quarta-feira, 4 de março de 2009

Uma última terapêutica, através do horror


Que pensem o que quiserem os já entorpecidos pela alienação, mas eu continuo dedicando uns quarenta e cinco minutos diários, todas as noites, às reprises das sessões, dos discursos, da mise-en scène, da atuação moribunda e tediosa dos senadores e dos juízes, cada um em seu gueto. Quem quiser construir um conceito ou uma visão particular sobre esta pátria e sobre este povo não pode abdicar desse exercício nefasto. E já comprovei que após cada uma dessas minhas sessões cotidianas, sinto-me bem mais curado de meus sonhos e de minhas antigas e tolas idealizações. Depois de cada uma dessas reprises sinto que compreendo mais profundamente a desgraça desses milhões de deserdados que se movimentam pelas ruas, pelos lixões ou por detrás das grades. Fica visível em mim, depois de ouvir atentamente a lábia dos senadores e dos juízes, o incremento de minha compaixão para com esses bandos de aloprados que lotam as igrejas, os estádios e os botecos bem como para com esses dementes que assim que a noite descamba sobre o mundo correm para os becos onde, cada um a seu gosto, vão prostituir sua mísera carne. Sim - e não estou fazendo demagogia - assistir ao show senil do senado e/ou o da magistratura, aqueles juízes com seus mantos longos e negros como o dos antigos romanos, me faz bem. Rememora-me a tese já descrita por diversos pensadores de que aquilo que costuma chamar-se imoralidade é apenas a eficácia desprovida de preconceito, e que apesar do pseudo moralismo vigente, quem não se confessa abertamente seu partidário, a venera e a inveja em segredo.

Ezio Flavio Bazzo

2 comentários:

  1. Enfim temos acesso as crônicas mais interesssantes do país. É preciso formar novas opiniões sobre a vida, sobre os hábitos, sobre o comportamento ainda pré-histórico do ser humano. É preciso tentar mostrar o quanto ainda somos alienados e alienantes.
    Bazzo está cada vez mais afiado.

    ResponderExcluir
  2. pois, enquanto sociedade civil brasileira, sob pretenções pós-modernas, queremos ser modernos, porém... não conseguimos romper com as práticas medievais. o judiciário então... jamais conseguiu sair da época de hamurabi, dos dez mandamentos e do império romano. precisar fazer uso desse arcáico instrumento, não demora muito para vermos que não estamos áptos a utilizá-lo; pois não temos o bigboss do stf frequentando nosso círculo de amizade. claro, quem consegue imaginar, um desses figurões ou figuronas comendo uma coxinha de galinha num buteco copo-sujo e, limpando a gordura do canto de suas bocas com aquelas belas capinhas pretas? talvez se pudéssemos ver uma cena dessas em uma reprise, a redenção chegaria mais rápido para nós...

    ResponderExcluir