terça-feira, 30 de julho de 2002

A Praga emocional


Acaba de ser lançada em Paris uma reedição do livro de Jean-Marie Brohm e Marc Perelman, intitulado Le Football ‹ Une Peste Émotionnelle (Les Éditions de la Passion). Com menos de 40 páginas, esse livreto constitui uma preciosidade, um texto admirável e de rara lucidez que aborda a questão do fanatismo, da alienação, da cretinização e de outras patologias sociais intrínsecas aos esportes em geral mas em particular à ŒŒorgia populista¹¹ do futebol. Como estamos no fim de mais uma Copa de Mundo, com os serviços públicos praticamente desativados, com muitos torcedores em surto e com o planeta inteiro estressado diante da televisão, parece oportuno selecionar algumas idéias e colocar em pauta as mais importantes reflexões nele contidas.

1 - Ideologia
Em nome de um pretendido ŒŒideal esportivo¹¹, todos os adeptos do culto da performance minimizam ou até ocultam sistematicamente as realidades efetivas do esporte de competição contemporâneo, singularmente do futebol que eles, contra todas as evidências, insistem em apresentar como um universo de ŒŒfraternidade¹¹, de ŒŒpaz¹¹, de ŒŒencontros amigáveis¹¹, de ŒŒpaixões igualitárias¹¹ e mesmo de ŒŒdemocracia¹¹ e de ŒŒcultura¹¹. Todos esses zeladores da macrosseita da bola fecham os olhos para a mentira, para a má-fé, para a falsa consciência, para a prática do doping, da corrupção mercantil, dos interesses mafiosos, das explosões de violência, do racismo e do ódio do outro que gangrenam o espetáculo multinacional do futebol. (...) Os ideólogos do futebol que consagram a maior parte de seu tempo incensando o amor pelo futebol, a festa, o sonho, a alegria, a cultura e outros slogans da mistificação esportiva, evidentemente não se preocupam em condenar o escândalo desses mercenários transnacionais pagos a preço de ouro enquanto os desempregados e grande parte dos trabalhadores vegetam na precariedade, na miséria e na pobreza. Nessa vasta legião familiar que reagrupa todas as tendências da esquerda e da direita, todas as tribos do jet-set, todos os devotos da sociedade do espetáculo, a gente reconhece sem dificuldade os farsantes ordinários do ópio do povo. (...) O ŒŒEspetáculo Total¹¹ de que fala Bromberger não é na verdade mais do que o espetáculo da violência social, aquele que leva centenas de milhares de torcedores a aclamar os gladiadores dopados do gramado. Quanto à ŒŒficção lúdica¹¹ do futebol, ela tem um gosto de sangue, de ódio e de xenofobia...

2 - Cultura & Arte
Pretender que o futebol participe da cultura é não apenas zombar do mundo, mas ter uma visão medíocre da cultura ‹ aquela do prêt-à-penser, do fast-thinking e do zapping ‹ que predomina hoje em dia nos meios de comunicação onde atuam os novos cães de guarda. (...) Contrariamente ao futebol, as obras de arte, estejam sob nossos olhos ou não, levam a pensar. Se uma partida de futebol que leva a turba ao delírio impossibilita o sujeito de pensar, a obra de arte ‹ por sua vez ‹ faz a pessoa refletir, participa do imaginário, se instala como alteridade à sombra do cotidiano; ela nos mergulha na fantasia e no sonho. O futebol não. Pensar no futebol é parar de pensar ou pensar só nele, isto é, não pensar mais. O projeto do futebol não é outro senão ele mesmo, um projeto sem projeto. Se com o futebol a percepção e o olhar lançados aos jogadores não constituem mais que um ritual unilateral, em vez de uma dialética com a obra, qual é a experiência de liberdade que se experimenta com esse esporte quando não existe mais do que a liberdade de uma experiência coisificada? (...) Se por um lado o artista cria seu espaço mesmo quando é limitado por um quadro, (...) a inteligibilidade do futebol não pode se ligar a uma história que não chega a ser mais do que uma coleção de cifras abstratas e a neurose social da estatística e dos resultados...

3 -Intelectuais
Este dogma pós-moderno ‹ que vai da esquerda ŒŒbranchée¹¹ à direira liberal ŒŒcarnassière¹¹ ‹ encontrou hoje em dia seu terreno de eleição na apologia cínica do esporte em geral e do futebol em particular. A Copa do Mundo de 1998 foi, nesse sentido, um bom revelador da amplitude da lobotomização que tomou conta dos intelectuais, dos ŒŒlíderes de opinião¹¹, particularmente os jornalistas de esquerda e, principalmente, das legiões de pensamento único esportivo onde se cruzam vedetes do showbiz, estrelas multimídia, ŒŒgrandes pensadores de nosso tempo¹¹, publicitários, apresentadores servis do prêt-à-penser e outros artistas do ŒŒrealismo¹¹. Todos torcedores apaixonados, fetichistas e loucos pelo futebol, fanáticos do couro e do gramado. (...) A esquerda plural e seus companheiros de rota esquecem que o futebol, como todas as outras realidades sociais de massa, é marcado pelas clivagens políticas e pelas opções ideológicas. Longe de ser neutro, por cima dos conflitos sociais, o futebol representa o mesmo tipo de doutrinamento totalitário que impede mesmo os espíritos mais lúcidos de permanecer críticos ou até mesmo simplesmente lúcidos. (...) A unanimidade com a qual os intelectuais de hoje se negam a criticar o futebol, deleitando-se com as delícias da vibração passional, é uma coisa inquietante, pois a fusão populista com a embriaguês popular por diversas vezes acabou num destino trágico, seja na aclamação do Führer, do realismo socialista, dos tribunais do povo ou da revolução cultural. (...) Os ditadores sabem muito bem por que eles são sempre e em todos os casos a favor do esporte. Quem apóia os esportes tem as massas a seu lado. É por isso que atualmente todos os governos são a favor dos esportes e contra a cultura... (...) A estetização da política que praticavam o fascismo ou o nazismo é substituída pela esportivização da estética que praticam todas as formas de totalitarismo, inclusive as democracias mais brandas...

4 - Sexo
É ao redor da sexualidade, como estrutura de comportamento violento e mesmo guerreiro, assim como do sadomasoquismo da grande maioria dos jogadores, que se afirma, em toda a sua plenitude, a economia futebolística. (...) Para Theodor Adorno e Max Horkheimer, a gente assiste mais ainda na sociedade atual a uma ŒŒhomossexualização inconsciente¹¹ de uma estrutura infantil. O ideal erótico se torna infantil, e isto é perceptível nas situações em que os jogadores se abraçam, se dão tapinhas na bunda, se jogam no chão uns sobre os outros, dão piruetas, gritam entre eles (...) A sexualidade ligada aos esportes, ao futebol, constitui uma degradação da vida erótica assimilada a um treinamento prévio, ao ato profissional, ao novo tipo de trabalho que constitui o jogo. A libido investida no processo esportivo é orientada para atos vulgares e compulsivos (cuspidas, palavrões, gestos obscenos) e para manifestações de violência sobre o outro. Em seguida e ao mesmo tempo, a tendência pulsional inerente ao futebol é o desenvolvimento de comportamentos homossexuais latentes entre os jogadores, sobre a base de uma cumplicidade, não amorosa mas de violência compartilhada entre vencidos e vencedores, na guerra do jogo.

5 - Corrupção
As redes de corrupção, os jogos marcados, os árbitros comprados, os jogadores ŒŒcontactados¹¹, os resultados predeterminados, tudo isto não é uma invenção de qualquer sociólogo ŒŒesquerdista¹¹. Sócrates, antiga estrela do time brasileiro, dizia em abril de 2001 na França, ao jornal Libération: ŒŒQualquer jogador da Terceira Divisão deve dividir seu salário com um agente, seu treinador e os dirigentes do clube. É a mesma coisa em todos os níveis. O futebol brasileiro se transformou num ambiente completamente prostituído. Hoje em dia, uma meia dúzia de pessoas à frente da federação paulista e da CBF sugam toda a riqueza do futebol brasileiro¹¹. (...) Os jogos trucados do Campeonato da Inglaterra ilustram a mundialização da corrupção no futebol. (...) O secretário grego dos esportes afirmava em novembro de 2000 ao Libération: ŒŒA arbitragem do futebol está submetida a uma gangue¹¹. (...) O futebol da Malásia está impregnado de corrupção. Oitenta e cinco por cento dos jogos da liga nacional foram trucados (...) Corrupção no futebol belga (...) Escândalo e corrupção generalizada no futebol chinês (...) Escândalo no futebol turco (...) A corrupção vai a galope no futebol francês (...).

6 - Violência
Àqueles que pensam que a violência do futebol não é mais do que um epifenômeno passageiro ou um ŒŒdetalhe¹¹ de sua maravilhosa legenda, basta mostrar a lista interminável de vítimas desse esporte: sufocamentos, pisoteamentos, explosões, cassetetes e punhaladas, tanto dentro como fora dos estádios. (...) Na Inglaterra, Alemanha e Holanda os hooligans, na Argentina os barrabravas, na Itália os teppisti (...) A Fifa indenizou os parentes das 78 vítimas de 1996 no estádio Mateos-Flores da Guatemala. (...) De 1976 para cá, os incidentes ligados ao futebol fizeram 53 mortos na Argentina. (...) Por detrás da tela de sonho se dissimula a maquinaria do futebol com seu impiedoso princípio de realidade saturado de ódios, de violências, de destruição e de mortos. (...)

Ainda não publicado no Brasil, o trabalho desses dois sociólogos franceses é mais do que tudo um chamado de alerta e de reflexão para com a velocidade com que a máquina esportiva, sob os mais diversos disfarces, tem interferido nos aspectos mais importantes da sociedade atual, favorecendo, principalmente entre a juventude, a alienação e até mesmo uma espécie de cretinização.

Ezio Flavio Bazzo

quinta-feira, 11 de abril de 2002

O mito do escritor marginal


Palestra feita na Universidade de Brasília
a convite dos alunos de psicologia


"Não existe um grupo de jovens pelas ruas que não possa ser um grupo de criminosos. Não têm nenhuma luz nos olhos: seus traços são traços imitados de autômatos, sem que nada de pessoal os caracterize de dentro. A estereotipia torna-os pérfidos. Seu silêncio pode preceder um trépido pedido de ajuda ou uma facada. Os filhos que não se liberam das culpas dos pais são infelizes; e não existe signo mais decisivo e imperdoável de culpabilidade do que a infelicidade".

P. P. Pasolini



O convite para participar deste evento detonou inesperadamente em mim um surto de mau caratismo, uma neurose antiga e abominável, muito bem conhecida nos guetos acadêmicos e intelectuais, cujo principal sintoma é sempre o mesmo: a disputa pedante com uma platéia imaginária e por um Poder fictício.

Vi-me diante da tentação de assumir uma postura que não me pertence, de exibir um Texto e um Saber que não tenho, de armar-me até os dentes e de colocar-me num lugar de onde poderia derrotar facilmente as possíveis objeções contra minhas idéias e até mesmo contra meus desejos. Surpreendi-me várias vezes arquitetando um truque para parecer mais hábil e até mesmo MAIOR que qualquer um dos interlocutores, mesmo que para isto fosse necessário falsificar argumentos, burlar estatísticas, inventar referências e arrancar de minhas entranhas a lábia imbatível que os intimidasse para sempre e que os mantivesse imóveis e mudos aí em baixo, um metro e meio abaixo deste púlpito que, histórica e sabiamente, a tradição eclesiástica concedeu aos padres, aos professores e aos políticos. A esses irmãos siameses, empenhados há séculos em dar legitimidade às três clássicas e conhecidas profissões impossíveis: a de EDUCAR, a de CURAR e a de GOVERNAR.

Falaria espontaneamente? Mesmo correndo o risco de ser traído por meus instintos, de dizer um montão de bobagens infundadas e de ser ridicularizado pelo espírito maligno e justo que sempre atiça as platéias? Ou, matreiramente, ordenaria minhas idéias num roteiro em forma de jaula (como fazem os professores), para assim preservar minha integridade intelectual e garantir a imagem que quero que tenham de mim?

Sempre tive preconceitos com os palestradores que não palestram e com os vivaldinos das metodologias pós-modernas. Entretanto, depois que vi o próprio Chomsky, o Edgar Morin e outros pequenos deuses da atualidade, neste mesmo estrado, agarrados à duas ou três laudas, com os joelhos trêmulos e apertados um ao outro, fui relaxando e sendo mais condescendente com meus fantasmas e com minhas antigas exigências, baseadas muito mais numa idealização semi-religiosa e boçal do mundo, e muito mais num superego vil, do que no bom senso. Claro que se estivessemos numa Bolonha medieval ou numa Sorbone do século XIII, onde os professores eram escolhidos pelos próprios alunos, por sua sapiência e não por sua astúcia, uma postura destas me custaria não apenas a cátedra, mas também a honra. Aliás, quero lembrar que só concordei em vir expor-me aqui, deste jeito, porque o convite partiu dos alunos. Não porque acredite que eles sejam menos viperinos que seus mestres, mas por saber que ainda não precisam defender o Espaço Universitário nem a Práxis acadêmica com a obsessão de quem defende um dogma. Por outro lado, porque identifiquei na lógica desse convite, uma prática correta e saudável da Idade Média. Seria fascinante se voltassem a ser eles, os alunos, que escolhessem rigorosamente seus palestrantes, seus professores, seus peritos, seus orientadores, etc, como o era naquele tempo. E que não fossem, claro, recrutá-los apenas lá no interior das mesmas confrarias financiadas por organismos estatais ou multinacionais, nem que se deixassem impressionar pelos títulos ou pela quantidade das Cartas de Recomendação, memorandos, "pistolões" bilhetinhos, exibidas pelos pretendentes, mas sim pela maneira como dançam a vida, como saltam de uma corda à outra do trapézio em movimento e de como driblam as paranóias inevitáveis deste circo neurótico e de quinta qualidade que é a vida.

Quando tento entrar de vez no assunto que aqui interessa, me deparo com minhas limitações e com a dificuldade de esboçar até um simples retrato tanto do suposto "sujeito marginal", como da produção "supostamente naldita". E digo suposto propositalmente para insinuar desde já que, talvez, nem seja possivel ser MARGINAL, essa pecha pejorativa que os editores do século XVIII lançaram, com fins estritamente econômicos, contra àqueles autores que preferiam publicar eles próprios as suas obras. E digo suposto, - repito - porque qualquer um de vocês conhece a dificuldade de permanecer sem nenhum estatuto, à margem, do outro lado do arame farpado, além de um período curto e idílico, já que tudo neste planeta beato conspira para que sejamos, ou jogados terminantemente no lixo ou cooptados pela máquina da cultura.

E se por milagre o sujeito conseguir resistir a esse assédio por toda a vida (o que é quase impossível, uma vez que - como dizia Foucault - o anonimato literário não lhe é suportável), assim que bate as botas é rapidamente resgatado e reabilitado pelos abutres da literatura: um padre, um professor, um mestrando ou um mecenas qualquer. Então se torna lenda, folclore, um santo, um espírito benéfico ou maléfico que renderá dinheiro para alguém, mesmo quando constava em seu curricullum o diagnóstico de ateu, anarquista, anti-social, corsário, vagabundo, perverso sexual, mendigo, boêmio, cachaceiro, louco por xotas, delinqüente, autodidata, etc.

Pelo que já vimos até agora, tanto neste como em outros países, o tal "marginal" não é necessariamente um sujeito que diz NÃO para sempre ao Contrato Social, e tampouco aquele que cospe de forma irretroativa sobre os cânones principais do Estado, da Família, da Igreja e das outras imbecilidades estabelecidas. Sua marginalia (como tudo nesta sociedade presidida por rebanhos) é efêmera. Pensem em Rimbaut, se quiserem, ou em Baudelaire (que fingia querer dinamitar todos os pilares morais e sentimentalóides da época, mas que bastou adoecer, para voltar em frenesi para os braços da mãe). Pensem até no alquimista Paulo Coelho, se isto não lhes dá náuseas, que travestiu-se de marginal até que pode e que agora, de uns anos para cá, vem insinuando poderes sobrenaturais e acaba de ser agregado ao bando da Academia Brasileira de Letras.

Sim, o "marginal das letras" é um personagem que ganha visibilidade apenas num tempo determinado e limitado de sua trajetória. De um dia para outro, ou some naturalmente do mapa, sem deixar rastro, ou é absorvido e enrabado pela melancolia democrática.

Como todo farsante, descobre - ­como escrevia Pasolini - que é muito melhor ser inimigo do povo do que inimigo da realidade. Vai mudando de pele como uma serpente, ou como um calango, racionalizando seu retrocesso e sua metamorfose até que se deixa seduzir definitivamente por uma editora, por uma seita, por uma viúva, por um contracheque, por uma vaga num Departamento de universidade ou de Ministério, ou pelos elogios de um pederasta da mídia. Sucumbe à própria vaidade escamoteada e ao narcisismo que há décadas espreitava do fundo de seus complexos. Começa adocicar as palavras, preocupar-se com a gramática, fazer concessões, mudar o penteado, aparecer engravatado nas saturnais dos corruptos emergentes e pleitear uma cadeira entre a troupe senil que comanda há séculos a maioria dos banquetes. De Balzac a Lima Barreto. De Gregório de Matos a Leminsky. De Jean Genet e Samuel Rawet a Plinio Marcos, etc sempre a mesma ambigüidade e o mesmo flerte esquizóide com o Lixo e com o Luxo, como se trilhar à "margem" e na "contramão" da comédia social não fosse uma opção consciente nem um destino irrevogável, mas apenas um esnobismo neurótico experimental.

Mesmo assim, seria ridículo negar que produziram melhores obras aqueles que, por uma razão qualquer, foram banidos do sistema, cuspidos para fora da família, amaldiçoados por uma mãe histérica e por um pai asselvajado, excomungados, algemados, barrados na porta das universidades, rejeitados pelo mundo editorial, possuídos por uma ou outra forma de loucura. Sim produziram melhores trabalhos aqueles que encontraram na própria bílis a maneira mais cruel de exercer a denúncia, por um lado, contra a espécie abominável que é o homem e por outro, contra um mundo tão frívolo e tão pérfido.

Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 23 de janeiro de 2002

A igreja e os ex-seminaristas no comando das Instituições Públicas.


"A ordem antiga das sociedades humanas repousa sobre três homens que são suas pedras angulares e dos quais a idéia social contém um pouco de cada um: o Rei, o Padre, o Verdugo"
(Joseph Maistre)

Quem acreditar que a Administração Pública, a Educação e o Estado como um todo, é regido na atualidade, por um pensamento e por um Poder laico, ou está completamente à margem da história ou não aprendeu decodificar os que essas instituições exibem e usam na sua vida cotidiana e que, aliás, vêm exibindo e usando ao longo dos séculos. É impossivel separar Religião e Dominação, essa dupla aparece ilustrando a historia inteira da humanidade, desde seus primórdios tribais até nossos dias, sempre partindo da dominação "espiritual" (isto é, ideológica e de consciência), para a dominação política, e social. Não foi por acaso que mesmo ditadores vaidosos como Napoleão, Franco, Salazar, Hitler, Mussolini, todos os governos repúblicanos brasileiros e outros, sempre viram na igreja um auxiliar precioso para submeter e governar as massas e o povo.


Como no seio das sociedades primitivas, onde cabia aos feiticeiros e aos chefes o Poder de fazer chover, de fazer o sol nascer, o vento parar, a lua continuar suspensa no espaço, nas Monarquias que antecederam o Estado Moderno, e no próprio Estado Moderno dos dias atuais, ainda é, de maneira dissimulada ou não, simbólica ou não, o e o que definem e que determinam as regras de conduta da sociedade, Não necessariamente envergando a batina ou necessariamente carregando sobre a cabeça uma côroa, mas travestidos de executivos e escondidos à sombra de uma República laica, esses da igreja católica seguem ocupando altos cargos públicos, burocráticos e governamentais, bem como outras posições públicas privilegiadas, que lhes permite literalmente seguir militando em favor da moral da religião e favorecer materialmente a igreja de onde são provenientes.. Nos 25 anos de ditadura militar brasileira, a igreja rachou-se ao meio: uma parte ficou com os militares que abocanharam o poder, a outra, engajou-se na luta política a favor da sociedade civil, que foi massacrada e privada de suas liberdades elementares. "Longe de ser monolítico, o catolicismo brasileiro é impregnado de sensibilidades extremamente diversificadas, de movimentos contraditórios, de conflitos internos que chegam, as vezes, ao enfrentamento". Assim, enquanto uma ala da igreja assessorava os verdugos, outra ala consolava as vítimas. E não se trata aqui, de maneira nenhuma, de questionar nem a divisão da igreja, nem seu envolvimento, por um lado com os militares e por outro com as massas oprimidas. O que se pretende observar é que essa tática tem sido usada pela igreja ao longo dos séculos, sempre com os olhos na manutenção do Poder, de um Poder Clerical que parece indissociável do Poder do Estado."Le pouvoir clérical - escreve Thibault - est un pouvoir ministériel. Un tel pouvoir peut devenir absolu dans la mesure où sa source et son mandat sont incontestés, tout en n'étant directement accessibles qu'à celui qui l'exerce. (...) C'est aussi l'essence de la bureaucratie. Le bureaucrate est en effet doublement irresponsable: la source de son pouvoir et ses titres à l'exercer sont en principe indépendants de lui; en même temps, dans la mesure où il est impossible de s'adresser ailleurs qu'à lui pour demander des comptes, il est en pratique le seul juge de l'extension de son pouvoir et de l'usage qu'il en fait". Se por um lado a igreja é a única instituição que tem a capacidade de dividir-se diante de uma crise socio-política como a ocorrida no Brasil, naqueles anos, por outro, quando a crise chega ao fim, ela é praticamente a única instituição que reaparece fortalecida e que se re-apresenta no alto do espetáculo social como se nada tivesse acontecido. Podemos observar a realidade dessa afirmação, quando lemos a conclusão do livro de Charles Antoine, , onde ele, conscientemente ou não, fazendo uma espécie de justificativa do papel assumido pela igreja, escreve: " Les fruits sont lá: présence ecclésiale en milieux sociaux de pauvreté massive, crédibilité accrue dans les mentalités populaires et retrouvée chez les intellectuels, vitalité évangélique se traduisant en vague inédite de vocations sacerdotales et religieuses". Está mais do que claro que, para o autor, os mencionados são as conquistas de Poder da igreja para a igreja, e não as conquistas sociais que, , eventualmente, o povo possa ter desfrutado. A sociedade oprimida militarmente, com um percentual alto do povo mergulhado na mais absoluta miséria, as prisões entulhadas de prisioneiros, a tortura como regra, os desaparecimentos de indivíduos, os tanques desfilando pelas avenidas... eis aí o pretexto para se infiltrar no seio dos dois lados e fortalecer-se, e reorganizar-se. Eis aí uma oportunidade única para oxigenar as e as áreas capengas do Poder Religioso que, apesar da modernidade e de tudo, não se abala. e continua servindo de alibi para um Estado violento, corrupto e, essencialmente, sem nenhuma legitimidade. E seria ingenuidade pensar que a Igreja defende esta ou aquela forma de governo, esta ou aquela Constituição; este ou aquele regime. Quando ela chegou ao extremo de colocar-se a favor deste ou daquele governo, o fez sempre porque viu seu Poder colocado em risco ou, então, como já dissemos, porque viu uma chance de avançar ainda mais sobre as estruturas sociais. Como escrevia Anatole France "Não é verdade que a igreja condena o Estado republicano. Ela considera, ao contrário, que o Poder dentro de uma República ou de uma Monarquia, vem de Deus (...) Ela não considera que a República seja malvada em si, mas ela a julga ruim quando ela institui a liberdade de consciência, a liberdade de ensino e a liberdade da imprensa" . E isso não pode surprender-nos, pois se observarmos a história do Estado Moderno, vamos ver que mesmo ele foi inspirado pela igreja e na estrutura clerical, e que, principalmente, os tiveram e têm ainda por guia, não somente a hierarquia imaginária do além, adaptada à vida terrestre, mas também aquela que inspira e comanda a vida social, que cria as diferenças, as classes, as desigualdades, as injustiças. Em outras palavras "L'Eglise consacre à la fois la richesse et la pauvreté, fait de l'État son instrument de domination, en apporte la justification, le bénit".


O Estado, com sua pretensa função de Rapport social de dominação do homem sobre o homem, fundado no monopólio do exercício legítimo da violência física e com sua rêde de poderes que se disseminam por todos os extremos do país, foi e é para a igreja, um instrumento precioso para o exercício de sua dominação e para a pregação de sua . Em seu estudo sobre as relações da Igreja e o Governo, em Portugal, Marcadé escreve: "C'est moins par l'idéal représenté que par la position sociale de ses membres, qu'elle était à même d'exercer une unfluence; dans les populations rurales, en grande majorité analphabètes, c'était le curé qui, en jouant le rôle d'intermédiaire, pouvait orienter et déterminer les opinions". Os conflitos e as brigas que historicamente e mesmo na atualidade vemos acontecer entre a igreja e o Estado, entre a igreja e os governos, entre os bispos e os políticos, entre os padres e os burocratas, foram sempre e são ainda agora, conflitos e brigas muito mais na disputa pelo Poder do que por questões propriamente religiosas, teológicas, ideológicas, etc. Tanto a teologia como a ideologia tem servido principalmente para esconder o jôgo hipócrita e desvairado tanto pela disputa pelos postos de comando dentro da máquina administrativa estatal como dentro do clero e, naturalmente, para definir o dos domínios sociais: quem domina a educação? quem domina a saúde? quem domina os cartórios? quem domina as fôrças armadas? os hospitais? os hospícios? quem domina a indústria da fome que a América Latina e principalmente o Brasil, viu ser implantada e fomentada com "puissance"? Como era óbvio de se supor, acabaram os dois, a igreja e o Estado, lado a lado, ombro a ombro, dividindo pacíficamente todos esses terrenos, como os nativos dividem um bufalo abatido. A igreja, com o pretexto de que seu poder foi legitimado por Deus, o Estado, com a desculpa de que sua violência é legitima e que foi outorgada pela vontade popular. Diferenciados essencialmente por uma questão terminológica e revestidos cada um por sua mentira pessoal, convivem relativamente em harmônia, pois sabem, que, apesar de ambos encarnarem um Poder e um autoritarismo de origem transcendental, seu verdadeiro interesse é pela dominação terrenal.


No caso específico do Brasil, essa simbiose é tão antiga e tão , que nem mesmo os próprios envolvidos tem consciência de sua origem e muito menos de seus objetivos. Ela nos foi transmitida pelos nossos conhecidos colonizadores, os portugueses, que fizeram exatamente o mesmo, com mais ou menos sucesso, em todas suas outras colônias, seja na Asia, com Macau, ou na Africa, com os negros e os nativos. Cada navio que chegava em terras colonizadas correspondia a um ; cada marinheiro a um e cada espada a uma . Se com a última se subjugava , com a espada se oprimia cultural e socialmente.


Em Portugal, na segunda metade do século XVIII, vemos o anticlericalismo, se materializar temporariamente com uma ação direta do Marquez de Pombal contra a igreja, com a justificativa de que ela dispunha de excesso de poder, de excesso de riqueza e demasiadas ambições políticas. "Dans l'Église, D. Pedro IV pouvait voir l'alliée et le soutien de son adversaire D. Miguel. De lá, pour des raisons politiques, mais aussi bassement financières, les lois anticléricales de Joaquim António de Aguiar, surnommé pour cette raison <>. Ce fut, déjà, la confiscation des biens de couvents et la dissolution des congrégations". O episódio, longe de caracterizar uma medida política, no sentido histórico do termo, é apenas uma ação defensiva. O Marquez sente seu Poder político ameaçado e mobiliza-se para destruir a instituição que representa essa ameaça. E isso fica claro, quando vemos, já em 1840, o Estado e a Igreja novamente juntos. Voltam a coabitar, como se essa curta separação lhes tivesse servido para esclarecer a que os une e para fazer cada lado sentir que sem o a sua penetração sobre as massas encontra mais obstáculos. Mas ainda não será desta vez a grande reconciliação. Ainda há choques, os líderes e os chefes de cada bando se atacam mutuamente, com a Igreja aparentemente levando desvantagem, principalmente quando nasce e se instala a República portuguesa (1910), pois com ela serão tomadas uma série de medidas abertamente anticlericais, mas que também são passageiras, efêmeras como uma briga de namorados, uma vez que seis anos depois, a cumplicidade se reestabelece e vai definitivamente fortalecer-se em 1940, com o Estado Novo e o governo do ditador Salazar.


É interessante e cômico notar que no auge das medidas anticlericais, do confisco dos bens da igreja, do fechamento de associações, escolas e centros religiosos, bem como da exoneração de padres, etc, etc., o governo português mergulhado numa contradição e numa ambivalência profunda, coloca à disposição dos religiosos, (das de suas medidas) vários cargos e funções públicas. Esse tipo de estratégia, essa maneira sutil de é uma prática que o Estado veio fazendo ao longo de sua existência, principalmente com os intelectuais e com os líderes oposicionistas. Evidentemente, que os padres e os religiosos, pelo poder que detinham e pela formação intelectual que dispunham, seriam muito mais úteis para os governantes dentro, do que fora do Estado.


Com a chegada de Salazar ao Poder, era evidente que a igreja poderia respirar aliviada e recuperar seu lugar privilegiado junto e dentro do Estado. A Constituição de 1933 foi o primeiro passo para essa conquista da igreja católica, pois entre outras coisas, essa Constituição pretende garantir a liberdade de consciência (o que Salazar parece não ter cumprido durante sua ditadura), a liberdade de culto, e a liberdade de ensino. É nesta última liberdade que a igreja fixa os olhos e por quem seu bate mais forte, pois ela sabe que nenhum lugar é mais propício que a escola para o e o embotamento ideológico-moral das consciências. Seu anseio foi mais do que realizado pelo ditador, que, três anos depois, reintroduz os crucifixos nas salas de aula e o ensinamento moral cristão nas escolas. O Episcopado euforico, cria o jornal As Novidades; se associa e investe em hospitais, Casas de Saúde, etc., e funda a Radio Renascênça, uma empresa sustentada por capital privado e por capital da igreja. O interesse da igreja, pelos meios de e pelos meios de é um interesse que vem de longe, pois é através dele que ela irá exercer, e de maneira eficaz, seu Poder sobre a sociedade civil. "L'Église - escreve Marcadé - en tant qu'institution, apparaît de plus en plus protegée, sinon privilégée, dans un Etat qui continue néamoins à s'affirmer laïque." Agora, outra vez de mãos dadas, o Clero e a Ditadura de Salazar juntos, procuram identificar ou mesmo inventar um inimigo comum que, evidentemente, naquele momento histórico, não poderia ter sido outro além do comunismo. Essa doutrina que, desde 1917, vinha sendo implantada na URSS, que rondava a Europa Central e que ameaçava infiltrar-se nos países pobres do mundo, tinha um perfil adequado para ser o símbolo daquilo que a igreja e os ditadores queriam atribuir aos seus inimigos: era a encarnação perfeita do , tanto para a República burguesa ocidental (essa Monarquia travestida), como para a igreja e o clero, pois o comunismo trazia em sua essência tanto a revolução proletária como o ateismo.


Assim, em 1940, a Santa Sé e o Governo de Portugal reconciliam-se definitivamente e o país vê o reestabelecimento de tudo aquilo que um pouco antes, ele próprio havia proibido:


a) "as Congregações religiosas já podem voltar a estabelecer-se e funcionar livremente;
b) a orientação cristã é assegurada dentro dos estabelecimentos educacionais do Estado;
c) a validade do casamento religioso é reconhecida e o divorcio passa a ser aceito só para os casais casados apenas no civil;
d) os seminaristas são dispensados do serviço militar;
e) a igreja recebe de Franco o presente que ela tanto sonhava: a responsabilidade sobre todos os "cursos" pré-elementares, com o que, ela tem acesso a todas as crianças de Portugal e das colônias, antes mesmo que eles ingressem na escola pública ou na escola privada", etc., etc.


Essa rápida retrospectiva da relação contemporânea entre a igreja católica e o Estado Português, tem um significado muito grande para a compreensão da temática sobre a qual estamos reflexionando, uma vez que essas mesmas alianças foram efetivadas de forma semelhante também no Brasil, (colônia portuguesa de 1500 até 1889) onde, mesmo depois do estabelecimento da República brasileira, as idiossincracias católicas-portuguesas não deixaram de seguir se reproduzindo fortemente nesse meio social onde, desde 1550, quem admnistrava a educação nos colégios das principais cidades brasileiras, eram os jesuítas.
Pode-se notar que sempre houve, tanto por parte das Monarquias como das Repúblicas, uma tendência em acreditar que a educação é algo inseparável da religião. E isso pode ser exemplificado com a proibição de Portugal, sobre a Capitania de Minas Gerais, impedindo que esta implantasse um curso de medicina, ao mesmo tempo em que liberava o alvará de licença para o Curso de Teologia e de filosofia do Convento de Santo Antonio, no Rio de Janeiro. etc., etc.


Apesar de todo esse caminho que mentalmente acabamos tendo que percorrer, o que nos interessa aqui, é chamar atenção para o fato de que no Brasil, a administração pública é praticamente uma extensão da administração clerical. E que, desde as prefeituras municipais, e os governos estaduais até o Poder Federal, as autoridades e os postos de mais alto escalão estão, em regra, nas mãos de ex-padres, de ex-seminaristas ou, quando não, de devotos que, antes de tomar qualquer medida administrativa, costumam consultar o vigário, o bispo, o a Cúria Metropolitana. Uma recente pesquisa informal, em Brasília, demonstrou que dentro dos Ministérios da Educação e da Saúde existe mais Bíblias que Constituições e mais crucifixos que fotos do Presidente da República.


Se isso constitui um ou ou , não cabe esclarecer aqui, o que quero ampliar e mostrar, é essa confusão, essa mistura e essa simbiose entre religião, política e administração, uma vez que para qualquer lado que se olhe se ve aquilo que escrevia Bakunin: "esses dois gênios malignos tão antigos como a história, as duas serpentes que devoraram tudo o que a história produziu de humano e de belo" O que me proponho a explicitar aqui, é a hipocrisia da idéia de que o Estado e a Igreja estão separados; a mentira de que a educação nacional é laica; e a fragilidade de um povo ingênuo que, quando pensa que está sendo administrado, está, na verdade, ainda sendo colonizado e catequisado. A questão, ao meu ver, apesar de representar, por um lado, um golpe vivaldino da igreja católica contra o Estado, e por outro, uma traição à liberdade de pensamento dos indivíduos e da sociedade, deve ser vista muito mais como uma questão ética do que política, muito mais como uma questão de ideologia que de teologia, e muito mais um truque do que uma estratégia. Se é verdade que um seminarista é mais útil para a igreja como do que como ; muito mais dentro da máquina estatal que dentro da máquina clerical, e que é, pragmaticamente, mais bem administrando o Poder do Estado que o Poder Divino, então é tempo da sociedade civil acordar e começar a prestar mais atenção tanto sobre seus impostos como sobre seu dízimo.

Ezio Flavio Bazzo
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1. IN Hugo,Victor, Écrits sur la peine de mort, Actes Sud, p. 78, Paris 1992
2."A toutes les époques, les sorciers d'Egypte, au tèmoignage des contes populaires, ont eu la prétention d'arrêter le cours des astres et des fleuves, de faire à volonté la nuit et le jour, la pluie et le beau temps; nul doute que le pharaon dont on disait sous la XVIII dynastie qu'il était le maître des charmes magiques, celui à qui Thot lui-même avait enseigné tous ses secrets, ne fût estimé plus capable encore que n'importe quel magicien d'agir à son gré sur la nature" IN: Leval,G. L'Etat dans l'histoire, Editions du monde libertaire, p.262, Paris 1983.
3. "Les catholiques du brésil ont vécu les vingt-cinq années qui viennent de s'écouler comme un formidable défi historique. Ils en sortent meurtris, divisés. Pourtant la minorité qui, au cours des années soixante, s'est resolument engagée dans l'aggiornamento prône par le Concile Vatican II, a réussi dans la tempête politique des géneraux brésiliens à affirmer un type d'église ralliant finalement à sa cause la majorité des forces viver du catholicisme national.(...) La chute du président Goulart, accentue cette division es catholiques. Très vite, l'aile de l'église sert d'appui au nouveau régime pour réprimer l'opposition permanente de son aile ". Antoine Charles, Les catholiques brésiliens sous le régime militaire. Ed; du CERF,. introduction et p. 38, Paris 1987.
4.. Pierre, Thibault, Savoir e Pouvoir, Les Presses de L'université Laval, p. 95, Québec, 1972.
5Idem p. 136.
6. A partir do advento da cristandade medieval três fôrças, apoiadas sobre três modêlos epistemológicos e apologéticos, disputam o Poder no interior do cristianismo:
(a). Au Pouvoir des Universités et des Théologiens correspond une épistémologie <> apparentée à la tendance intellectualisante de l'augustinisme;
(b). Le second modèle est nominaliste ou fidéiste: virtuellement anarchique, il ne peut convenir à un pouvoir spirituel que si la discipline est assurée de l'extérieur. Le fidéisme convient à une alliance du trône et de l'autel, où le clergé dépend du pouvoir politique;
(c). Le pouvoir concentré entre les mais du Pape, postule, pour sa part, une ideologie qui est une apparente fusion des deux précedents: un fidéisme facilement obscurantiste, favorable à la mobilisation religieuse des masses, assorti d'une apologétique <> fondant la prétention à l'universalité de le pouvoir spirituel et son indépendance en droit à l'égard des contingences intellectuelles et politiques." Thibault,P. Idem, p.98.
7.France,A. L'Eglise et la République, Libertés, pp;37,38, Hollande, 1964
8. Leval G; idem p. 268
9.Marcadé,Jacques, Le Portugal au XX siècle. PUF, p.95, Paris 1988
10.Idem, p. 97
11. "La revolution de 5 octubre 1910, s'était accompagnée, à Lisbonne, de violentes manifestations anticléricales: 1) Assaut de certains etablissements; 2) masacre de deux pères lazaristes; 3) les "88 jesuítes qui se trouvaient dans le pays furent arrêtés, puis expulsés; 4) les biens des congrégations furent mis sous séquestre; 5) le serment religieux est suprimé; 6) le mariage civil est introduit et le divorce institutionnalisé; 7) la tenue des registres était confiée à des officiers d'était civil laïques, ce qui, en outre, privait l'Église des revenus résultant de l'établissement des actes; 8) l'enseignement religieux est suprimé dans les écoles; 9) la chaire de droit ecclésiastique de l'universitée de Coïmbre est, elle aussi, suprimée tandis que la Faculté de Théologie cède la place à une Faculté de Lettres; 10) le 20 avril 1911 est promulguée la loi de séparation de l'Église et de l'État, qui s'inspire très largement du modèle français de 1905., Etc., etc.," Marcadé J. Idem, pp. 95,96,97.
12.Idem, p. 101
13.Idem, p. 101
14. "Dans les villes et les aldeas ils ont crée des écoles primaires. Pour le secondaire ils ont fondé des collèges, sur le modèle européen, dans tous les grands centres: à São Vicente dès 1550, à Bahia en 1553, à São Paulo en 1554, à Rio en 1567. Le curriculum studiorum, est le même qu'en Europe. Les professeurs de ces collèges forment l'élite intellectuelle de l'amérique Portugaise. Ils agitent les grands problèmes théologiques: celui de la Grâce, par exemple".Mauro,F. Le Brésil (du XV a la fin du XVIII siècle) S.E.D.E.S, p. 140, Paris 1977.
15. "Mais dans les collèges jésuites l'enseignement était le même qu'en Europe. Lorsque les Jésuites sont expulsés en 1759 un concours est organisé à Bahia pour recruter des professeurs pour les remplacer. Ailleurs des professeurs sont envoyés directement du Portugal. L'administration de ces écoles laïques semble difficileet, en 1771, elle passe sous l'autorité de la Real Mesa Censoria qui etablit une véritable <> du Brésil.". Idem, p.214.
16. Bakunin,M. La liberdad, Juan Grijalbo Editor, p.61, México 1972.

O acosso moral no Trabalho


Aproveitando a obsessão dos candidatos em prometer emprego aos eleitores, é importante lembrar que tão ou até mais grave que o desemprego em nosso país é o acosso moral no trabalho, sobre o qual nenhum dos ilustres postulantes tem dado uma única palavra. O acosso moral, um tema recente que vem sendo tratado com rigor pelos organismos internacionais do trabalho, se refere ao abuso de poder, à pressão, à perseguição, à desqualificação, ao amedrontamento e às ameaças que os trabalhadores sofrem no ambiente de trabalho, tanto no âmbito dos serviços públicos e das universidades como no das empresas privadas, problema que tem causado diversas doenças psicossomáticas nas vítimas e inclusive suicídios.

A revista nº 43 da OIT, tratando dessa questão, menciona o livro recentemente publicado no Canadá, intitulado Un collègue veut votre peau (Um colega quer tua cabeça), onde são descritos três tipos desses agressores:

1. A besta — Uma pessoa brutal e alheia a toda redenção, que desde a infância desfruta destruindo a dignidade dos demais (elege objetivos fáceis, pessoas emocionalmente frágeis e que não podem permitir-se deixar o trabalho);

2. O político — Um empregado ambicioso que acossa um companheiro e se apropria das idéias dele, com o fim de conseguir uma ascensão ou ser reconhecido diante da direção (acossa os funcionários que considera rivais e que deseja eliminar);

3. O impostor — Um empregado incompetente que oculta seus erros difamando os outros (desacredita seus antigos companheiros para proteger-se). No Brasil, onde apesar do blablablá estéril dos administradores, não existe critério nenhum para a ocupação de cargos de chefia e onde quase 90% dos funcionários estão desviados de função, esse tipo de conflito, tanto entre chefes como entre chefes e subalternos e entre os funcionários em geral, tem transformado os ambientes de trabalho em pequenos focos de neurose e de destruição mútua, comprometendo, além da saúde e da realização pessoal, os próprios serviços. O silêncio, a negligência e quase sempre a participação ativa dos próprios setores de recursos humanos nessa patologia a têm tornado cada vez mais grave e cada vez mais fora de controle.

Por isso, seria importante se os candidatos, no meio de tanto palavreado inútil, conseguissem lançar o olhar para bem mais longe quando se referem ao emprego, pois o problema não está apenas no desemprego, mas também no emprego onde o sujeito, em troca de uma remuneração miserável, terá que se submeter a condições irracionais e destrutivas. Recentemente, em seu livro Mal-estar no trabalho: acosso moral; separação entre o real e o fictício, a psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen propôs que ''os governos estabeleçam programas de prevenção frente a esse problema, que, na realidade, não constitui uma debilidade apenas pessoal, mas uma enfermidade coletiva''. Caso contrário, seria até melhor que as pessoas. parafraseando Rimbaud, gritassem nos comícios a esses oportunistas: Trabalhar? Jamais, jamais. Nós estamos em greve!

Ezio Flavio Bazzo