora daqueles fazendeiros brutais e estúpidos que os contaminavam deliberadamente com o vírus da varíola ou do sarampo e que depois, quando a febre chegava a níveis insuportáveis, deixavam que, para escapar ao sofrimento, se matassem entre eles, uns aos outros, afogando-se nos riachos ou se destroçando o crânio com pedaços de pau e de pedras...

terça-feira, 18 de maio de 2010

MINHAS MAIS VERDADEIRAS CONDOLÊNCIAS ÀS COBRAS DO BUTANTAN...

Voltar ao Brasil e principalmente para Brasília é sempre embarcar na possibilidade de inúmeras surpresas, uma mais exótica que a outra. Tocaram fogo no Butantan e sapecaram milhares de répteis em SP - por exemplo. Aqui, em frente ao Congresso Nacional esteve montada até ontem uma espécie de igreja aonde mais de 300 bispos vieram participar da 48ª Assembléia Geral dos Bispos do Brasil e também do Congresso Eucarístico Nacional. De tantas freirinhas, padrecos e beatos, quem passava pela Esplanada dos Ministérios tinha a nítida impressão de estar na Praça do Vaticano numa Quinta-feira de Ramos. Em pauta o excesso de testosterona nas artérias dos representantes de Deus e os recorrentes enrabamentos de coroinhas e de seminaristas. Nesta semana também chegaram a Brasília milhares de lésbicas, gays, travestis, bissexuais, transexuais etc, para o VII Seminário que está acontecendo no Auditório Nereu Ramos do Congresso Nacional. Amanhã uns 2000 membros sairão de frente da Catedral (ainda em reforma) para a I Grande Marcha Nacional. Em pauta: a mudança de nome dos transexuais; a legalização do casamento entre pessoas de mesma genitália (e nós que tanto lutamos para que o casamento em si fosse considerado a pior das aberrações); e a aprovação da lei que torna crime a "fobia" ao homossexualismo etc. Também está marcada para amanhã a 23a Marcha Dos Prefeitos de todo o país. Em pauta: a defesa dos municípios e a “troca de experiências” que, em outras palavras significa: a socialização dos truques para apropriar-se das mamatas e das tetas do Estado nestas vésperas de eleições. Quem fica realmente fascinadas com a vinda e com as "diárias" desses "executivos" são as nossas "meninas da noite".
Sinceramente, é por essa e por outras coisas do gênero que Brasília se torna suportável.  O espetáculo desta semana não poderia ser mais transcendente, metafísico e nem mais emocionante. Pena que as três confrarias não tiveram a idéia de desfilarem juntas numa GRANDE MARCHA...

sábado, 15 de maio de 2010

Últimas notícias de Buenos Aires...

Os aviões despencam sobre Ezeiza, Piazolla  estrebucha sobre seu bandoneon enquanto  o taxista vai dirigindo perigosamente e falando demais. Os argentinos falam demais! Os brasileiros igualmente! Os paraguaios idem! Há uma inflação de palavrórios no mundo e a terra se parece cada dia mais a um inferno de tagarelice. A língua se enrola, dá nós e voltas. Late-se. Repetem-se os mesmos movimentos com os mesmos sons e com as mesmas palavras. Os lábios, a língua, a saliva, os dentes, os maxilares, a garganta, a traquéia e a faringe, o pescoço, até as obturações tomam parte nesses festins lingüísticos de todas as horas. Mas, se não fosse a fala, talvez já tivéssemos entrado em combustão espontânea. Latir! Eis aí nosso maior ofício! Ouvir-se sistematicamente como prova de que ainda se está presente em algum lugar. Comprovar dia após dia e hora após hora –como escreve Camon - que a palavra não é o veículo e nem o signo de nosso mal, mas sim o próprio MAL. Descobrir, enfim, que é a própria língua que está doente.

http://www.youtube.com/watch?v=XLVJxxq0ncU

quinta-feira, 13 de maio de 2010

NOTICIAS DE BUENOS AIRES 4...

Corrientes, 348, quien sube al segundo andar... sin portero y sin vecino, solo el amor há de encontrar... etc, etc. O famoso cabaret localizado no número 348 da avenida Corrientes, que no passado alimentou ilusões orgásmicas  e tirou o sono de muitos marmanjos, hoje é apenas a entrada de uma garagem anônima. Mas existe o café da Avenida de Mayo 800, ou a confiteria Richmond, lá na Florida 468, locais onde os bandos de turistas brasileiros gostam de ir em busca de (media luz) e de prazeres substitutivos. Um licor aqui, um Chandon ali. Uma torta de maçã acolá, sempre intercalada com bons tragos de descafeinado para que o coração não dispare... As manchetes do Clarin, um ouvido no violinista que está lá na outra calçada e até mesmo a leitura de uma ou duas páginas de um ensaio qualquer... Que escravidão! Será que não fazemos outra coisa além da busca compulsiva de orgasmos... y asi se van los dias...
Está escrito nas páginas 9 e 10 do livro de Margolis: “El teólogo británico Malcom Muggeridge declaró en los años sesenta que [el orgasmo ha reemplazado a la cruz como el centro de deseo e imagen de realización]. (...) Tan arraigado como el deseo de amar (quizá más que este para la mayoria de los seres humanos), el insaciable deseo del orgasmo há formado y destruído matrimônios y dinastias, inspirado la poesia, el teatro y lãs novelas, destruido la salud através de enfermedades sexuales, y a sido el anhelo universal que inspiro una industria global basada em el sexo, desde la moda y el cine hasta la pornografia (...) Desde el punto de vista físico el orgasmo es, para ambos sexos, poco más que un éxito aislado. Si tenemos en cuenta a hombres y mujeres, dura en promedio diez segundos cada uno. Con una frecuencia media de uno o dos actos sexuales semanales, la mayoria de los seres humanos experimentan solo veinte segundos de orgasmo por semana, aproximadamente un minuto por mês, es decir, um total de doce minutos de éxtasis por año. Si consideramos un periodo de vida sexual activa normal (quizás algo optimista) de cincuenta años, podremos disfrutar algo asi como diez horas de orgasmo; veinte o treinta para aquellos que se masturban con frecuencia".


quarta-feira, 12 de maio de 2010

Notícias de Buenos Aires 3....

As estruturas sociais, éticas e morais dos países latinos americanos parecem cópias umas das outras e as cartilhas sobre pobreza, violência, corrupção, saúde, abusos, bancos, leis, partidos etc, meras réplicas. Até os truques e cacoetes da imprensa têm a monotonia similar a dos países vizinhos. E, curiosamente, tanto os heróis deles, como os nossos, aparecem nas praças ou nos bulevares sempre montados, o que, segundo Vargas Vila, e pelo que sabemos de nossas histórias, só podem ter sido homenagens póstumas aos cavalos. Depois de dez anos de reformas e de cambalachos, o Teatro Cólon voltará a funcionar neste mês. As mães da Plaza de Mayo não apareceram. A que magnitude deve ter chegado  a dor dessas mulheres ao saber que seus filhos haviam sido lançados ao mar por uma troupe de retardados??? "Desagradável, brutal e breve" foi como Hobbes descreveu a vida primitiva...

Aquisições nos sebos da Av. Corrientes:

1. La conspiración de los idiotas - Marcos Aguinis, 299 páginas.
2. Camposanto - Iker Jiménez, 379 páginas.
3. Elogio de la culpa - Marcos Aguinis, 235 páginas.
4. Firmin (la rata culta) - Sam Savage, 222 páginas.
5. História íntima del orgasmo - Jonathan Margolis, 345 páginas.
6. Cementerio de la Recoleta  - Fotos de Cecilia Pastore, textos de: Andrea Attardi, Eduardo Lazzari e Pablo Williams, 152 páginas.
7. La enfermedad llamada hombre - Ferdinando Camon, 210 páginas.

Notícias de Buenos Aires 2....

O mármore, o granito, o luxo, a elegância e a estética das butiques de La Ricoleta estão presentes também no cemitério de mesmo nome, onde apodrecem os restos de personalidades nacionais e também os da Evita. Alguns sindicalistas peronistas deixaram-lhe flores ontem, como se a ela e aos mortos em geral ainda lhes interessasse alguma coisa. Intelectuais e admiradores estrangeiros desavisados passam horas ali procurando a lápide do Borges, só que ela está lá num cemitério suíço. Para quem escreveu História de la noche, talvez esta solidão latina e porteña lhe parecesse insuportável... A cidade fervilha. O Circo de Marseille hipnotizou uma multidão  na Plaza San Martin. Apesar de parecer impossível, já que dizem que o Estado é “laico”, quem decidir visitar La casa rosada vai encontrar logo na entrada um altar com uma Nossa Senhora imensa. Bem em frente, na Plaza de Mayo, e no mesmo dia,  presenciei uma gigantesca manifestação (ateísta?) em defesa da liberação da maconha. É curioso - dizia um forasteiro e ex-militante tupamaro – que só sobraram três grandes lutas sociais no planeta: 1. A luta dos gays (pelo direito de enrabarem-se mutuamente); 2. a luta dos drogadictos (pelo direito de passarem a vida drogados e alucinados) e 3. a luta dos religiosos (pelo direito de seguirem miseravelmente acreditando e esperando por um Salvador).

http://www.youtube.com/watch?v=fsAGpw5uwDU

domingo, 9 de maio de 2010

Notícias de Buenos Aries 1

Muita gente vem a Buenos Aires apenas para comer uma chuleta com batatas na Tucumã esquina com Florida, outros, para se enclausurarem na Livraria Ateneu. Qual das duas intoxicações será mais grave?  Cheguei por casualidade no dia do nascimento de Evita, essa mulher mito que ainda alucina aos argentinos, só perdendo para o desvairado Maradona. Se tivesse que opinar sobre ela diria o mesmo que Nietzsche disse de George Sand. A primeira vez que estive aqui foi há quarenta e dois anos atrás, quando ainda era obrigatório, para um adolescente, usar uma boina tipo Che Guevara e saber recitar um ou dois poemas de Cho En Lai. Tempo em que, evidentemente, ainda não havia lido Lettre á la jeunesse, de Zola. Com 4 graus lá fora, a melhor coisa que se pode fazer é meter-se sob as cobertas, neste hotelzinho de San Telmo. A moça que ocupa o quarto de cima chegou de madrugada e deixou cair no assoalho de madeira a pérola de um de seus brincos.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

COME TUDO SUA CACHORRA...

Independente de ela ser realmente adepta de uma seita de Satã – como dizem - o caso da madame de Ipanema que torturava a menina adotiva está ganhando magnitude surrealista e estratosférica num país infestado por um falso moralismo, por bacharelices emergentes e de todo tipo, e principalmente onde a grande maioria das crianças é secretamente indesejada, rejeitada, humilhada, xingada e tratada como estorvo em suas casas. Se as domésticas passassem a abrir o bico sobre aquilo que testemunham nas mansões dos grãfinos, nas residências da classe média e mesmo lá na solidão tenebrosa  dos cortiços, a sociedade, desmascarada, entraria rapidamente em colapso. 

E depois, qualquer um sabe que a história da humanidade foi alicerçada também sobre inúmeros e incontáveis infanticídios. Aqui mesmo, nestes inconseqüentes e infelizes trópicos, já no final da Guerra do Paraguai, nossos heróicos soldados degolaram mais de três mil crianças paraguaias. Corpos que o eminente Conde D’Eu deu um fim mandando tocar fogo nas macegas. Dia 16 de agosto é comemorado El dia del nino no Paraguay, em memória a essa ignomínia.

obs: Se você quer saber mais sobre infanticídios e filicídios leia meu livro: A lógica dos devassos (no circo da pedofilia e da crueldade)

terça-feira, 4 de maio de 2010

UM ÚNICO CARRASCO PODERIA SUBSTITUIR UM TRIBUNAL INTEIRO (Kafka)

Leio com os cabelos arrepiados no último Boletim Eletrônico do Núcleo de Sociabilidade Libertária: 


I. “No mais, porém, ele permanece tramitando e continua a ser encaminhado ─ conforme exige o trânsito ininterrupto dos cartórios ─ aos tribunais superiores, volta aos inferiores e assim, como um pêndulo, ele sofre, de cima para baixo, oscilações com impulsos maiores ou menores e maiores ou menores paralisações. Esses caminhos são imprevisíveis. Visto de fora, o processo pode assumir o aspecto de que tudo está há muito tempo esquecido, os autos perdidos e que a absolvição é plena. Um iniciado não acreditará nisso. Nenhum dos autos se perde, o tribunal não se esquece de nada” (...) “Um único carrasco poderia substituir o tribunal inteiro” (Kafka).

II. “E a peste cada um a traz consigo, porque ninguém, sim, ninguém no mundo, está imune” (Albert Camus).

III. “Meu passeio me leva ao abismo” (Egon Schiele)

IV. “Olhando para trás, o perigo direto de ser visto. Alerta para fugir. De repente. A toda pressa. (...) bem sei o que me espera. Pau e pedra. Massacram e arrebentam. Soco e pontapé. Me afundam cada olho com o polegar. Me quebram a perna em três pedaços. (...) sorte minha se for linchado ali mesmo. Suspenso de ponta-cabeça no primeiro poste. Famílias inteiras virão de longe para ver. Ali, pesteando os ares. O circo de urubus festeia no limpo céu azul (...) sobreviver é para sorte pior. A medonha jaula. A cadeia. Ela, não. por favor (...)” (Dalton Trevisan).

V. “O que importa pois a materialidade do suplício? O que importam todos os sistemas penitenciários? O que fazeis deles, é para satisfazer a vossa sensibilidade, mas eles são impotentes (...) Se as coisas pudessem ocorrer de outra maneira, a pena deixaria de ser proporcional ao delito e não seria mais do que uma ficção, não seria nada” (Proudhon).

VI. “As pessoas adoram lançar a polícia contra tudo aquilo que lhes pareça imoral, por mais tolo que seja, e essa fúria popular para defender a moral protege a instituição policial mais do que qualquer governo” (Max Stirner).

VII. "Diante da lei há um porteiro! Na cela, o indivíduo no seu próprio tufão: lei da morte na prisão como livre-arbítrio: mate-se ou nós te mataremos com chutes, porradas, pisoteamentos, espetadas, estocadas, até deixar informe a carcaça para a autópsia, a exposição pública, etc; etc... Um corpo dependurado e final feliz até eclodir outro efeito puritano que climatiza o turbilhão dos desejos. Eis o suicídio aceito pela sociedade! O morto se destaca do anonimato pela última vez, mais um suicidado pela sociedade".

sábado, 1 de maio de 2010

Parada Disney, Nestlé e seus respectivos palcos...

Na semana passada foi a chamada Parada Disney que mobilizou milhares e milhares de famílias carentes e desvairadas de nossa periferia (quase medieval) para a Esplanada dos Ministérios. Hoje, Dia Internacional do Trabalho, foi a Nestlé (dona das vacas e do leite nacional) com o circo que está patrocinando. Bastava o sujeito comprar um sorvete, uma lata de leite, uma água ou qualquer outro subproduto com a marca da multinacional para ter direito a um ingresso grátis. Meia hora antes do previsto já não havia mais cadeiras disponíveis. Tanto as criancinhas “angelicais” como suas respectivas e ignorantes mamães estavam lá, de olhos arregalados e felizes a meio metro do picadeiro. O clássico circo & pão de outrora agora é circo e sorvete ou circo & iogurte. Foram-se os tempos em que tanto a Disney como a Nestlé eram empresas malditas e combatidas ferrenhamente pelos “revolucionários” da América Latina. Foram-se os tempos em que o dia do trabalho era naturalmente um dia incendiário. Hoje, parece estar todo mundo feliz na sua escravidão com seus carrões e com suas banhas. Só há circo e sorvete, música caipira, grupos gospel, histéricas com camisetas de seus times ou de seus heróis literalmente cegas para a psicopatia dos políticos que corre solta nos palanques. Por mais que os neófitos e os particularmente beneficiados com essa farsa esperneiem, é impossível seguir ocultando  que não há esquerdismo, revolucionarismo e até mesmo anarquismo que não seja facilmente sufocado com um “cargo de confiança” ou com um graúdo contracheque.

Ezio Flavio Bazzo