terça-feira, 28 de julho de 2009

São Jorge pelas Chapadas dos Veadeiros

Aqueles que foram precocemente idiotizados pelos esportes, pela TV e pela cerveja sabem, e muito bem, o que fazer nos finais de semana. Os outros, ah, esses se lançam em alta velocidade pelas estradas do mundo ou mesmo aqui pelas Chapadas de Goiás em busca de algo que turbine seu cérebro e que apazigue seus delírios. E foi assim que vim parar em Alto Paraíso, no vilarejo de São Jorge, em plena Chapada dos veadeiros (disse veadeiros e não viadeiros), onde, entre outros medievalismos, se encena novamente nesta semana a Festa do Divino. Mas não é só isso: a programação indica que haverá maracatú, carimbó, catira, encontro entre Kaiapós, Krahôs, Kariris, gente dos quilombos, cantores de outros Estados etc.

Um poeiraço de entupir os pulmões levitando por sobre a feijoada e pelas beiradas do panelão do frango caipira. Hippies encostados à sombra esperando pacientemente pela mítica Era de Aquarius e por um mundo de Paz & Amor. Enquanto isso, claro, vendem suas pedrinhas de “esmeralda”, suas sementes e seus arames para as cocotas. Um luthier dedilhando sua cítara, meia garrafa de óleo de buriti derramado e um caminhão-cinema no meio da praça. Vagabundos de outros países, velas nos cafés, preços de Paris, bêbados, cannabis, sexo e uma fogueira imensa onde irá acontecer a dança frenética e sensual das mulheres quilombolas.

[...levanta a saia nega!!! Levanta a saia nega!!! Olha a formiga nela!! Olha a formiga nela!! Tralalá, trallalllaaaa...]

Enquanto o rebolado das nádegas, das tetas e dos ombros comia solto.

A uns cem metros dali o barracão onde um homem alienado (uma espécie de Bispo do Rosário, da vila) caminhava em alucinio em seu atelier. As paredes externas da casa decoradas com seus desenhos e pinturas dão uma pista de quanto seus conflitos podem estar relacionados ao corpo. Aliás, existe algum conflito, da ordem que for, que não esteja relacionado com o corpo? Enfiei hipócrita e jovialmente a cabeça para dentro daquele ambiente meio insalubre e cheio de telas tentando, além de ver seu trabalho fazer um contato verbal com aquele homem. Nenhuma chance. Vigiado pela mãe, ignorou-me completamente. Se me dirigiu o olhar foi uma única vez, de sosláio, como se me dissesse, com as palavras de J. Lederer:

“é em vão que procuras o segredo perdido da imensa jovialidade do passado. Teu riso não tem graça, é acanhado, miserável, é um soluço invertido, o resíduo dessecado das lágrimas que não consegues mais derramar...”

Entendi perfeitamente o recado e caí fora. Lá na rua empoeirada e ao sol a criança de uma etnia desconhecida se lambuzava inteira com um sorvete de açai. O idioma, as crenças e as idiossincrasias dessa gente parecem de outro planeta. Falam de São Jorge, da Virgem Maria e do Divino como se os três fossem de uma família de latifundiários que habita o lado de lá das montanhas. Cachoeiras, a solidão do cerrado, a liturgia das vacas no pasto, o Vale da Lua com suas pedras exóticas, com suas imagens marcianas e um gavião com uma lagartixa no bico – manger ou être mangé, telle est la loi de la jungle.

Se a madrugada não serve para outra coisa, pelo menos aqui nos faz ter a ilusão de que a poeira acabou e de que a espécie jaz para sempre. A fogueira já atingiu seu climax, agora são os tições incandescentes que, enquanto se consomem, dão vida e movimento aos paredões e às sombras.

Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Quem é que em sã consciência não preferiria estar sob o comando dos rudes e perigosos monstros da era gótica?

As últimas declarações do Presidente da República em defesa do Presidente do Senado foram tão indecentes e reveladoras de um caráter tão duvidoso que atingiram em cheio até mesmo parte dos rebanhos silenciosos, aqueles que comumente vivem à sombra das inspirações de Cáritas ou anestesiados pelos conhecidos programas sociais. O frentista onde costumo abastecer semanalmente – por exemplo – enquanto acionava a bomba fez questão de confessar-me que estava tomado de indignação e de raiva, para em seguida ofender abertamente e em bom tom a mãe dos dois envolvidos. Resmungou e ralhou o tempo todo misturando indagações políticas, com ética religiosa, Cristo, socialismo, bandidagem e por fim concluir desejando que os dois fossem ainda vivos para o inferno. Se aquele pobre trabalhador conhecesse os textos de Raoul Vaneigem - saí pensando - saberia que “acasalando o sofrimento com o homem, sob pretexto da graça divina ou da lei natural, o cristianismo, essa terapeutica doentia, conseguiu o seu toque de mestre. Do príncipe ao manager, do padre ao especialista, do diretor de consciência ao psicosociólogo, é sempre o princípio do sofrimento útil e do sacrifício consentido que constitui a base mais sólida do poder hierarquizado. Seja qual for a razão invocada, “mundo melhor”, “além”, “sociedade socialista” "democracia" ou “futuro encantador”, o sofrimento aceito é sempre cristão, sempre. À canalha clerical sucedem hoje os zeladores de um Cristo que se passou para a políticagem. Em toda a parte as reivindicações oficiais levam em filigrana a repugnante efígie do homem da cruz, em toda a parte se pede aos camaradas que arborem a estúpida auréola do militante mártir. Os misturadores da boa causa preparam com o sangue vertido as salsicharias do futuro: menos carne para canhão, mais carne para princípios! Na perspectiva do poder, um só horizonte: a morte. E tanto a vida caminha para esse desespero que no fim nele se afoga. Onde quer que estagnar a água viva do quotidiano os traços do afogado refletem o rosto dos vivos e se olharmos bem, o positivo é negativo, o jovem é já velho e aquilo que se constrói atinge a ordem das ruínas”.

Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 22 de julho de 2009

O infanticídio é um privilégio só nosso

Se por engano, desespero ou por ignorância você resolver passar férias em Panamá City, azar seu. Mas estando lá, no meio daquele ruído idiotizador, tendo que entupir os ouvidos com algodão para poder dormir, se alguém tentar convencê-lo a fazer um tour pelo famoso Arquipélago caribenho conhecido por Bocas del Toro, (principalmente para Isla Colon) aceite. Lá, pelo menos, reina um silêncio mais grave que o de todos os cemitérios juntos. Foi lá que fiz a foto (ao lado). Imagem tola e pueril, mas que pode condensar e até simbolizar (muito mais do que todo o lero-lero e de que todas as estatísticas anuais do UNICEF) o cotidiano macabro de nossas crianças.

Apesar do teatro encenado nos Relatórios Anuais (melhoramos, mas precisamos melhorar mais) a situação da infância no Brasil é pra lá de catastrófica. Se não fica tão visível é por causa de nossa cegueira e porque a catástrofe envolve praticamente a todos.

- Ah, mas agora não se vê mais tantas crianças nas ruas!!!
Pior. Isto significa que foram executadas, levadas para alguma FEBEM, para alguma prisão ou mesmo de volta para os ranchos insalubres de seus familiares, lugares infectos e mil vezes piores que o inferno.
- Ah, mas agora as crianças estão na escola!!!
Pior. Pois nossas escolas são umas fraudes onde além de não se ensinar nada ainda se cronifica a ignorância, são lugares com estrutura igual ou semelhante a das piores prisões e com setenta por cento dos professores incompetentes e mal humorados.
- Ah, mas agora mudamos o enfoque e sustentamos que nossas crianças são o presente e não o futuro de uma nação!!!

Pior. Pois a partir de agora não haverá mais nem mesmo a fútil esperança no porvir.

Propaga-se que tantos mil pré-adolescentes morrerão assassinados no país até o ano tal, com a mesma estultícia e com o mesmo cinismo com que se tagarela sobre uma corrida de cavalos ou sobre um jogo de futebol. Deixa-se morrer dezenas de crianças numa única maternidade, mostra-se o horror da vida cotidiana de crianças nas periferias, os cemitérios infanto juvenis lotados, crianças desfiguradas e assassinadas cotidianamente, passivos e boquiabertos como se se tratasse de uma força e de um destino imutável.

Nas universidades, no Congresso, nas concorridas soirées dos sibaritas, nenhum pio sobre Educação e Controle de Natalidade. Pelo contrário, qualquer membro dos AA, pastor ou padre de fundo de quintal tem carta branca do clero e do Estado para incentivar a reprodução, isto quando não chegam a ser eles próprios os atores do engravidamento. E as mulheres, apesar de toda a farsa feminista das últimas décadas, parecem seguir impávidas sob os efeitos de um retardo, deixando-se engravidar pelo primeiro imbecil que lhe oferece uma pensão e uma cesta básica para toda a vida. Observem: há barrigudas por todos os lados, pouco se importando para o fato de que seus filhos estejam previamente condenados à ignorância suprema, a um cachimbo de crack, a uma rajada de fuzil ou às enfermidades mentais. Há quem afirme que em se tratando de seres humanos (independente do status e da classe social) quanto mais mentalmente miseráveis mais férteis! Hoje mesmo deparei-me com duas senhoras mendigas no semáforo da 702 Norte, levavam meia garrafa de cachaça na bolsa e dois fetos nas entranhas.

Enfim, mesmo atolados nessa roubalheira sem fim, nesse lamaçal de incompetência e de moralismos paralisantes, se quisermos interromper essa matança vil de crianças, não teremos outra saída a não ser começarmos a indagar com o professor Julio Cabrera: [se “tirar a vida” coloca em questão problemas morais, por que “dar a vida” não poderia colocá-los da mesma maneira?]

Ezio Flavio Bazzo

terça-feira, 21 de julho de 2009

Livres de Paulo Coelho e de Machado de Assis, viva LES CHANTS DE MALDOROR


Se você já está cansado de ler Paulo Coelho e Machado de Assis, vá à biblioteca da esquina consultar o livro de Isidore Ducasse: LES CHANTS DE MALDOROR. Enquanto isso, contente-se com esses fragmentos de sua obra, escrita ainda antes dos vinte a quatro anos:

Oh piolho de pupila contraída! Enquanto os rios derramem o declive de suas águas nos abismos do mar, enquanto os astros persistam na trajetória de suas órbitas, enquanto o mundo vazio não tenha limites, enquanto a humanidade desgarre seus próprios membros em guerras funestas, enquanto a justiça divina envie seus raios vingadores sobre este globo egoísta, enquanto o homem desconheça seu criador e se burle dele — e com razão — incluindo na burla uma pitada de desprezo, teu reino estará garantido sobre este universo e tua dinastia mostrará suas garras de século em século.

Se a terra estivesse coberta de piolhos como de grãos de areia a beira do mar, a raça humana seria aniquilada, tomada de terríveis dores! Que espetáculo! E eu, com asas de anjo, planando nos ares para presenciá-lo!

Pirâmides do Egito: formigueiros levantados pela estupidez e pela escravidão!

Aquele que não viu um barco despedaçar-se no meio de um furacão, na alternância dos relâmpagos e na mais profunda escuridão, enquanto os que viajam nele estão tomados pelo desespero que já conheceis, aquele, digo, não sabe o que são desgraças na vida.

A consciência julga severamente nossos pensamentos e nossos atos mais secretos e não se equivoca. Como ela é freqüentemente impotente para previnir o mal não se cansa de acossar o homem, como se fosse uma raposa, sobretudo na escuridão.

O crocodilo não mudará uma só palavra do vomito saído do interior de seu crânio.

Recebi a vida como uma ferida, e proibi o suicídio que faria desaparecer essa cicatriz. Quero que o criador contemple hora após hora, durante toda eternidade, esse tacho aberto. É o castigo que lhe inflijo.

Deste modo, vossos filhos se criarão lindos e reverenciarão a seus pais com agradecimento. De outro modo, doentes e encolhidos como o pergaminho das bibliotecas, avançarão a grandes passos, encabeçados pela rebeldia, contra o dia de seu nascimento e o clitóris de sua mãe impura.

Oh, execrável envilecimento! Como nos assemelhamos às cabras quando rimos!

Quem não sabe que quando se prolonga a luta entre o Ego, pleno de altivez e a magnitude terrivelmente crescente da Catalepsia, o espírito alucinado perde o juízo?

Ezio Flavi Bazzo

domingo, 19 de julho de 2009

E nós que apostávamos e que amávamos tanto a juventude

Sempre que acontece algum evento nacional aqui na cidade, vou para lá com minha mala de 1840, repleta de livros, vender ou pelo menos exibir “minha obra”. Fiquei viciado nessa prática de camelô ainda nos anos 80, quando vivia na Cidade do México. La Plaza de Coyoacan nos finais de semana e la UNAM nos outros dias, depois das aulas, às vezes com meus filhos amarrados às costas como as índias astecas.

Durante três dias estiveram aqui uns sete ou oito mil jovens estudantes num encontro da UNE. Apesar de todos os discursos, dos revolucionarismos e das fantasias (iguaizinhas e melancólicas como às dos anos setenta) continuam muito mais interessados numa lata de Skol e num baseado do que num livro. Talvez até tenham razão! Mas o que me chamou verdadeiramente atenção (principalmente nas meninas) foi o excesso de banhas e a estatura da maioria, próxima ao nanismo. O que parece uma contradição, pois se há excessos de gorduras, açúcares, levedos etc., nas comidas diárias porque crescem para os lados e não para cima? Posso estar idealizando e distorcendo a história, mas em meu tempo, as meninas (mesmo as Lolitas neuróticas e militantes dos DCEs) eram bem mais charmosas e elegantes.

Outra curiosidade: só havia gente de “esquerda”. Os jovens da classe média e alta não vieram porque, com certeza, devem estar se adestrando para entrar no STJ, na Procuradoria da República ou no Ministério Público, porque é lá onde trabalham seus padrinhos e familiares, onde estão as grandes mamatas, os salários sigilosos e o Poder. De quando em quando um bando saia pulando e gritando slogans de lá para cá, com bandeiras, camisetas, e bonés etc., como se estivesse rivalizando com outro bando ou com algum partido imaginário. Sinto que há neles um não-sei-quê de submissão que me intriga. Meia hora depois era a vez de outro grupo, com camisetas e bandeiras diferentes e assim por diante. Tudo lembrava um encontro ecumênico. Hare Krisnas por um lado, Filhos de Jeová por outro. Aqui os Adventistas, acolá os Cristãos dos últimos Dias. Numa barraca os Carismáticos, na outra os Netos de Xangô etc. Exibiam-se uns para os outros porque, evidentemente, devem existir rivalidades infanto juvenis entre eles, rivalidades que se prolongarão até que chegue o dia de lançarem suas candidaturas e de se elegerem para o Senado ou para a Câmara. Lugar onde, sabemos muito bem, tudo se concilia e se harmoniza. Muitos bumbos e muita música. O conteúdo dos discursos era praticamente idêntico aos discursos da época miserável em que os militares estiveram no poder, quando reuniões como estas estavam sempre cheias de dedos-duros e de alcagüetes. Que porra é essa? Surpreendi-me pensando.

Eu sou PT – dizia uma morena da Bahia. Ah... Eu sou PSOL - replicava uma loira do RS. Mas tudo indicava que se entrasse na roda alguém do PTB, do PSDB, do PRB, do PDT, do MDB, do DEM ou da PQP, o impacto seria o mesmo: Nenhum. Uma replica precoce do cinismo e da hipocrisia do Congresso Nacional? Liga tal! Corrente tal! Célula tal! Cada um com um crachá de DELEGADO no pescoço. Delegado? Porra, não havia uma designação menos policialesca? – Perguntei a um deles. Puro blá blá blá. De vez em quando falavam do Pré Sal como se falassem da pré menstruação ou do pré orgasmo. Alguns até olhavam curiosamente para minha mala (aberta sobre o capô do carro de um vendedor de cachorro quente), mas quando percebiam que não se tratava da obra do Che, do Lênin, do Trotsky, do Stalin ou dos folhetos dos deputados oportunistas de plantão, faziam meia volta e desapareciam com ares de incendiários.

Voilá! Serão eles, irremediavelmente, que amanhã nos comandarão desde os pedestais da República.


Ezio Flavio Bazzo

sábado, 18 de julho de 2009

Deus, o Papa e as forças ocultas da gravidade


Até os mais céticos e os mais descrentes estão curiosos para saber por que razão, Deus – que supostamente comanda tudo no universo, desde o suspiro de uma mosca até o estrondo dos maremotos – teria passado uma rasteira em seu representante maior e o derrubado de cara no banheiro. Como o Sumo Pontífice está passando férias em Les Combes, como o acidente foi de madrugada e a lesão foi no pulso direito, os mais maliciosos começam a insinuar que o castigo de Deus pode ter algo relacionado à luxúria e ao onanismo. Mas, hoje pela manhã as beatas da esquina já estavam se mobilizando e pedindo para que todos rezem pelo rápido restabelecimento papal. Mas como? Indagou-lhes um cético. Não foi Deus quem soltou sobre ele a força da gravidade exatamente para quebrar-lhe os ossos? Rezar pelo seu restabelecimento não seria então fazer cumplicidade com o condenado, contrariando os desígnios divinos? Ah, resmungaram as pobres senhoras, só sebemos que se não fosse Deus ele poderia ter até se quebrado a clavícula, o fêmur, o crânio, e até mesmo morrido!

Essa dialética bovina lembra o dia em que João Paulo II foi baleado em Roma e se atribuiu sua sobrevivência à intervenção de Nossa Senhora de Fátima. Naquela época a beataria também esteve convicta de que uma mão materna desviou a bala e não permitiu que ela atravessasse o pulmão do suplente de Pedro. Mas por que a mesma “mão materna” não estrangulou o atirador logo de cara ou não fez a pistola falhar? Confesso que tenho sentido cada dia mais piedade dessas imensas manadas de religiosos que fazem de tudo para seguirem enganando-se mutuamente. Às vezes, quando sou obrigado a acotovelar-me com alguns desses mentecaptos enovelados em suas crenças e em suas mentiras costumo repetir-lhes a pergunta de Dawkins: E se Deus for um cientista que considera a busca honesta pela verdade a virtude suprema?

Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Bastilha e os bastardos


Paris, 14 de julho. Enquanto a neo-monarquia francesa desfilava e rebolava pela Champs-Elysées, enquanto dava rasantes com seus caças sobre o Arco do Triunfo e soltava fogos ao redor da Torre, entre discursos, piscadelas, tragos, memórias, perfumes etc., a plebe, os fodidos e os párias da atualidade puxavam seus isqueiros e faziam com automóveis o que os plebeus e os fodidos fizeram com a Bastilha. Fogo! Labaredas! E é indiscutível que a verdadeira festa foi patrocinada por eles e seu plebeísmo, por eles, que sabem muito bem, que a atual República é uma réplica piorada e ainda mais cínica de que a antiga Monarquia.

Duvidam? Lembrem da recente reunião do G8. Pensem em qualquer grande nação, na nossa ou em qualquer outra republiqueta. Estão sempre lá, arrogantes e descaradamente os representantes do Rei, dos condes, dos duques, das baronesas, dos fidalgos, dos príncipes etc., e todos com seus privilégios (mil vezes mais ignóbeis do que os dos antigos Reis) cercados por puxa-sacos, bajuladores e “cavalheiros” idênticos aos do feudalismo. Blábláblábláblá... Enquanto isto, aqui no nosso Senado Federal, sob o comando do Ilustríssimo Senador Mão Santa:

-Vossa excelência fez o melhor pronunciamento de todos os tempos!
-Vossa excelência é o que de melhor há neste país!
-Nem Montesquieu teria tanta massa encefálica disponível!
-Temos que salvar a dignidades desta casa!
-Nossos eleitores vão pensar que somos um bando de velhos corruptos!
-Nosso silêncio será apenas para garantir nossos privilégios e as mordomias de nossos familiares? Bem, mas a família é sagrada!
-O que o porvir dirá sobre nossas carcaças apodrecidas? Ou sobre nossos mausoléus construídos por conta do Senado?

Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Um Réquien ao Cine Ritz de Brasília

Na última quarta-feira a polícia e o judiciário baixaram as portas do quase legendário Cine Ritz de Brasília que vinha funcionando há umas três décadas nas entranhas do Conic. Foi lá que o livro: Prostitutas, bruxas, donas de casa foi lançado pela primeira vez, em 1990. Um barril de chope livre no balcão, uma fila imensa de senhores e de madames no portal de entrada, música, strip-tease e sexo ao vivo no palco. Foi um verdadeiro show. Aqueles que participaram dizem que aquela noite foi a noite mor de suas vidas...

Parece que no Brasil há uma maldição rondando o Cine Ritz. Não faz muito fecharam as portas do que ficava no calçadão da Rua XV em Curitiba. O mesmo destino teve o que funcionava na Avenida São João e o que ficava entre a Ipiranga e a Dom José de Barros, em São Paulo. Muitos pelo país a fora tiveram a mesma sina, e a todos se acusou de serem antros de marginais, de putas, bandidos, desempregados, viciados em xotas, pederastas, voyeristas, anticidadãos, cheiradores de pó, ateus, apátridas, loucos, delinqüentes, em uma palavra: seres de hábitos crepusculares. Puro moralismo! Uns, simplesmente viraram esqueletos abandonados, outros se transformaram em igrejas, templos, shoppings, confeitarias etc. Sabe-se que o nome vem do francês César Ritz, dono do famoso Hotel Ritz da Place Vendôme, número 15, em Paris, construído ainda no século XVIII.

É verdadeiramente uma pena que esses locais folclóricos e esses antros bestiais desapareçam de um dia para outro, pela simples ideologia ou pela simples culpabilidade de um ou dois brutamontes. Enfim, parafraseando F. Wheen, o ritual sistemático de acasalamento entre a Justiça, a Igreja e os Falsos Moralistas serviu sempre para confirmar o velho e conhecido provérbio: post coitum omne animal triste est.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Apenas para relembrar: o poder corrompe e a submissão também

Algumas semanas depois que o STF jogou no lixo o diploma de jornalista (sem nenhum pio e sem nenhuma contestação dos prejudicados) o Governo do Distrito Federal confere oficialmente, e com pompas, o status de “profissão” aos abomináveis flanelinhas.

- Bem vigiado doutooor!!!
- Vamos dar um brilho aí professor?
- Vai lavar hoje director?

Ocultos na lengalenga cristianóide, no pretexto democrático e na balela de inclusão social, esses politiqueiros de plantão, com a finalidade única de conquistar simpatía e votos das massas despedaçadas vão submetendo o cotidiano à lógica dos cortiços, dificultando cada vez mais a possibilidade de individuação e deixando cada vez mais evidente que a sociedade (apesar das tantas e beatas teorias sociológicas) é apenas uma gigantesca máfia, o intercâmbio permanente e interminável entre insensatos, despóticos e bandidos.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Brasília: Registros da hora crepuscular

Não é novidade que uma câmera fotográfica pode salvar-nos do tédio dominical em qualquer lugar do planeta. Aqui em Brasília, principalmente, onde a natureza e o próprio universo, apesar dos pesares, têm sido pródigos em coreografias, luzes e imagens. Enquanto o corpo do M. Jackson espera pelo espetáculo ignóbil que os abutres lhe reservam; enquanto o vírus da gripe suína se infiltra nas vísceras dos rebanhos; enquanto o Senado aguarda pela síntese e pelo esquecimento das aleivosias e das infâmias, o mendigo que dorme nos fundos do Ministério da Educação continua repetindo a todos que passam por ele esta dúvida de Montaigne: “haverá algo mais enfático, resoluto, desdenhoso, contemplativo, grave e sério do que um burro?” O domingo já está em fase terminal com o sol e a lua que marcham juntos e indiferentes por cima de nossas cabeças como se estivessem realmente cagando para nossas picuínhas e para o nosso mau caráter. O vento, as nuvens, as sombras, os brilhos, as folhagens, os reflexos, o concreto armado, a luz e tudo o que é visível conspiraram juntos na construção destas imagens que consegui capturar já em pleno crepúsculo.

Ezio Flavio Bazzo




domingo, 5 de julho de 2009

Decididamente, je ne suis pas votre frere

Ontem voltei a assistir a movimentação no Senado. Desta vez fui mais prudente e, antes de colocar os pés naquele antro, ingeri 25 gotas de Atroveram Composto. É repugnante ver a suposta “esquerda” de ontem se humilhando, fazendo conchavos com bandidos e se esmerdeando toda num esterqueiro de adjetivos covardes para não perder o poder. É indescritível o sentimento que se tem ao ver um bando de pequenos e disfarçados trapaceiros fazendo apologia uns dos outros e de vez em quando até cacarejando a respeito do golpe em Honduras. Os lingüistas aprenderiam muito presenciando o uso que aqui se faz da linguagem e mapeando o território esquizóide que há o entre o texto e o gesto, entre a palavra e o afeto. Depois de ouvir a cada um que ia à tribuna, minhas entranhas todas resmungavam: je ne suis pas votre frere. Abandonei o recinto mais tentado a gargalhar do que outra coisa. Ao invés de invocar perversa e puerilmente a Deus na abertura de cada sessão, - atravessei o estacionamento pensando - seria muito mais cômico que aqueles 81 infelizes recitassem em voz alta este fragmento do velho Calvino: [O coração humano possui tantos interstícios em que a vaidade se esconde, tantos orifícios em que a falsidade espreita, e está tão ornado de hipocrisia enganosa que ele com freqüência trapaceia a si próprio]

Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 1 de julho de 2009

No antigo país da Inquisição hoje também predominam os idiotas

Você que assistiu com nojo e com asco a recepção feita ontem a um mísero jogador de futebol brasileiro lá na Espanha, você que não compreende como a espécie em geral e a Espanha em particular chegou a tal grau de cegueira, de burrice e de imbecilidade, veja o vídeo no endereço abaixo, lembrando sempre, que a realidade de nossa gente e de nosso país é ainda muito pior.

Ezio Flavio Bazzo





Ao invés da religião ser uma neurose, é a neurose que é uma religião


Aqueles que no domingo passado já ficaram perplexos e atordoados ao verem escrito na camisa de alguns jogadores: I love Jesus, e logo em seguida aquele bando de néscios de joelhos e de mãos dadas rezando no meio do campo, terão uma semana inteira de surpresas e de novas histerias com o funeral do frágil e pequeno camaleão. Aliás, pelas revelações que estão sendo feitas a seu respeito e pelo andar da carruagem seria bem melhor que o enterrassem logo se não quiserem que até seus fãs (essa legião de idiopáticos que contaminou o planeta) comecem a decepcionar-se. Acho até que deveriam sepultá-lo junto ao esqueleto do Elvis Presley para, além de turbinar o fanatismo, misturar de vez em quando as romarias e os rebanhos. Quanto aos gringos e suas tolas manias de amontoar ursinhos, bibelots, brinquedos, legendas luteranas, garrafas, velas, lágrimas, bíblias, juras de amor e outras bobagens no pórtico dos defuntos, não é novidade para ninguém que sempre trataram suas crianças como se fossem adultos (veja-se o consumo absurdo de ritalina entre eles) e seus adultos como se fossem crianças. Enfim, qualquer um que ainda não tenha sucumbido à bovinização coletiva sabe que o pobre Michael Jackson ao invés de um IDOLO é apenas um SINTOMA.

Ezio Flavio Bazzo