sexta-feira, 30 de outubro de 2009

ARANJUEZ: ali onde os rios Jarame e Tejo se cruzam



Quase todo mundo que conheço acredita que o Tejo é um rio genuinamente lusitano, que nasce e desaba no Atlântico transitando apenas por território português. Equivoco. Nasce na Serra de Albaracin, na Espanha e faz confluência com o Jarame a uns quarenta quilômetros de Toledo, na cidadela de Aranjuez. Aranjuez é uma típica cidade espanhola cheia de palácios, de fontes, de casas e de velhinhas seculares que só ficou mundialmente conhecida depois que Joaquim Rodrigo (cego desde criança) compôs o estupendo Concierto de Aranjuez (1940). Quem já passou por lá deve lembrar, além dos piqueniques às margens do Tejo e das sopas de espargos, também dos suculentos morangos com nata. No video acima, quem quiser pode ver e ouvir a estonteante música que leva seu nome, interpretada pela violinista Kawai Ikuko.

Ezio Flavio Bazzo

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A língua solta do governador Requião, a cólera dos homossexuais e o manifesto desesperado das mulheres...

A comunidade gay e homossexual do planeta está encolerizada com a última declaração pública do governador do Paraná a respeito do câncer de mama masculino.

Segundo o Governador, "essa história de câncer de mama em homens deve ser o resultado das passeatas gays".

Independentemente das reuniões extraordinárias que essa frase vem causando nas Ongs, Associações e guetos homossexuais, ela tem trazido a tona uma consciência e uma angústia feminina cada vez mais frequente, mas poucas vezes manifesta: a de estarem "perdendo os homens para outros homens" e ficando amorosamente em segundo plano diante da vertiginosa homossexualização masculina do mundo.

Segundo minhas fontes, elas estariam se organizando para, nas próximas Paradas Gays, em cultos religiosos, em portas de fábricas, estádios de futebol, reuniões de feministas, filas de cinema etc, comparecerem em massa, vestindo camisetas com esta frase, escatológica e desesperada, de alerta: Nós também temos cu. (Fato que nos faria admitir que os Adventistas do Sétimo Dia estão certos: o fim dos tempos não está muito distante!).

Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Um bairro para novos ricos edificado sobre um "Santuário de pajés"

Os corretores já estão eufóricos nas esquinas com mapas, folders, ilustrações futuristas, fichas de inscrições e claro, as tabelas de preços. O novo bairro que será construído para uma suposta elite sobre os barracos de sete ou oito famílias de índios e sobre uma área de Cerrado ainda virgem, levará o nome de Noroeste, mas bem que poderia levar o nome da dona daquela primeira casa noturna que se instalou aqui no Planalto em 1960. A área fica mais ou menos entre o Albergue da Juventude, o Parque Burle Marx e o Canil. Uma área preciosa onde depois das chuvas explode uma diversidade imensa de flores, de cogumelos e de pequenos animais voadores. O preço dos apartamentos? Oito a nove mil reais o metro quadrado. O que significa que um cubículo de sessenta metros quadrados custará R$: 600,000,00 e que um de cem metros quadrados custará R$: 900,000,00. Dizem que boa parte dos prédios já está vendida. Quem acredita que conhece tudo sobre o Mercado Imobiliário no mundo precisa passar por Brasília e visitar as cadeias voluntárias em que vivemos, com suas janelinhas idiotas, com seus quartinhos de manicômios e com seus banheiros que nos obrigam a cagar em pé. Cortiços que através de suas paredes nada discretas, ouve-se tudo o que dizem no andar de baixo, no do lado e no de cima. A intimidade aqui, logo aqui que todo mundo tem contra si (ou deveria ter) um processo no judiciário, é uma verdadeira indecência. Onde estão os engenheiros, os sociólogos e os arquitetos que autorizam a construção desses pardieiros? Onde se meteram as vacas sagradas da urbanística? Pois bem, muitas dessas gaiolas sem ar, que chegam a fazer 39 graus ainda antes do meio dia, custam mais de que muitos apartamentos confortáveis nos arredores de Paris. Com o preço de um apartamentozinho de bosta aqui nesta cidade se compra três em qualquer outro estado e de muito melhor qualidade. Apesar de isso ser uma afronta à saúde e à inteligência de qualquer babaca ninguém dá um pio. Está todo mundo feliz por poder comprar o seu em trinta ou quarenta anos, mesmo que depois tenha que dar o rabo nas esquinas para poder pagar as prestações e o condomínio. Que tenha sido construído num “Santuário de Pajés” e sobre os ossos de algumas famílias de Pankararus, Tuxás, Korubos etc, isto é apenas um detalhe – dizem os “empreendedores”. E os compradores, esses trouxas/gatunos e gatunos/trouxas não estão nem aí, fazem o jogo de qualquer máfia que venha prometer-lhes que, do anoitecer para o amanhecer subirão ao pódio da classe média alta e, mais tarde, talvez, até ao ducanato. Com o contrato do imóvel sob o braço aproveitam para passar numa revendedora de automóveis e comprar o seu em setenta meses. Estão felizes. Isto é a felicidade para esse tipo de idiotas. Sacam o celular do bolso do paletó (celular que custou dois mil dólares, mas que será pago em até doze vezes) e contam as novidades para outros trouxas. Estão realmente felizes, inclusive porque na semana passada compraram também, em longas prestações mensais, todos os eletrodomésticos que precisavam.Sarava!

Ezio Flavio Bazzo

sábado, 24 de outubro de 2009

Mendigos: Párias ou heróis da cultura? II. (Reedição de livro, p. 45)

Estamos definitivamente numa estação de pau-a-pique em que as noites chegam sinistras, repletas de profecias e de relâmpagos, de lampiões moribundos prestes ao desaparecimento. Matilhas de famintos, a filharada de Caim, espectros e vultos fedorentos que se esgueiram sisudos sob as àrvores e junto às muralhas murmurando obsessivamente as duas últimas linhas do badalado verso de Baudelaire em favor de nosso errante diabólico:

“Race de Cain, ao ciel monte et sur la terre jette dieu!”[1]

Mas como todo verso é vão e toda poesia é narcisismo condensado e inútil, fica tudo por isso mesmo e tudo como está.[2]

Cheiro de querozene, piolhos e pele descamada. Trazendo um Caim, um Drácula e um Frankenstein sepultados dentro de si a escória vem marchando da escravidão do latifundio para as vilas e para as cidades em busca de restos de comida, de uma bala perdida ou de um Serial Killer. Gira em aspiral ao redor de si mesma, dos muros citadinos e pelas cercanias das magestosas catedrais e de seus campanários farejando um esconderijo onde cuspir, vomitar e cagar sua exclusão, sua lepra, sua esquistossomose e principalmente sua feiúra que nada neste mundo dissipará. Tudo infinitamente mais grave do que a velha e sectária idéia de luta de classes. Descobre as marquises e os fundos de terrenos baldios e se resigna sob o estigma da escória cainesca, da maldição metafísica transmutada em maldição social. Com a tatuagem de uma víbora na garganta é a autêntica obra divina arrastando as tripas de lá para cá enquanto, com olhar súplice, roe sua culpa e soleniza sua longevidade. Réplica e clone de tudo o que é abominável, de tanta miséria, penúria e escassez, não tem competência nem forças para, como sugere Baudelaire, pelo menos subir aos céus e enxotar de lá o Criador. A cada anoitecer se amontoa como pode a espera de que alguém da janela vizinha lhe aponte uma espingarda ou que alguma estrela vagabunda despenque sobre seu crânio e coloque um fim ao seu flagelo e ao seu único crime, o de haver resistido aos nove meses uterinos e o de haver nascido.

Mantendo a distancia conveniente, observo o traste que com seus olhinhos esverdeados de coruja descansa numa escada do jardim e apodrece – como diz Derrida – entregue à voracidade roedora, ruminante e silenciosa do animal-máquina com a sua lógica implacável.[3] De tempos em tempos beija uma cruz que leva amarrada ao pulso e resmunga uma oração breve, de apenas uma ou duas frases. De onde advém essa paixão humana pela ficção? Pobre diabo, não teve ainda a capacidade de compreender que um deus que coloca uma doença no corpo de um crente – parafraseando a Bret Harte – certamente não se comoverá com suplicas e com orações. A barba, os cabelos, as sobrancelhas e os pêlos que emergem de suas narinas e de seus ouvidos parecem ter a função de ocultar um teorema ou a tal “marca de Caim” que está em todas as partes desse corpo condenado, como um sifão, à precariedade.

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[1] Ver Abel e Caim, em Flores do Mal.
[2] Dizem que nos raros e nauseabundos soirèes poéticos onde Rimbaud marcava presença, sempre que alguém acabava de recitar um poema saia de sua boca o mesmo resmundo: merde!
[3] J.Derrida em O animal que logo sou, editora Unesp, p.73, SP, 2002.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

MENDIGOS: Párias ou heróis da cultura? (Reedição de livro)



Enquanto o Editor rabisca a nova capa, experimenta uma letra maior, modifica as cores, idealiza um lançamento especial só para mendigos, releio pela última vez a “Recapitulação”, na página 195, em busca de algum erro intolerável e/ou imperdoável.



RECAPITULAÇÃO


"Com aquilo que lhe serve para mijar os homens criam seus semelhantes."

Heine


Apesar da demagogia político social e da caridade vigente, da década de oitenta para cá, além de uma disneylandização do mundo, não aconteceu praticamente nada de novo no universo da mendicância e da vadiagem.Os discípulos da frugalidade continuam por aí, do Butão ao Chile, com suas lamparinas sob as árvores, com suas tralhas junto aos muros dos templos ou em plena alucinação nos semáforos, na mais autentica danação, muito além do paraíso e do inferno, cada dia com mais consciência de que o inimigo principal sempre foi e é o nosso imaginário.

Os mais velhos parece até que ainda estão vivendo a ressaca de Woodstock, como se tivessem tomado um ácido e nunca mais se recuperado. Os cabelos brancos, a barba chegando aos joelhos, um bastão, as feições cada vez mais andrógenas, esfomeados, e a senilidade comendo solta. Claro que a grande maioria enlouqueceu, foi parar num abrigo de dementes ou bateu as botas e foi enterrada nos cemitérios da periferia. Um punhado de terra para colocar um ponto final num punhado de misérias e de desgraças.

Nesse ínterim, derrubaram o muro de Berlim a marretadas, o capitalismo se alastrou e sufocou todas as ideologias, jogaram os “esquerdistas” numa latrina e um executivo delirante chegou até a declarar o fim da história. Os banqueiros assumiram descaradamente o comando do mundo e, juntos aos proxenetas das repúblicas, doaram celulares, computadores, carros, cartões de crédito, “cestas básicas” e outras porcarias a cada idiota do planeta, para acalmá-los.

Indiferentes e à margem de tudo, sem grandes inquietudes, os mendigos seguiram, em sua epopéia ortodoxa, ocupando os mesmos lugares de outrora, à margem não apenas dos banquetes, mas também das mentalidades da época. As praças, as igrejas, os viadutos, os portos, as casas abandonadas, as tocas de alguma ruína, os metrôs, as paradas de ônibus, os cemitérios, os circuitos turísticos e os lixões do planeta os acolhem diariamente. Aliás, quem é que ainda não viu as missas negras executadas por eles lá no meio dos lixões?

De vez em quando são culpabilizados por alguma desgraça social, por um estupro, uma psicopatia, um incêndio(1) . Sofrem calados o absurdo da existência, mas vingam-se sobre si mesmos deixando apodrecer solenemente o corpo, único capital.

Um promotor mais idealista e mais burguês querendo fazer média com os seus pares insinua que vai exterminar com essas trupes de pedintes, já que elas depõem contra a dignidade e que são a lepra da modernidade. Mas depois se acalma. Corrige o discurso e todo mundo é deixado em paz por mais uma ou duas décadas.

No Iraque, no auge da última guerra, os mendigos foram retirados das ruas pelos exércitos, com a justificativa de que estavam sendo usados para atentados suicidas. Cinco quilos de dinamite amarrados à cintura de um indigente, um endereço, a garantia de que minutos depois estaria no paraíso e a explosão. Na Índia tudo relacionado a eles fica cada dia mais insólito(2) . Os que ficam diariamente na Praça da Sé, em São Paulo, também foram recolhidos com a recente visita do papa Ratzinger. Ali também disseram que foi por medida de segurança, mas é bem provável que tenha sido por vergonha(3) . Aconteceu a mesma coisa na cidade de Marrakesh, às vésperas de um encontro internacional, só que lá, além dos mendigos, recolheram também os batedores de carteira, que não são poucos. Muitos administradores de cidades brasileiras são acusados de mandar clandestinamente seus mendigos para outras, como fazem comumente com cães. A população de indigentes em Recife, Salvador, Curitiba, São Paulo, Brasília, etc, triplicou. A Central do Brasil no Rio parece uma das Praças dos Milagres do século XV. Mulheres, crianças, velhos, sujeitos de todas as idades, cores e peso. Muitos rancorosos e violentos que mijam por todos os lados e que estão literalmente “cagando” para as idéias de estigma e de contravenção. Se a burguesia encolerizada grita-lhes: dane-se escória miserável!, eles lhe retrucam: foda-se elite de merda! O terrorismo dos padres e dos pastores com a ameaça do inferno não os abala nem um pouco. Ignoram o Velho Testamento, bem como a Divina Comédia e o Apocalipse. Só são fundamentalistas mesmo em sua miséria.

É verdade que alguns, numa tentativa desesperada chegam até a abrir minúsculos negócios, mas logo vão à falência. Outros trabalham para os comandos mafiosos, outros entregam trouxinhas de drogas, os mais delicados caem no boiolismo e servem de quatro na marra a seus iguais. Outros estão sempre fingindo ler um jornal ou com um livro aberto diante dos olhos(4) . Chegaram-me notícias de que em Londres há vários que empunham diariamente seus violinos pelos becos. Outros são alcagüetes da polícia e vivem de seus ardis. Uma fauna indescritível. Vi um deles sentado solenemente diante da BOVESPA, com sua estética macabra, como se esperasse que alguns centavos saíssem voando pelas janelas daquele ninho de ladrões e de bandidos. Outro admirava de longe um casamento, a noiva toda de branco, o noivo como um pingüim, as histerias de praxe dos respectivos familiares e toda a idiotice que circunscreve esse costume. Alguns já foram vistos até brincando com notebooks ou com laptops sob os viadutos e sobre suas carroças de papel. Nos países outrora comunistas, tanto eles, como as putas e os pregadores estiveram interditados por longo tempo. Mas foi só a comédia acabar para que as ruas se enchessem novamente de prostituição, de pregarias e de esmoleres. São sempre os mesmos. Irrecuperáveis e imprestáveis para o establishment desse imenso Guantánamo que é o mundo. Não votam, não abandonam o cigarro, não têm poupança, não escovam os dentes, não dirigem, não produzem e nem consomem. A cachaça e a solidão os fazem cada vez mais prolixos. Continuam odiados por todo mundo. Se cada sujeito da elite tem seu anjo da guarda, cada um dos mendigos tem seu demônio.

Apesar do blábláblá dos Direitos Humanos, do papo furado a respeito da Cidadania, das balelas Humanistas, da verborréia diária dos políticos e das sopas dos animistas, as classes sociais privilegiadas continuam olhando-os do alto de suas coberturas ou por detrás das cercas de suas mansões com um misto de pena, raiva e repugnância. Seguem alienadas e torpes, cada vez mais fúteis, mais gordinhas e mais pelegas, entretendo-se com seus brinquedos eletrônicos e com suas porcas presunções, sempre resmungando do umbral de suas janelas: “Descendez, descendez, lamentables victimes, / Descendez le chemin de l’enfer éternel”.


Brasília, 16 de outubro de 2009
Ezio Flavio Bazzo


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1. A semana passada foram acusados em Brasília de tocarem fogo na igrejinha da 307/308 sul, uma relíquia para os beatos e burocratas da quadra, uma das poucas que além dos mosaicos do Athos Bulcão, já teve em seu interior uma pintura do Alfredo Volpi. Passei por lá logo depois dos bombeiros, e os mosaicos ainda estavam chamuscados. Sete ou oito “filhos de Caim” se esparramavam arrogantes pelas escadarias e pelos arredores como cães em volta de uma cadela em cio. Sabem esperar, a experiência lhes ensinou que sempre haverá algum tipo de gratificação ou de luxúria, mesmo no interior de uma calúnia. Uma lambida, uma dentada, mas depois o completo ato copulatório. Uma moradora das mais tradicionais veio confidenciar-me que aquela gente, além de não crer em Deus, cagava por todos os lados. Que aqueles miseráveis se beijam depois de embriagados, que usam facas por debaixo dos farrapos e que até fazem sexo junto às paredes daquele patrimônio da humanidade, um sacrilégio não apenas contra Juscelino, mas contra Nossa Senhora de Fátima, a padroeira da igreja.

2. Recentemente, uns hindus fanáticos deram uma surra num pregador cristão que tentava converter um grupo de mendigos. Nesse mesmo país das crendices, durante os eclipses, muita gente sai de casa em busca de mendigos para oferecer-lhes alguma coisa, umas rúpias, um pão ou até mesmo uma ducha. Sabe-se que por lá não são poucos os que dão um jeito de amputar-se um braço ou uma perna para terem mais sucesso como mendigos.
3. Confúcio já lembrava ao pessoal de sua época que: “se um país é regido pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria são objetos de vergonha. E que se um país não é regido pelos princípios da razão, as riquezas e as honras são objetos de vergonha”.

4. Já relatei em algum lugar, que em Tanger, no Marrocos, encontrei um mendigo lendo o Corão junto ao mar. De vez em quando tirava os olhos da Quinta Surata para lançá-los misticamente por sobre as ondas na direção do território espanhol. Naquela mesma cidade, numa feira de legumes, outro mendigo lia um dos mais importantes escritores do país, que agora não lembro o nome. Encontrei mendigos poetas e poetas mendigos por todos os lados do planeta. Até mendigos que já haviam sido livreiros ou bibliotecários e que levavam no meio de suas porcarias um pedaço de lápis e uma caderneta para anotar suas inspirações. Parece que não gostam de ler lamentos e maldições de outros desgraçados como eles, preferem os poetas românticos, cultos e ricos, toleram os acadêmicos, mas odeiam poetas diplomatas e funcionários públicos. Para eles a diplomacia e o serviço público são desprezíveis e os poetas que surgem naquele meio (com tanta freqüência) são sempre uns farsantes. Acredito que se entediariam lendo Fome – de Knut Hansum – ou as histórias de vagabundos de Jack London.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Tornados, vendavais, tempestades, ventanias: apenas uma resposta à infâmia

Quando fui criança lá no sul do país, além dos estradões de terra batida e de barro, praticamente tudo era floresta. De Curitiba à Foz do Iguaçú se ia ziguezagueando por entre Pinheirais intermináveis! Perobais! Capoeirões! Palmitais! Erva Mate! Cedros imensos e por todos os lados a conhecida Canela-fedorenta que os cientistas, cada um com seus sotaque, chamavam pomposamente de Nectadra Megapotamica. Quase tudo foi para o saco! Milhares de hectares, com suas duas ou três mil espécies de plantas, foram devastados. De um extremo a outro daquela região só restou, na verdade, o Parque Nacional do Iguaçú que Getúlio, num surto de lucidez, salvou com um mísero Decreto assinado em 1939. Hoje toda aquela exuberante composição floristica virou pastagem ou vilarejos suburbanos atrasados. Tudo foi convertido perversamente em fazendas de soja (esse grão abjeto que vai empanturrar as vacas dos americanos e os porcos dos chineses) nas mãos de colonos ignorantes ou de especuladores infames atentos apenas às próprias barrigas e aos próprios bolsos. Agora, todo mundo com cara de coitadinho chora ao lado dos telhados e dos barracos despedaçados, se queixa dos seguidos vendavais, das frequentes tempestades, dos tufões, tornados e redemoínhos que se armam satanicamente sobre aquelas terras assoladas. Fingem não saber o que está acontecendo. Ao invés de aumentar a consciência, aumentam o misticismo e as pregarias. Mandam rezar mais missas, penduram escapulários nas cercas e nos telhados, questionam a indiferênça divina, culpam satanás, as meninas da zona, os hereges, os vícios da humanidade. Tudo trapaceria vã. Deveriam sim, abrir os olhos, conscientizar-se da burrice praticada ou autorizada durante décadas e ir apresentar a conta aos gorduchos fazendeiros, aos gigolôs das vacas, aos comerciantes de agrotóxicos e a outros larápios cínicos que com suas idiotices, tratores, foices, venenos e moto-serras, se não forem interditados a tempo, poderão aumentar ainda mais a desolação e o desastre.

Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

You Stupid People! An Open Manifesto to Human Stupidity


The book bears the sanity, madness and strength of a document that challenges the times and the expectations of those who read it. The reader will soon recognise the stupidity of their colleagues, neighbours, parents, lovers and, inevitably, like an inverted Narcissus, of themselves. This is the point where many people close the book, throw it back on the shelf. But those that challenge themselves and persist in reading are rewarded with a clarity of thought and the sharp rhetoric of Bazzo.

By evoking fragments of the works of Nietzche, Cioran, Tzara, Malatesta, Marinetti and, also of Tostoi, Ibsen, Dostoievski, Thoreau, Cocteau and Canetti, a voice, with impetuousness and firmness, mockery and emotion, elegance and carelessness, rage and tenderness, Bazzo makes a warning against the fallacies that we all pursue and the intensity that we do not manage to have in our lives.



quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Sou um demônio! Sempre fui um demônio!!!

Quando tenho algum tempo livre gosto de dar uma revisada nas conferências de Rajneesh, aquele charlatão indiano, tão lúcido que, em pouquissimo tempo fez muito mais sucesso que Cristo. Dizia:


-A música é bela, mas você tem de cessá-la. Maomé não gostava de música, porque a própria beleza da música pode manter alguém enraizado.

-Não tente me enganar. Eu próprio sou um enganador tão grande... você não pode me enganar.

-Não sou democrata. Sou ditador; é por isso que tantos alemães vêm a mim. Na verdade, eles vêm porque não conseguem encontrar ninguém na Alemanha. É por isso que eles vêm a mim. Sou um ditador com uma diferença: um ditador com o coração de democrata.

-Não seja covarde, esse é o único obstáculo para conhecer a verdade. É necessário ousar para conhecer; é preciso entrar no perigo.

-A vida é simplesmente uma canção que não tem sentido.

-Estar perto da beleza é estar perto da morte.

-E eu não sou um pregador. Pregar é sujo. Eu sou um amante.

-O idiota é duro, muito duro. É impossível que qualquer coisa penetre na cabeça de um idiota. A cabeça de um idiota está coberta com aço, nada pode penetrar nela.

-Sou um fim... Fim no sentido de que depois de mim não pode haver nenhum cristianismo, judaísmo, hinduismo, maometismo. Depois de mim não há possibilidade de nenhuma ideologia.

-Sou um trapaceiro. Você não pode me trapacear. Eu trapaceei tantos trapaceiros!

-Se houver um Deus, e eu tiver de encará-lo, Ele terá de me responder, e não eu responder a Ele.

-Eu não ensino outra coisa a não ser o destemor.

-A vida não é nada mais do que vinho e, em tais alturas, eu sei que sou um beberrão. Conheço as alturas supremas do Ser e nada pode ser mais alto que isso, eu sei.

-Sou um demônio! Sempre fui um demônio!


Ezio Flavio Bazzo

sábado, 10 de outubro de 2009

Nobel ou a vaidade desmedida do inventor da dinamite

Pouca gente sabe que foi Nobel, (o mesmo do prêmio) o inventor da dinamite e que durante os experimentos com nitroglicerina houve uma explosão acidental na qual seu irmão Emil foi pelos ares. Antes disso já era visto como “Mercador da Morte” pela imprensa européia. Morto em San Remo, na Itália, com 63 anos, o industrial Nobel deixou instalada em sua terra natal (por culpa e por vaidade) uma usina de hipocrisia e presunção: a Fundação que leva seu nome e que premia anualmente, com seus trinta milhões de Coroas investidos na Bolsa, outros vivaldinos em quimica, física, literatura etc pelo mundo a fora. Dizem que não incluiu o prêmio para as matemáticas, porque sua noiva lhe colocou chifres com um matemático. Que o Obama tenha faturado 1 milhão de Euros (como o chevalier de la paix) é uma piada e uma agressão. Sartre, em sua época, pelo menos, foi macho o suficiente para rejeitá-lo). De minha parte, gosto de repetir as palavras de Holderlin: “Desde el fondo del corazón odio la tumba de los grandes señores y sacerdotes, pero odio aún más a aquellos que se comprometen con ellos”.

Ezio Flavio Bazzo

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Os alucinógenos Anéis de Saturno

Qualquer sujeito, mesmo aqueles que se encontram em “estado terminal” podem experimentar o quanto é terapêutico “viajar” nas novas descobertas sobre os Anéis de Saturno. Saber que aquele planeta boiaria num oceano de tão leve que é, que a ventania ao seu redor se move a mil e oitocentos quilômetros por hora e que apenas na poeira de seus anéis caberia um milhão de planetas como a terra, ah, isto nos faz chegar bem mais tarde ao trabalho. Nos faz ter um sentimento quase alucinógeno tanto de nossa pequenez como da grandiosidade do absurdo e, claro, da enrascada em que todos estamos metidos. Parece que Galileu foi o primeiro a descobrir suas auroras boreais lá no meio dos abismos estelares, apesar de que os gregos já tinham uma divindade com seu nome: Cronos. O deus que devorava seus próprios filhos, que foi pintado por Goya e usado até a exaustão tanto pelos psicanalistas como pelos filicidas. No Capitólio Romano lhe reservaram uma sala e um altar, e a astróloga da esquina quando enche a cara ou perde o controle sobre seu mau humor, jura que ele (essa esfera de pó e de gás) é responsável por cada um de seus achaques, já que atrai doenças, ruínas e todo tipo de desgraças associadas a outros planetas.

Ezio Flavio Bazzo

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Rio de Janeiro!!! Sentenciou o "juíz" em Copenhague

Quem é que não ficou admirado e confuso ao ver aquele bando de homens barbudos. engravatados e com a vida absolutamente ganha saltando, se agarrando e se lambuzando com lágrimas em Copenhague? RRio de Janeiirro!!! Sentenciou o juíz. Só faltaram as rajadas de metralhadoras do Morro do Alemão para a comemoração ficar completa. Mas não pensem que sou insensivel ou apenas mais um monstro pensante. Compreendo... Compreendo. Vai ser importante para a cidade. Mesmo que não seja para a população, o será com certeza para, pelo menos, uma$ cinquenta família$. Disto podem estar certos. E depois, a cidade ficou feliz como se tivesse conquistado a eternidade ou, pelo menos, o Oscar da Honestidade. Vi velhinhas que há mil anos estavam confinadas em seus barracos ou em suas coberturas sairem às janelas e sussurarem: Obrigado Cristo Redentor, as Olimpiadas agora são nossas! E a partir de agora sim se verá por todos os lados néscios treinando, levantando pesos, arremessando dardos, correndo como malucos atrás de si mesmos, saltando cercas, indo e vindo de uma piscina a outra, mergulhando, jogando ping-pong e outras bobagens. Que os esportes sejam importantes para o corpo e para a mente do sujeito, apesar de não estar demonstrado, pouca gente duvida, mas que é algo inútil, pueril, passatempo de mentecaptos, ninguém nega. Agora não tem mais jeito. Os dados já foram jogados. Só nos resta esperar que nossa população, um dia, venha a ser mais ou menos como a de Tóquio ou mais ou menos como a de Chicago, que disseram NÃO a mais essa herânça tola dos gregos e a mais esse circo.


Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Memórias e cassinos - Sabor a mi.

Algumas pessoas que conhecem meus escritos costumam mandar-me e-mails com
questionamentos, críticas e perguntas a respeito não apenas de minhas idéias, mas também de minha história. Por uma espécie de timidez ou de exagerada auto-crítica, quase nunca respondo. Ontem – por exemplo - me perguntaram – se em minha adolescência também fui um fanático pelos Beatles. Claro que não!, respondi. Meu universo era outro e minha alienação era de outra natureza. De vez em quando frequentava clandestinamente um cassino que havia no Paraguai. Cruzava-se a ponte, ziguezagueava-se por aquelas bibocas soturnas e perigosas até chegar ao salão esfumaçado. Bandidos, grileiros, jagunços e seres de outro mundo era o que menos faltava lá dentro, ao redor das mesas de bacarat e das roletas, o que sempre garantia pelo menos um ou dois tiroteios no meio da madrugada. As músicas daquele cu de mundo, pelo menos naquele ambiente e no meu entorno eram quase sempre boleros e guaranias executadas em harpas ou em violas.

Ezio Flavio Bazzo

O vídeo abaixo pode dar uma idéia aos filhos da “pósmodernidade” de como eram ingênuas as lógicas e vibrantes os sentimentos daquela época.

http://www.youtube.com/watch?v=JwEhvccG3Ac