quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Santa Catarina & Sisifo


As enchentes, os desmoronamentos, os naufrágios, as doenças endêmicas, os acidentes de trabalho em nosso país têm tido sempre o mesmo enredo e a mesma manha. Todo mundo fica repentinamente surpreso. O pranto das vítimas é estampado perversamente na mídia. Poupa-se a corja negligente. Acendem-se velas. Recolhem-se toneladas de alimentos e milhares de cobertores. Os políticos vão à tribuna e abusam das interjeições, liberam verbas, vão fazer discursos ao lado dos caixões, criam leis complementares e tudo fica como está. Sem abusar dos gregos e nem da Odisséia, esta nação se parece cada vez mais ao Tártaro e nós, ao desgraçado Sísifo, condenados inútil e eternamente a empurrar nossa pedra ladeira acima. E tem mais: agora que descobriram que as nuvens e as chuvas que despencam em fúria sobre nossas cidades se formam lá na selva amazônica, serão capazes de usar as inundações e os sinistros como argumento para todo tipo de rapinagem e de destruição da floresta.

Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

As cortesãs e os barões do latifúndio


As legiões de ingênuos e de bonachões que acreditavam que o governo iria socorrer apenas os banqueiros e as montadoras de automóveis começam a ficar encolerizadas ao verem que os barões do agro negócio e dos latifúndios também serão beneficiados. Como não temos culhões (entenda-se consciência crítica) suficientes e nem capazes de abortar esses tipos de paternalismos monárquicos, que pelo menos se exija desses gigolôs da terra que controlem a quantidade dos agrotóxicos e dos adubos que há décadas vêm envenenando os alimentos que comemos. E que ninguém estranhe se amanhã, sob o pretexto da hipertensão e da honradez espiritual seja a vez de "injetar" alguns bilhões na indústria de medicamentos e nas irmandades religiosas. Oxalá essa benevolência chegue um dia também às cortesãs, a essas patrióticas senhoras que, como os outros agraciados " segundo Balzac " são essencialmente monarquistas.

Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Uma tola pátria refém de um fetiche tolo


Quem achava que a subserviência do governo era apenas aos banqueiros está surpreso ao ver que é também aos fabricantes de automóveis. O valor de recursos colocados à disposição da indústria automobilística privada só não é mais escandaloso que os 25 milhões previstos para a reforma da Catedral de Brasília. É quase inacreditável que um país que ainda não dispoe sequer de saneamento básico; que não tem transporte coletivo; onde quase todos seus produtos agrícolas são envenenados por agrotóxicos e que vê sua população despencando vertiginosamente na indigência social e mental dê tanta importância a essas latarias velhas que infestam nossas cidades. São essas medidas arbitrárias que fazem qualquer um compreender que o Estado não é apenas aquele monstro descrito por Hobbes, mas também a encarnação da estupidez mais abjeta.


Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

"O porvir de uma ilusão"


Independentemente das mudanças que venham efetivamente acontecer naquele país e no seu entorno, a vitória do Barach Obama, como era de se esperar, vem funcionando sobre o velho espírito messiânico das massas como um potente lenitivo.


- Haverá de chegar alguém, um dia, para anunciar a Boa Nova! Um Novo Tempo e uma Nova Era! (Seja um torneiro mecânico, um judeu, um muçulmano, um home-less, um negro etc.).

O tempo e a história ainda não foram capazes de ofuscar nos seres esse arcaico maniqueísmo e nem essa mística esperança de renovação. Dentro de cada patriota estrebucham ainda o bode expiatório e o bode emissário. Os últimos séculos foram regidos por essa mesma distorcida e desesperada visão da condição humana, e por essa necessidade neurótica de transitar, a qualquer preço, da esperança ao niilismo e da idealização à decepção.

Ezio Flavio Bazzo

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Agora sim seremos verdadeiramente felizes!


Agora sim seremos verdadeiramente felizes! Com a fusão de nossos dois maiores bancos só os insensatos não sentiram seu entusiasmo e sua esperança redobrarem.

A felicidade tão esperada foi anunciada e a bem-aventurança está prestes a bater à porta de milhões e milhões de clientes. E são ingratos aqueles que, com sarcasmo, equiparam essa patriótica fusão àquela da Camorra com a Cosa Nostra ou a da turma da igreja do Reino de Deus com a troupe da Carismática. São niilistas sem fé e maus cidadãos aqueles que não acreditam nos desígnios das finanças e nem nos propagandistas da redenção. Foram esses desertores sociais que contaminaram o mundo com a idéia de que viver é prostituir-se e de que a vida mancha. Oremos aos banqueiros!

Ezio Flavio Bazzo