domingo, 31 de janeiro de 2010

“ENCHA-SE O VÁCUO!” Teria ordenado um dos canalhas Deuses maias. E, a partir daí, caímos nessa fria...

A preocupação malandra e quase religiosa dos administradores das cidades sempre foi a de proporcionar algum tipo de lazer à comunidade: uma feira, uma missa, um folclore, uma olimpíada, um “Chicletes com banana” ou outro truque qualquer tipo “pão e circo” para, pelo menos aos sábados e aos domingos, “baixar a pressão” da turba. Em absolutamente todos esses eventos o batuque e a música estão incluídos. Por mais broncos que sejam os tais administradores, sabem que há algo de poderoso na música, alguma coisa da natureza do Valium, seja na simples rouquidão de uma rebeca ou na parafernália eletrônica com seus malditos potenciômetros. Neste final de semana aqui no DF – por exemplo – se pôde ir tanto à Granja do Torto para ver o folclore da Folia dos Reis, como ao Museu da República, ao projeto Férias com Arte, ouvir Frejat. Se lá com os violeiros caipiras dava para ver e sentir a poeira levantando do sapateado do cateretê e depois comer marmelada fabricada numa comunidade quilombola, ali ao lado da catedral em reforma, sob o clarão de uma lua maliciosa, estava a oportunidade para colocar os tímpanos a prova, respirar fumaça de hashiche vagabundo e ver as meninas se beijando languidamente na boca. Por mais que a polícia estivesse lá, atenta a algum tipo de “crime”, o maior deles provinha impunemente das caixas de som, uma espécie de OM dos imbecis, arrebentando os miolos do frenético populacho. Algumas pessoas que conheço acreditam, com razão, que o inferno não será de chamas, mas sim de barulhos e de acústica.

Ezio Flavio Bazzo


sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O TÉDIO ENTRE AS MONTANHAS DE DAVOS...

Desta vez o fracasso de Davos, desse cantão Suíço cheio de encostas, de nevascas, de salsichas e de avisos germânicos, ficou evidente. Escolher a Suíça para esse teatro anual só pode ter sido uma ironia, pois é exatamente ali que estão os bancos onde os gatunos do planeta inteiro camuflam o vil metal. A melhor imagem que consigo construir desse vilarejo, nesta data, é a de um ninho gelado para onde regressam de quando em quando as mesmas e conhecidas aves de rapina para ali afiarem-se mutuamente as unhas e os bicos. Para ali afagarem-se as penas, ruminar carniças e mapear os estômagos pelo planeta a fora. Cada um mais farsante que o outro. O discurso de Nicolas Sarcozy antes de ontem – por exemplo - foi mais radical que todos os de Lênin e de Trotsky juntos. A hipertensão poupou Lula de ir fazer o dele que, certamente, seria mais radical e mais libertário que os de Bakunin. Palavras! O Haiti está lá, com toda sua podridão, para fazer um contraponto a essas demagogias. Apesar da megalomania de poder, que solidão terrível deve abrigar os cérebros e as tripas dessa gente! Ir lá fazer proselitismo da paz, dos direitos humanos e da distribuição de rendas sabendo como vive 80% da humanidade é a mesma coisa que ir a um bordel defender o hímen ou a castidade das cortesãs. O que é quase inacreditável, é que apenas trinta ou quarenta desses búfalos engravatados e vaidosos tenham a capacidade de subjugar o planeta inteiro e de enganar por tanto tempo a seis ou sete bilhões de energúmenos. Mas, por sorte, a Suíça não lembra apenas a picos nevados ou a bandidos. Recorda também a Jung, o velho alquimista da “alma”, aquele que descrevia assim a doentia e miserável relação entre os sujeitos: [... É preciso que tu aceites, que tu legitimes e que tu reforces a imagem que eu tenho de mim! Caso contrário, eu te privarei de meu amor, te punirei, te abandonarei ou até mesmo te matarei...]

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Lautréamont falando de uma aranha...

[...Yo que hago retroceder al sueño y a las pesadillas, siento que se me paraliza la totalidad del cuerpo cuando ella sube por los pedestales de ébano de mi lecho, me aprieta la garganta con sus patas y me chupa la sangre con su vientre, con la mayor naturalidad...]

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

POT POURRI DE CHARADAS AVILTANTES E VICIOSAS...

Com dinheiro do Ministério da Cultura e de “Organizações Não Governamentais” começará a funcionar em março, na cidade de Campinas (SP) um curso para gays. Na grade curricular já está prevista inclusive, uma formação para Drag queens. Alienada, a juventude brasileira está ansiosa com a vinda ao país daquele roqueiro idiota que entre um show e outro, costuma gabar-se de fazer caçadas aqui pelo que ainda resta de nossas florestas tropicais. Furiosos, os ecologistas devem lembrar-se de outro gringo, o presidente Roosevelt que também veio testar sua espingarda e sua pontaria em nossos animais e, com um agravante, ciceroneado pelo ilustre Marechal Rondon. Os abutres da “reconstrução do Haiti” começam a levantar vôo e a sobrevoar os destroços. Queira-se ou não, sua doação irá diretamente para os cofres desses corsários. Soldados britânicos no Afeganistão começarão a receber fuzis com citações bíblicas na mira. Gesto de Santidade da Rainha! Num semáforo da W3 norte, um homem de uns quarenta anos usa seu currículo para esmolar: havia saído recentemente de uma longa reclusão penitenciária. O Ministério da Justiça, a polícia, os carcereiros, os assistentes sociais, os psicólogos etc., todos estão de parabéns por sua evidente e visível capacidade de “reeducar” e de “reintegrar” esses supostos transgressores. E por falar nisso, a mãe de um dos cinco garotos desaparecidos em Luziania (GO), depois de ouvir as vagas elucubrações da justiça sobre o possível destino de seus filhos, levantou a hipótese de ter havido interferência de extraterrestres. Prestem atenção como logo aparecerá alguém tão desesperado quanto ela para fazer uma interpretação ainda mais metafísica. Enfim, não foi por acaso que vários pensadores chegaram, cada um em seu tempo, às mesmas conclusões sobre a sociedade: “uma charada aviltante e viciosa”.

Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

JOGARAM MERDA NA CÂMARA LEGISLATIVA DO DF

Apesar de ser uma injustiça com os dejetos, bem que Universidade poderia conceder um HONORIS CAUSA aos estudantes que ontem despejaram 250 quilos de merda na entrada da Câmara Legislativa do DF.

Os acontecimentos dos últimos dias nessa casa – a respeito da Operação Caixa de Pandora - têm servido para explicitar:

1. Quanto a linguagem e as palavras são volúveis e rameiras;

2. Como é crônica e grave a doença que reside no cerne da política;

3. Como é assustador e vergonhoso o primarismo esquizóide das leis e da justiça (trapaceia-te a ti mesmo!);

4. Como fede a baixezas a cloaca que é o Estado;

5. O quanto é falacioso o sistema vigente e, por fim,

6. Como é resistente e incurável a podridão da espécie.



Ezio Flavio Bazzo







terça-feira, 19 de janeiro de 2010

HAITI: "As provas de que Deus não protege a humanidade estão por toda parte".

No café da esquina dei de cara com um sujeito que há muito está em conflito com sua fé. Hoje estava particularmente desolado com o terremoto do Haiti. Trazia um jornal amassado sob o braço e exibiu-me com horror aqueles montes de cadáveres pelas ruas de Porto Príncipe. 
 
Como já sabe meu conceito sobre “teístas” e “religiosos” sentou-se a meu lado, pediu-me paciência e foi logo desembuchando: Não pense que caí no ateísmo, mas confesso que estou duplamente confuso com meu deus. Primeiro, por ter matado de forma tão cruel e bárbara além de milhares de miseráveis, a Zilda, uma de suas mais devotas beatas e dedicadas militantes. E segundo, como teve a falta de ética e o descaramento de, depois de destruir completamente a cidade deixar incólume e ilesa, no meio dos escombros, a cruz onde seu filho estava crucificado?
 
Fiquei em silêncio, e ele, me olhando nos olhos, exigindo uma frase, uma ironia ou mesmo uma blasfêmia. Pensei em listar-lhe as últimas vinte ou trinta desgraças planetárias, cada uma com milhares de crentes despedaçados, mas quando percebi que sua ansiedade estava no limite perguntei-lhe se lembrava da frase de Sam Harris que em outra oportunidade eu já lhe havia recitado. Moveu negativamente a cabeça. Tomei o último trago de café e a repeti no ritmo de uma oração: [Se Deus existe, se é ao mesmo tempo onisciente e onipotente, ou Ele não pode fazer nada para impedir as mais terríveis calamidades ou então Ele não tem interesse nisso. Portanto, ou Deus é impotente, ou então é mau]. 

Ficou imóvel. Seus olhos se encheram de brilho. Até a música caipira que vinha do subsolo parecia um cântico gregoriano. Esperei uns segundos e concluí: Por mais doentia que seja a fé não é mais possível ignorar que: ou Ele é menos que uma falha tectônica ou Ele têm um caráter sanguinário.

Ezio Flavio Bazzo

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

"Yo seré tu espejo" no significa "Yo seré tu reflejo" sino "Yo seré tu ilusión" (J. Baudrillard)

Sempre que podem os jornais e a Interpol voltam a repetir as mesmas e macabras manchetes a respeito das meninas “goianas” que vão prostituir-se na Europa e na América. Falam em milhares...

- Quê luxo! Pena que não possam exercer sua profissão com dignidade aqui entre nós! – ironizam descaradamente os cabotinos. E depois completam: se os jogadores de futebol podem, por que elas não?
E é natural que o mundo leigo se identifique e se compadeça delas, mas talvez nem seja necessário. Quem conhece a sexualidade masculina sabe que não deve ser lá muito complicada essa atividade. Três ou quatro minutos de “sacrifício” e pronto. Um lenço absorvente, uma nova gota de perfume atrás das orelhas, os cinqüenta Euros na bolsa y todo está hecho!.
- Ah, mas vivem pisoteadas por cafetões! Ah, mas estão com os passaportes retidos nas mãos de uma máfia de psicopatas espanhóis ou italianos! Ah, mas devem “fazer o serviço” a dezenas de clientes por noite! Ah, mas corre o risco de serem assassinadas!
Tudo bem, mas o fato de estarem no exterior é o de menos. Visitem nossas beiras de estrada, nossas zonas ou nossos bordéis por aí, para verem a estrutura violenta e criminosa que ainda existe em sua retaguarda. E se for o caso, nem precisam ir aos bordéis, visitem as chamadas famílias no interior e nas periferias de nossas cidades para verem o que acontece verdadeiramente no cotidiano dessas meninas ou mulheres. E se não quiserem visitar as famílias, observem, de longe, as escolas. Visitem as fazendas, os garimpos, as fábricas, o mundo do subemprego em geral. E se nada disso lhes convencer, vão às prisões, às clínicas infanto-juvenis e aos hospitais psiquiátricos e ouçam, por primeira vez, o que elas têm a dizer-lhes. Não é por acaso e nem por ingenuidade que alguém opta por vender o rabo com a ilusão de preservar a alma.
E depois, apesar de todo o blábláblá pastoral e intelectual vigente a respeito do universo feminino, no real, as sociedades ainda continuam dando à grande maioria das mulheres apenas duas únicas alternativas: serem putas de apenas um, para sempre, ou putas de vários, por instantes.

Ezio Flavio Bazzo

sábado, 16 de janeiro de 2010

ARTES, ÁCAROS & UMAS LIÇÕES DE EUDEMONOLOGIA...


Todo mundo se lembra daquele lacaio de Hitler que garganteava: “quando ouço alguém falando em arte, tenho uma vontade súbita de sacar a pistola”. Ainda não cheguei a esse ponto, mas quase. Não com relação à arte em si, mas aos espaços, às chamadas galerias, aos locais onde se armam as exposições etc. Minha guerra contra os aparelhos de ar condicionado religiosamente desregulados nesses lugares e com seus devidos batalhões de ácaros flutuando, parece não ter fim. Hoje mesmo, ao visitar o estupendo trabalho de Tide Hellmeister aqui na CEF, tive que desistir pela metade. Estava diante da moldura de Pedro Maleta (foto ao lado) quando senti os bichos desembarcando em minhas narinas e em minha garganta. Uma mistura de ar frio, mofo, umidade, tinta e fungos profundamente desnecessários. E não pensem que seja hipocondria ou frescura de minha parte. Não. A pessoa que me acompanhava já havia espirrado (e quase expirado) cinco vezes quando resolvi ir falar com o guarda.

-Quem é o responsável por essa merda?

Ele nem teve como responder-me direito, pois estava rouco e com o nariz escorrendo. Caí fora daquela câmara pré-pneumococica resmungando para mim mesmo: Ah,  como faria bem a essa gente umas lições de eudemonologia!!!

Ezio Flavio Bazzo







quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Oh, Erzulie! Nossa Senhora do vudu!

Conhecida como Senhora do vudu, Erzulie é uma das principais divindades lunares do Haiti. Dizem que teve sua primeira aparição sobre uma palmeira no povoado de Ville Bonheur. Ainda há peregrinações para esse local e muitos casais vuduistas continuam escolhendo-a como madrinha, mesmo sabendo que se, por alguma razão, a desagradarem, poderão ser punidos com a impotência ou com a frigidez. Curiosamente, o dia da semana que lhe é dedicado é a terça-feira e o dia do mês é o 12. Dia do grande terremoto.

A respeito do desastre, se os haitianos não tiverem cuidado poderão ser sufocados também por toda a “ajuda humanitária-mortuária” que o planeta lhes está obsessiva e competitivamente enviando. Que culpa e que cinismo terrível as nações imperialistas devem abrigar em seus ossos!

Rapinado primeiramente pelos espanhóis, depois pelos franceses e até hoje pelos mais variados tipos de chacais, o Haiti, apesar da desolação que todos conhecem continua sendo para as transnacionais dos automóveis, do vestuário, dos eletrodomésticos, das religiões, seitas etc.) uma Ville de Bonheur, enquanto a vida dos nativos, tanto por desgraças naturais como por desgraças político-sociais, uma amostra de como deve ser a ante-sala dos infernos. A posição geográfica, a isenção de impostos, a mão de obra disponível e praticamente escrava tem feito dessa ilha caribenha um lugar cobiçado e um ninho para larápios internacionais, a ponto de mesmo o Brasil ter manifestado interesse em implantar lá seus projetos na área de biocombustivel. Segundo sindicalistas haitianos que estiveram recentemente em SP, até o nosso vice-presidente da república teria indústrias têxteis funcionando naquele pequeno território.

Vistas por este ângulo, ao invés de puro “humanismo”, como se propaga,  podem bem ter sido outras as "razões"  pelas quais a ONU instalou tropas terceiro-mundistas lá. Quais? Aplacar a fome e a fúria dos miseráveis autóctones – por exemplo - e não permitir que eles atrapalhem os excelentes negócios dos milionários estrangeiros.

Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Jactanciosos, fodidos e malandros...

Ainda continuam causando excitação, cólera e desvairamento os “elogios” que alguns governantes e jornais estrangeiros derramaram sobre Lula neste final de ano. Discussão tola e quase demente de subalternos.  

Quem é que não se lembra que a imprensa britânica chegou a comparar o então presidente FHC a Julio César? E que as altas cortes de Castilla lhe conferiram o título de Príncipe de Astúrias? Está lá, em toda a história da miserabilidade humana, a vaidade como sintoma e o elogio como astúcia! E depois, essa sempre foi a psicologia mercantilista do Primeiro Mundo para com os jactanciosos, fodidos e nem sempre legítimos dirigentes das colônias. O mais trágico é que todo mundo acredita ou finge acreditar nessa safadeza interesseira e ambiciosa, inclusive os próprios homenageados. 

Mas a “imprensa não é livre e independente?” “A mídia não é ética e não tem soberania?” - Perguntam-se chocados os mais bobocas e os mais ingênuos. A resposta poderá ser encontrada nas duzentas e oitenta e duas páginas de memórias do Jornalista Samuel Wainer (Minha razão de viver).

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Gretchem leva coronhadas na Bahia...

Meu correspondente em Salvador enviou-me a seguinte notícia de jornal: 
[A cantora Gretchen é assaltada e leva coronhadas na madrugada desta terça-feira (5) na avenida Vasco da Gama, em Salvador. Segundo informações da 6ª Delegacia em Brotas, a cantora teria vindo participar de um desfile no Pelourinho].
E agregou o seguinte comentário:
"Kamerad Von Bazzo, a Bahia tem dessas coisas. Acho que queriam mesmo era a bunda siliconada da velhota, mas não deu certo".
Eu, que, por coincidência, estava lendo as supostas palavras secretas de Jesus, anotadas no Evangelho de Tomé, respondi-lhe com esta delirante frase do mestre palestino, que consta no item 19 do citado Evangelho, mas como se ela fosse de autoria de seu conterrâneo Gregório de Mattos:
{Se a carne foi feita por causa do espírito, é isto maravilhoso. Mas, se o espírito foi feito por causa do corpo, é isto a maravilha das maravilhas}.

Ezio Flavio Bazzo

domingo, 3 de janeiro de 2010

São Paulo: de desvairada a inundada IV


A pantomima do Ano Novo acabou. Agora é só esperar pela do dia da Epifania do Senhor, pelo dia da Circuncisão, Carnaval, Páscoa etc. Entretanto, as periferias de SP e de outras cidades continuam inundadas, submersas em esgôtos e os morros desabando. Se uma simples chuvarada é capaz de causar tantos estragos, imaginem como deve ter sido o dilúvio! E os familiares das vítimas desmaiam sobre os caixões convictos de que toda essa barbaridade desnecessária e brutal foi a “vontade de um deus” hipotético e bestial. Atolados em alienação e em ignorância, não se atrevem a compreender e muito menos a responsabilizar o Estado e seus crápulas por nada.

É curioso que para receitar uma aspirina é necessário ser médico; para levar um ofício ao Ministério Público se tenha que ter diploma de advogado; que para somar 25+22 se tenha que convocar um contador e que para ensinar alguém a dar oito braçadas o sujeito tem que ter um título e até especialização, enquanto que para ser político (vereador, prefeito, deputado, senador, governador, presidente da república etc) não se necessita diploma de porra nenhuma. E foram exatamente esses merdas que, ao longo de quinhentos anos “mapearam”, “colonizaram” e ”urbanizaram” este país. Oxalá, daqui para diante, todos os tufões, raios e chuvas de canivete caiam sobre suas casas e sobre suas tumbas.


Ezio Flavio Bazzo

São Paulo: de desvairada a inundada III

Da mesma maneira que todo muçulmano deve ir a Meca pelo menos uma vez na vida, todo mundo deveria vir passar pelo menos um final de ano em São Paulo e, de preferência, aqui na Avenida Paulista. O dia 31 é o máximo. Primeiro, começam a chegar os singelos interioranos e suburbanos de todo o país, uns fantasiados de touros, outros de veados, outros com máscaras de políticos, outros com uma capela na cabeça, outros com bananeiras, foices, macacos e outros simbolos amarrados ao corpo. Correm como loucos atrás dos fotógrafos e dos cinegrafistas com a fantasia de serem filmados. Só pensam na Globo. Se você lhes disser que é da Globo qualquer um te dará facilmente o rabo. Mais tarde, vão surgindo dos hotéis, das bocas do metrô, das ruas paralelas e das paradas de taxi os tais participantes da São Silvestre. Um narcisismo diferenciado, é verdade. Esqueléticos uns, musculosos outros, baixinhos, barrigudinhos, exóticos e quase todos com um pedaço de esparadrapo tapando o nariz. Todos já sabem que ficarão na poeira dos quenianos, mas ficam por aí assim mesmo fazendo de conta que estão se alongando ao longo das paredes de mármore dos arranha-céus. Não vou descrever em detalhes a espera da largada porque todos já podem imaginar o quanto esse show é antropologicamente imperdível. E depois, porque a grande apoteose dessa pantomima acontece nos últimos minutos do ano com a queima de fogos e com os abraços. O rebanho ansioso e fantasiado de branco (dizem que de dois milhões e meio, mas é mentira) espremido na Avenida e olhando para o foguetório lá no alto dos prédios é demais. Bombas aqui, bombas ali, de todas as cores e potências. Os olhos voltados para os “céus” como se de lá pudesse vir alguma revelação, como se a felicidade pudesse despencar das montanhas de Saturno e como se a prosperidade fosse dinheiro. Mais bombas, foguetes teleguiados, suspiros, beijos e gritinhos de admiração. Feliz & próspero ano novo! A carência afetiva é gritante. É melancólico ver até os mais céticos, os já em estado terminal, a mendigada e todos os outros condenados da terra repetindo essa bizarrice uns aos outros. Os chefões do Estado não comparecem. Armam anualmente este circo, vão para suas praias paradisiacas e mandam seus representantes virem felicitar a turba. Feliz & próspero Ano Novo a todos os otários! Amanhã os carteiros estarão batendo às portas de suas mansardas para lhes apresentar a conta (superfaturada) dessa farra.

Ezio Flavio Bazzo