domingo, 23 de dezembro de 2007

Amicabilis concordia


Que no próximo ano, o dia 25 de dezembro não conste mais no calendário. Que não haja mais essa agitação infame nos açougues, nas farmácias, nos cabeleireiros e nos bric-a-braques de nenhuma cidade. Que pelo menos a metade dessa turba, com seus estômagos repletos de frangos e de porcos seja extinta nos próximos 365 dias.


Que os perus, as vacas e as ovelhas sacrificadas atormentem a todos em pesadelos. Chega da calhordice do "amigo oculto". Chega da idiotice do dim dim dom, chega de botoc, chega dos caixotes envoltos em papel brilhante. Chega de vinhos e de champanhes vagabundos, de bijuterias feitas com latões de querosene. Chega de todo esse lixo confeitado. Não mais essa compulsão descarada, não mais esses jumentos de presépio, os telefonemas melosos pra cá e pra lá e esse mau caratismo travestido de humanismo.

Chega de ceias, de foguetórios, de alegrias simuladas. Chega de bolos, de tortas, de suflês, de salaminhos, de amêndoas chilenas, de tâmaras marroquinas e de banha de porco escorrendo pelos beiços, pois tudo isso só faz a humanidade peidar ainda mais. Chega de rabanadas, esse horror sempre presente em todos os festins de dezembro. Chega dessa odiosa listinha voluntária para porteiros, de esmolas para cegos, de trouxas de roupas velhas para andarilhos e de leite em pó para seus respectivos rebentos. Chega de sinos, de novenas, de compaixão por si mesmo. Chega enfim, de toda essa babaquice, de toda essa culpabilidade, desse nivelamento por baixo, dessas filas de bundões na direção do aeroporto ou congestionando as estradas. Chega dessa apologia inconseqüente tanto do sobrenatural como da mediocridade.

Ezio Flavio Bazzo

A Honrosa Trajetoria de um Homem


Não é apenas um prazer imenso e uma espécie de gozo libertário o que me leva a re-editar e a fazer circular este texto de R. G. Ingersoll sobre as idiotices, as irracionalidades e as safadezas religiosas praticadas pelo mundo afora. É também uma obrigação ética. Um compromisso natural com a espécie, o cumprimento de um pacto que fiz comigo mesmo de, custe o que custar, silenciar o mínimo possível diante das imbecilidades do mundo.

Escrito e publicado nos EEUU em 1896, portanto há mais de cem anos, este ensaio continua mais do que pertinente e mais do que oportuno tendo em vista que o desvario religioso tem se agravado não apenas em nosso país, mas em todo o planeta, principalmente nos países pobres, miseráveis, subdesenvolvidos, desesperançados, explorados por multinacionais da mídia, da telefonia, dos automóveis, dos medicamentos, dos alimentos, das cruzes, dos patuás, dos amuletos, das velas etc. e arruinados por políticos autóctones, gananciosos, crápulas e mentirosos.

E não adianta virem com o papo de que na democracia o sujeito pratica a religião que quiser, que o direito de culto é soberano, que o sujeito opta por acreditar naquilo que ele bem entender, que a fé é algo pessoal etc, pois o que está se tratando aqui é a manipulação dos crápulas contra os ingênuos, a propaganda enganosa, a mentira histórica, a exploração econômica e emocional das massas analfabetas ou semi-alfabetizadas, o encobrimento de transtornos graves de personalidade, a exploração dos medos e das fobias relacionadas à morte e ao além e por fim a construção sutil e persistente de diversas doenças mentais no sujeito alienado e em sua família.

Aqueles que ainda não estão convencidos dos abusos, da irracionalidade e do acosso moral que vêm sendo praticados nesse sentido, por charlatães de todos os calibres e contra todo tipo de gente, que assistam os programas de TV, em todos os canais, das quatro às oito da manhã. São inacreditáveis. Tão inacreditáveis como nosso silêncio, como nossa complacência, como nossa passividade, nosso descaso, nossa irresponsabilidade e por fim, como nossa cumplicidade com esses estelionatários do além. Parafraseando a Cioran, é importante lembrar que patíbulos, presídios e masmorras prosperaram sempre à sombra de uma fé, dessa necessidade cretina de acreditar em algo que infestou o espírito para sempre.

Ezio Flavio Bazzo

domingo, 9 de dezembro de 2007

A sobrinha de Madre Tereza de Calcutá


Quem é que não ficou boquiaberto e impressionado com a notícia da Irmã Mandala, aquela rechonchuda vidente de Belo Horizonte que se diz sobrinha de Madre Tereza de Calcutá e que para ministrar sua ajuda espiritual aos pobres clientes cobra pequenas fortunas? A policia, a mídia e a sociedade padrão gostam de tripudiar e de sapatear sobre personagens desse tipo, mas é pura descriminação e pura ideologia tendenciosa, uma vez que existem por aí centenas de outros estelionatários da fé, tão ou mais cínicos do que ela, e que não espantam mais a ninguém. Vender vinte missas ou uma novena com a promessa de que elas garantirão o sossego da alma de algum morto – por exemplo - existirá maior estelionato do que este? Vender uma macumba com a garantia de que ela aumentará a libido ou melhorará a performance amorosa do cliente – outro exemplo. Exigir mensalmente dez por cento do salário dos beatos sob o argumento de que o dízimo é um passaporte para o céu – mais um exemplo. Enfim, estamos cercados por videntes e por indigentes espirituais por todos os lados, uns, mais antigos e mais sofisticados do que os outros, é verdade, mas todos da mesma laia e todos regidos pelos mesmos cânones: o da impostura e o do dinheiro. Com relação à Irmã Mandala, depois de submetê-la a um longo regime, eu a contrataria, sem sombra de dúvidas, para Ministra da economia ou, pelo menos, para administrar minha caótica contabilidade.

Ezio Flavio Bazzo